Dois bilhões de reais contra a corrupção

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A guerra às drogas não poderá jamais ser vencida. É uma espécie de farsa em que o combate ao fenômeno depende do próprio fenômeno a ser combatido. Em parte é a isso que, consciente ou inconscientemente, os policiais se referem ao usar a expressão enxugar gelo. Nos EUA a polícia confisca parte da receita do tráfico ilegal para financiar o combate aos traficantes. Essa talvez seja, ao lado do uso estratégico (em termos geopolíticos) da gestão internacional da guerra às drogas, a maior promiscuidade entre aparato de repressão e crime organizado.

É um círculo vicioso onde os dois sistemas, para existirem, precisam se retroalimentar: Como pode dar certo criar uma estrutura burocrática que depende financeiramente do fenômeno que pretende combater?

Por um lado a ilegalidade desse mercado é a fonte primária do lucro dos traficantes. As apreensões, os confiscos e as condenações de parte dos traficantes, juntamente com o pagamento de propina, são o custo operacional do mercado ilícito.

Já as forças policiais combatem no varejo aquilo que justifica sua existência no atacado. Se  o tráfico fosse extinto, através da legalização, como já ocorre com o cigarro e o álcool, a violência diminuiria e com ela o orçamento da segurança. Precisamos ter em mente que  o orçamento da segurança é voltado quase que exclusivamente ao combate ao tráfico ilegal de drogas. É razoável considerar a possibilidade de que a violência, normalmente associada ao consumo de drogas, seja agravada pela opção de tratar esse assunto nos termos de uma guerra.

É possível traçar uma gênese  da guerra às drogas desde o fim da lei seca nos EUA. O Departamento de Narcóticos buscou abertamente a proibição do uso de drogas (que antes  eram tratadas no âmbito das questões de saúde) para recuperar sua parcela do orçamento da segurança pública no contexto da regularização do comércio das bebidas alcoólicas. Essa tese é defendida de forma brilhante no livro “Na fissura Uma história do fracasso no combate às drogas” de Johann Hari (Companhia das Letras). A arqueologia da Guerra às Drogas nos revela uma guerra aos pobres onde se busca normalizar a exclusão social na forma de estigmatização do consumo de entorpecentes nas classes populares.

 

A importação do modelo americano

Pois agora esse modelo falido de combate ao uso de drogas, será importado para o Brasil como solução para o problema da corrupção. Foi criada uma fundação que vai receber 2,2 bilhões de reais (apreendidos da Petrobrás) para gerenciar a repressão da corrupção. O Judiciário, o MP e o Ministério da justiça estão criando uma estrutura paralela de repressão a uma prática ilegal que para se tornar cada vez mais bem financiada depende da continuidade do fenômeno que pretende combater. Essa fundação de combate a corrupção será financiada através das multas aplicadas às empresas privadas e públicas que tiverem problemas de corrupção ativa e passiva.

É uma espécie de novo imposto semelhante a uma taxa de custo operacional para aqueles que controlam a corrupção. O dinheiro apreendido vai para uma fundação que irá decidir se investe esse dinheiro em repressão ou educação, por exemplo. Se a opção for investir em educação os índices de corrupção poderiam cair de modo que a própria fundação não tivesse mais razão de existir.

A pergunta é: uma vez que o leviatã seja criado, algum liberal ou conservador (não precisa ser alguém de esquerda) acredita que ele invista em sua própria extinção?

O mais provável é que algo assim que já começa gigantesco, quando comparado às instituições públicas de saúde e educação, se torne orgânico as estruturas corrompidas. Do mesmo modo que já vimos o surgimento de milícias que extorquem a população das comunidades em troca de “segurança” . O velho esquema das máfias sempre pode emergir de dentro do próprio aparato repressor do Estado.pronto para corromper mais essa estrutura repressiva.

Governar não se resume a adjetivar e agir de modo automático, autoritário e superficial. É urgente que voltemos a pensar de modo crítico e complexo. Nossa agenda política está capturada por um movimento obscurantista que advoga contra às evidências. Estamos em um impasse sobre as questões cruciais em relação às possibilidades de superação da anomia em que mergulhamos nos últimos anos.