Os invisíveis

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OS INVISÍVEIS

Nós ? ficamos invisíveis ! No hospital, passamos nas enfermarias mas não somos ninguém. Estamos encarregados da limpeza dos quartos e dos corredores. É importante para a higiene e para os doentes. Eles gostam que a gente limpe, ficam mais tranqüilos. Antes, estávamos ligados a uma clínica, sabíamos o que acontecia, contavam para nós. Quando era preciso se adaptar, não era um problema, a gente entendia. Mas desde a reestruturação, tudo foi centralizado. De manhã começamos a limpar os quartos e os corredores numa clínica que nem sempre conhecemos. Chegamos e fazemos nosso trabalho, não temos mais contato. Pertencemos à logística, e a logística é impessoal, não pertence a ninguém.

Quando chegamos nas enfermarias, nós é que temos que ver se atrapalhamos, nós é que temos que saber se a visita dos médicos começa deste ou daquele lado. Às vezes erramos, limpamos e depois temos que fazer o trabalho de novo, porque os médicos passaram. Eles têm prioridade, não esperam secar. Os médicos não nos enxergam, nós não existimos. Os enfermeiros nos suportam, os auxiliares nos toleram. É estranha essa invisibilidade ! As pessoas falam dos doentes, na nossa frente, como se não existíssemos, às vezes ouvimos coisas que não deveríamos ouvir. Quando estamos num quarto, e nos dizem para voltarmos mais tarde, os pacientes olham sem entender direito quem somos.

Entretanto, sabemos muita coisa sobre as clínicas. Somos somente observadores, mas sentimos tudo ! Sentimos as tensões entre as pessoas, a preocupação nos olhares diante de um paciente… conseguimos sentir muito mais do que as pessoas pensam. Quando um paciente não está sendo cuidado como ele gostaria, e gente vê na hora. Ele tem aquele olhar de interrogação e resignação. Na sua incompreensão, procura um apoio, e muitas vezes é conosco que ele fala um pouco. Às vezes, nos perguntam qual o nosso trabalho, e contamos. Durante alguns instantes, existimos, é bom. Depois voltamos à invisibilidade.

A reestruturação deveria ser uma melhoria, uma otimização, como dizem, mas teve um efeito quase contrário. Antes nosso trabalho era uma contribuição à vida da clínica. Existíamos, e as pessoas falavam conosco: “você pode me ajudar aqui ?” “você poderá preparar o quarto 12, vamos receber um paciente” etc… participávamos e nos adaptávamos. Agora, ninguém nos pede nada, não nos conhecem. Somente passamos. E não temos mais contato. No começo, é estranho, principalmente para os mais velhos, que conheceram a época anterior. Para os jovens, é diferente, eles foram contratados para serem invisíveis, não têm saudades de nada.

A última inovação é o avental azul. Acabou-se o avental branco que usávamos antes. Passamos para o azul. É para dar uma identidade, nos disseram, mas na verdade isso permite principalmente identificar a logística. E desde então, nos tornamos mais invisíveis ainda. Antes, alguns ainda erravam. Achavam que estavam falando com alguém da equipe de saúde, e falavam conosco. Agora, assim que vêm o azul, sabem quem somos e não precisam mais falar com a gente. Só os pacientes às vezes nos perguntam porque estamos de azul. Os aventais azuis são bonitos, mas num hospital as pessoas esperam ver aventais brancos, então, se estamos de azul, somos um pouco menos do hospital.

Eu não entendo bem o porque dessas orientações. Nos falam sempre que é preciso melhorar. Ótimo, acreditamos nisso, mas às vezes é difícil entender. Fomos centralizados, passamos a usar azul, mas em vez de melhorar viramos máquinas de limpar quartos e corredores. O objetivo era que nos tornássemos robôs ? A próxima mudança será nossa substituição por máquinas ?

Tradução livre do texto: “Les Invisibles”, do site www.anedota.org – La revue d´experíences vécues par les professionnels, com autorização do autor.