Laboratório de Sensibilidades, Fórum sobre a Medicalização da Educação e da Sociedade, RHS e o SUS

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Tecer redes e redes de redes é cada vez mais necessário em tempos de refluxo das forças criativo-solidárias diante das modulações do capitalismo. Estamos vivendo um destes momentos hoje, onde a perplexidade pode produzir efeitos paralisantes. A melancolia campeia por todos os lados, os ódios acentuam ainda mais as intolerâncias e seguimos sem um norte coletivo. Por outro lado, se não nos deixamos iludir por voltas nostálgicas a velhos modos de resistir, buscamos reinventar os coletivos e suas produções relacionais.

A bela formulação de Rejane Guedes Pedroza, sob a forma de comentário no post de Raphael Trávia https://redehumanizasus.net/mini-guia-de-sobrevivencia-para-um-amigo-antimanicomialista/, nos dá uma pista para seguir. E seguir de forma lateralizada, ou seja, estar com, ao lado de:

“Como do múltiplo fazer UM? Essa questão instigante nos perturba exatamente porque, em nossos discursos, prezamos pelo respeito às singularidades, respeito às múltiplas formas de pensar, de viver e de agir. Talvez uma ‘pista’ para a unificação das singularidades seja exatamente a compreensão de que não estamos em lados opostos, que a ação coletiva pede estratégias para além dos discursos de um só ponto de vista. Cada microespaço precisa ser ‘agitado’ com questões sobre o direito à vida, o direito a expressão e sobre os modos de cuidado para além dos rótulos do DSM. Família, grupos de trabalho, redes sociais, espaços públicos e espaços institucionais são bombardeados pelo fomento do ‘medo’. O ‘louco’, o ‘perturbado’, ‘o transtornado’, ‘o drogado’ são a bola da vez como o ‘homo sacer’ (homem sacrificável) que serve como justificativa para as práticas de confinamento, subjugo e lobotomia química. Confesso que estou assustada com a força das ondas, mas sei que é preciso AGIR.”

Valho-me de todo este preâmbulo para acentuar a relevância das palavras de Rejane e, ao mesmo tempo, trazer para a nossa ágora virtual, a RHS, alguns espaços preciosos com os quais a composição de que ela nos fala, uma certa inteligência coletiva, daria bons frutos.

Um deles é o Laboratório de Sensibilidades. Vejam como se apresentam:

“(…) De reuniões semanais no segundo semestre de 2006 de um grupo de estudantes, técnicos e professores da Universidade Federal de São Paulo(UNIFESP) – Baixada Santista, preocupados com o tema da universidade pública e a formação ampliada, surgiu a proposta da Inteligência Coletiva – Clube dos Saberes, como uma estratégia de circulação de conhecimentos distribuídos indistintamente entre os seus componentes. A idéia era, numa instituição de espaços e funções bastante demarcados em relação ao saber e ao poder, como a universidade, criar uma outra ágora de intercâmbio de conhecimentos, reconhecendo as singularidades e favorecendo a desierarquização dos sujeitos. Pretendia-se também abrir espaço para saberes não valorizados na academia, mas que sobrevivem pelo cultivo das pessoas em territórios estrangeiros ao universitário. Todas as atividades seriam livres.

(…)Em paralelo, pensamos na criação de um espaço em que se pudesse fazer contato e experiências com linguagens do registro da arte: gráficas, sonoras, visuais, eletrônicas, etc.  A idéia era a de um espaço que reunisse obras e meios de diversos suportes e referenciais estéticos, com o intuito de que os seus freqüentadores pudessem exercitar sensibilidades ainda não exploradas. Supunha-se que, com isso, se poderia aumentar o grau de recepção e tolerância de formas de vida, em si e conseqüentemente nos outros. Supunha-se também que as atividades neste espaço, que chamamos de Laboratório de Sensibilidades, poderiam criar canais de expressão e significação de vivências do cotidiano acadêmico, demasiadamente compartimentalizado e pouco implicado com o impacto afectivo gerado nos sujeitos. Em síntese, imaginávamos um campo que pudesse alargar o sensível, com conseqüente redução das defesas que costumam fechar este trânsito, ao mesmo tempo em que oferecesse recursos para lidar com tal ampliação.” (Professores Sidnei José Casetto, Alexandre de Oliveira Henz, Jaquelina Maria Imbrizi, Angela Aparecida Capozzolo).

