Propostas para uma Rede de Saúde Integrada

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Artigo: A Clínica do Sofrimento Ético-Político como uma Proposta de Intervenção na
Clínica Ampliada e Compartilhada

Autora do artigo: Ângela Maria Silva Hoepfner

Autores da resenha: Jucelaine I. Perlin e Bruno P. Carvalho

Cadernos HumanizaSUS, Volume 2, Atenção Básica

 

 

O processo de mudança do sistema de saúde no Brasil iniciou após ter sido criado o SUS, no intuito de descentralizar as políticas-administrativas e promover a cidadania pensando num modelo diferente ao que opera um tanto mecanizado até agora . Com isso, no ano de 2003, surgiu a Política Nacional de Humanização (PNH), que concretiza os princípios do SUS em relação às práticas de gestão e atenção, no sentido de melhorar a saúde pública no Brasil e instigar trocas solidárias entre gestores, trabalhadores e usuários.

A Política nacional de Humanização (PNH), foi criada pelo Ministério da Saúde com a finalidade de transformar o sistema deixando-o mais próximo, enquanto prática social, dos postulados teóricos. Ela precisa ser enxergada como uma prática que perpassa toda a rede do Sistema Único de Saúde, e que direcione a construção de políticas. Segundo Hoepfner (2010), por Política, entende-se a troca de conhecimentos que se dá entre os profissionais e usuários de diversos setores da área da saúde que constituem o SUS, e principalmente o modo como esses processos devem ocorrer para que haja solidariedade entre as partes; e como Humanização, no sentido de expandir a responsabilidade entre as partes que constituem a rede SUS, para a promoção de saúde e dos que dela dependem.

Para que a proposta de mudança da PNH funcione na rede SUS, todo pensamento referente a prática, sendo ela clínica, profissional, política, ou sanitária, deve ser desconstruído para ser reconstruído (CAMPOS, 2003). Para isso, a PNH se utiliza do método da Tríplice Inclusão, onde trabalhadores, gestores e usuários trabalham juntos para ressignificar a humanização em saúde através das novas práticas, sendo esse, o objetivo fundamental da Clínica Ampliada e Compartilhada, romper com o metro-padrão de trabalho em saúde e investir no trabalho coletivo para enfrentar situações complexas dos Sujeitos e a pluralidade de causas envolvidas no processo adoecer.

Ademais, quando se fala em adoecer, diz respeito não só a uma doença orgânica, mas sim como uma forma psíquica de adoecer, um exemplo disso é a exclusão social, um sofrimento psíquico, que segundo os estudos das ciências humanas, tem sido omitido. Normalmente as pessoas menos favorecidas, ou tidas como “pobres”, vivem em condições de invisibilidade social, sendo culpadas pela sociedade por estarem nessas condições. O sofrimento dessas pessoas é reconhecido como sofrimento ético-político, sendo que este não é plausível de intervenção clínica na saúde mental. Ele é negligenciado por profissionais de várias áreas, como saúde, assistência social e educação, e também pela família e comunidade (HOEPFNER, 2010).

A autora discorre que é comum deparar-se com comentários depreciativos sobre essa população, rotulando-os como “preguiçosos”, “acomodados” e “vadios”. Entretanto, para uma produção de saúde satisfatória é preciso compreender a dor do outro para direcionar novas práticas clínicas no atendimento em saúde.

A respeito, a Gestalt Terapia nos traz uma abordagem muito clara e lúcida sobre esse tipo de sofrimento psíquico. A Gestalt afirma que “toda e qualquer vivência somente é possível na fronteira entre o organismo e seu ambiente” (HOEPFNER, 2010, p. 84). Assim, é na interação entre o self e o contexto social que se desenvolve nossa identidade. Desta forma, com a ausência de condições apropriadas no meio, a personalidade não consegue agir, e havendo essa privação, o self fica vulnerável ao sofrimento ético-político.

Na prática clínica diária em locais de Atenção Básica (SUS), a autora salienta que diversos pacientes não conseguem descrever exatamente os seus problemas. Quando o contato se estreita com o profissional, percebe-se que “são histórias de muito sofrimento, privação social, afetiva e material, caracterizadas como exclusão” (HOEPFNER, 2010, p. 85).

O trabalho que é realizado na clínica do sofrimento ético-político consiste em acolhimento e escuta, seguido de uma intervenção coletiva que busca cooperar na promoção de saúde mental. Mas, é necessário que haja condições propícias para que os profissionais possam realizar seu trabalho de forma eficaz.

Portanto, tendo em vista o que foi elucidado, percebe-se que a forma mecanizada de tratamento que vem sendo utilizada na área da saúde, deve ser transformada. Muito além de uma simples doença orgânica, um paciente precisa ser reconhecido enquanto complexidade de fatores internos e externos, relacionado à sua subjetividade e ao contexto histórico-social em que está inserido. É nesse sentido que a Política Nacional de Humanização e iniciativas, como a Clínica Ampliada e Compartilhada atuam buscando ações que humanizem o tratamento do sofrimento ético-político.

REFERÊNCIAS:

CAMPOS, G.W. Saúde Paidéia. São Paulo: Hucitec, 2003.

HOEPFNER, Angela. A Clínica do Sofrimento Ético-Político como uma Proposta de Intervenção na Clínica Ampliada e Compartilhada. Caderno HumanizaSUS, Brasília, v. 2, p. 75-92, 2010.