FORMAR PARA INTERVIR: CONTRA UMA FORMAÇÃO ELITISTA

14 votos

 

Vários autores têm sinalizado que as políticas de formação dos profissionais de saúde implicam a apreensão da complexidade que permeia o SUS na atualidade e, deste modo, requerem ações de formação que se engendrem em um processo de construção coletiva com os sujeitos envolvidos. Com isso, a aprendizagem não deve ser só teórica e técnica, pois o psicólogo tem que ser comprometido socialmente, estar preparado para lidar com os problemas de saúde de sua região e ter condições de atuar em equipe com outros profissionais.

A formação para a área da saúde deveria ter como objetivos a transformação das práticas profissionais e da própria organização do trabalho e estruturar-se a partir da problematização do processo de trabalho e sua capacidade de dar acolhimento e cuidado às várias dimensões e necessidades em saúde das pessoas, dos coletivos e das populações. Assim, a formação elitista distancia o aluno e o profissional das demandas sociais existentes, não os habilitando para lidar com o sofrimento físico sobreposto ao sofrimento psíquico, a injustiça social, a fome, a violência e a miséria.

O cotidiano dos serviços de saúde é a matéria-prima para a construção de processos de formação que procura enfrentar os desafios de concretização do SUS em sua integralidade. Uma construção que se faça coletiva, entre trabalhadores, gestores e usuários, realçando a concepção de saúde-doença, permitindo a operacionalização dos serviços em rede, permitindo os processos de trabalho na área da saúde, bem como a não fragmentação da assistência nas práticas de cuidado. Para isso, requer-se a formação dos profissionais da saúde num caráter com modos que se construam dentro da integralidade e indissociabilidade entre as práticas de cuidar, gerir e formar. É neste campo de imersão que a formação ganha consistência de intervenção, de intervir entre ações, experimentando os desafios cotidianos de materialização dos princípios do SUS e da invenção de novos territórios existenciais. Logo, quando queremos pensar as interfaces da Psicologia com o SUS, problematizamos o que podemos, o que queremos, como fazemos para contribuir na construção de outro mundo possível, de uma outra saúde possível, uma saúde pública possível.

Desse modo, não se trata de lidar com conhecimentos e informações como objetos já dados ou com técnicas destituídas de seu caráter de produção social, econômica e cultural que são repassadas a receptores passivos. Neste caso, estaríamos no plano de uma formação consumo, que tem funcionado através do consumo de kits ou de técnicas a serem aplicadas e no desenvolvimento de novas habilidades descartáveis e apartadas do cotidiano dos serviços. É com esta que se visa uma atitude transdisciplinar como potência de produzir aberturas a novas possibilidades, sensibilidades e visibilidades do SUS e serviços de saúde. Toma-se a formação como forma e força, compartilhando experiências e tornando os processos de formação em seus efeitos de potência. Mas como concretizar estes planos em uma formação-consumo? Uma formação que muitas vezes se contrasta com a realidade do SUS, uma formação que se distancia muitas vezes da realidade de muitos. O que se quer aqui é uma formação em saúde como possibilidade de produzir novas formas de vida e trabalho dentro da construção de saberes coletivo. Abrindo possibilidades múltiplas no campo da saúde. Formar implica dialogar com redes de saberes e de experiências.

Ao apresentar a experiência do Curso de Formadores e Apoiadores da PNH (HECKERT e NEVES, 2007), não se buscou acenar com um novo modelo de formação, mas compartilhar experiências de apostas em práticas de formação conectadas ao processo de trabalho. Entre práticas apaziguadoras, que não veem perspectivas de interferência nos dilemas que vivemos no presente, e práticas de desassossego que indagam as evidências que nos constituem,  se forjam os processos de formação.

Problematizar o saber-fazer, a práxis da formação, criar estratégias de intervenção frente aos desafios que o sistema de saúde traz saber inventar com formas de ação, só assim se fará construção de novas formas de reinvenção da saúde para as demandas da população. Se colocar no campo de atuação, inserir-se na realidade que se apresenta os serviços de saúde, saber criar modos coletivos para ampliar a assistência para a população, como direito de todos, para que os sujeitos que usufruam deste, procurem os atendimentos tendo conhecimento daquilo que receberão de volta.

 

Acadêmicos de psicologia: Andrey Ferraz e Gabriela César

Artigo referência:    Modos de formar e modos de intervir: quando a formação se faz potência de produção de coletivo  (caderno humaniza SUS, vol.1  Formação e intervenção/ Autoras: Ana Lucia C. Heckert e Cláudia Abbês Baeta Neves)