Desde sua inauguração, em março de 2007, o Laboratório de Sensibilidades, articulado com o Clube dos Saberes, sedia oficinas diversas – como tricô com os dedos, eutonia, dança de salão, teoria musical, entre tantas outras – em que geralmente estudantes, mas também técnicos e professores ensinam algo que saibam a outros interessados em aprender; organiza semanas temáticas, como as de Clarice Lispector, Chico Buarque e Nelson Rodrigues, além de manter-se aberto à comunidade acadêmica, que se manifesta, por exemplo, desenhando, tocando o violão ou a flauta disponíveis ou montando, em pequenas doses, a cada passagem, um quebra-cabeça que aos poucos vai se delineando.

Segundo um verso do músico e poeta Arnaldo Antunes, “toda gente tem que não ter cabimento, para crescer”. Nessa lógica, também o Laboratório de Sensibilidades cresceu para fora das paredes do campus Baixada Santista da UNIFESP ao criar este blog. A ideia é compartilhar textos, imagens, vídeos, músicas e tudo mais que acharmos que vale a pena, além de oferecer sugestões para ler, ouvir, ver ou ir.

 

Outro grande espaço de produção de encontro e ações a partir de outros modos de ser e viver é o Fórum sobre a Medicalização da Educação e da Sociedade:

https://www.facebook.com/forumsobremedicalizacao/

Apresentam-se a partir da contextualização do fenômeno da medicalização da vida:

A sociedade brasileira vive um processo crescente de medicalização de todas as esferas da vida.

Entende-se por medicalização o processo que transforma, artificialmente, questões não médicas em problemas médicos. Problemas de diferentes ordens são apresentados como “doenças”, “transtornos”, “distúrbios” que escamoteiam as grandes questões políticas, sociais, culturais, afetivas que afligem a vida das pessoas. Questões coletivas são tomadas como individuais; problemas sociais e políticos são tornados biológicos. Nesse processo, que gera sofrimento psíquico, a pessoa e sua família são responsabilizadas pelos problemas, enquanto governos, autoridades e profissionais são eximidos de suas responsabilidades.

Uma vez classificadas como “doentes”, as pessoas tornam-se “pacientes” e consequentemente “consumidoras” de tratamentos, terapias e medicamentos, que transformam o seu próprio corpo no alvo dos problemas que, na lógica medicalizante, deverão ser sanados individualmente. Muitas vezes, famílias, profissionais, autoridades, governantes e formuladores de políticas eximem-se de sua responsabilidade quanto às questões sociais: as pessoas é que têm “problemas”, são “disfuncionais”, “não se adaptam”, são “doentes” e são, até mesmo, judicializadas.os de suas responsabilidades.

Uma vez classificadas como “doentes”, as pessoas tornam-se “p

A aprendizagem e os modos de ser e agir – campos de grande complexidade e diversidade – têm sido alvos preferenciais da medicalização. Cabe destacar que, historicamente, é a partir de insatisfações e questionamentos que se constituem possibilidades de mudança nas formas de ordenação social e de superação de preconceitos e desigualdades.

O estigma da “doença” faz uma segunda exclusão dos já excluídos – social, afetiva, educacional
– protegida por discursos de inclusão.

A medicalização tem assim cumprido o papel de controlar e submeter pessoas, abafando questionamentos e desconfortos; cumpre, inclusive, o papel ainda mais perverso de ocultar violências físicas e psicológicas, transformando essas pessoas em “portadores de distúrbios de comportamento e de aprendizagem”.

No Brasil, a crítica e o enfrentamento dos processos de medicalização ainda são muito incipientes. É neste contexto que se constitui o Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade, que tem como objetivos: articular entidades, grupos e pessoas para o enfrentamento e superação do fenômeno da medicalização, bem como mobilizar a sociedade para a crítica à medicalização da aprendizagem e do comportamento.

Muitos outros espaços compõem um povoamento das redes sociais e virtuais que prezam a troca, o afeto e a construção de relações amorosas e solidárias em meio a tantas iniquidades. Apostemos todas as nossas fichas nelas pois provaram ser produtoras de fortes elos.