VI Oficina de Construção do Projeto Terapêutico Humanizado – PTH do Caps Tauá

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Ao longo da história das relações sociais uma das características mais marcantes do homem foi a necessidade de controlar seu meio e o outro.

Essa condição é uma marca antropológica carregada por nós, que se dá no cotidiano das relações sociais.

Organizamos nossas vidas a partir de hierarquias de poder. Da infância a velhice, de casa ao trabalho, somos submetidos a um modelo pedagógico disciplinar que faz parte de nosso processo formativo.

Estamos inseridos em uma cultura em que o saber e o poder auferem a nós a possibilidade de exercer poder  sobre o outro.

Esse modelo na verdade reside em cada um de nós porque nos parece ser sustentado por nossa face mais perversa revelada como o avesso de um certo altruísmo.

Assim também fazemos no campo da atenção psicossocial. Movidos pelo suposto saber e suposto poder estamos no cotidiano dos serviços de saúde mental reproduzindo essa lógica.

A representação social do louco como perigoso e incapaz nos atravessa de tal forma que sutilmente estamos diariamente assujeitando esse outro que nos procura pela dor e em busca de amor.

Estamos tão envolvidos com um certo império do tecnicismo que perdemos a capacidade de reconhecer a alteridade do outro como sujeito desejante.

Em anos de trabalho no campo da saúde mental venho observando que os serviços se organizam a partir de uma proposta de trabalho que seguramente guarde consigo esse viés.

Um dos dispositivos reproduzidos em escala no pais se propõe a singularidade do sujeito, mas nele pode residir quase que sutilmente o manicômio.

Manicômio aqui não como estrutura física, mas sim egóica, que se traduz em ações de controle do outro em nosso cotidiano.

Nos utilizamos de uma ferramenta sem o devido cuidado de auscultar o desejo alheio, porque como louco e incapaz não sabe o que quer, perdendo portanto a possibilidade de ser e existir socialmente.

Estamos sempre delegando tarefas quase que mecanicamente a partir de um modelo prescritivo que compõe nossas rotinas de trabalho.

Investidos de poder passamos a acreditar que sabemos o que é melhor para o outro. Assim estamos sempre dizendo o que deve fazer.

Falamos aqui de um certo assujeitamento operado na relação entre o campo do trabalhador e o campo do usuário, que por vezes retira da pessoa que nos busca o direito de escolher.

A Política Nacional de Humanização pode ser considerada herdeira da Reforma Psiquiátrica, mas vem mantendo em seus princípios e diretrizes a inclusão dos diferentes sujeitos.

Convido então a seguinte reflexão: Em que momento ficamos tão ensimesmados com nosso saber e poder que esquecemos de assegurar o direito deste outro existir verdadeiramente?

Foi com essas constatações que desenvolvemos um modelo de cuidados que pode ser considerado como uma subversão a um modelo proposto de forma hegemônica.

O Projeto Terapêutico Humanizado na verdade é a plena aplicação dos princípios, diretrizes e dispositivos da PNH, cujo objetivo é a mudança do modelo de atenção e gestão da saúde mental em nossa realidade.

Certamente não inventamos a roda, mas estamos movendo com as mãos de todos, mediante a possibilidade de reconhecer a alteridade do outro como uma cidadão de direitos.

Em meio a uma realidade de ausência do poder público, estamos construindo em nossa micropolítica um  modelo de atenção democrático e participativo.

Em um lugar onde uma outra saúde mental acontece, nosso maior patrimônio não são as edificações que nem temos. Nossa maior aposta são as pessoas e seus sonhos de liberdade.

Assegurar o direito de ser e existir é uma das marcas indeléveis do que apresentamos aqui. Permitir que o outro possa acontecer e exercer sua cidadania.

Isso produz um resultado potente: O pertencimento. A possibilidade de cuidar do que também é seu. E aqui não falamos somente de um serviço, mas sim de um legado.

Nesse contexto no último dia 02 de Fevereiro realizamos a VI Oficina de Construção do Projeto Terapêutico Humanizado, que se dá a cada semestre, juntamente com outros dispositivos como assembléias e GTH na construção do Caps que queremos.

Uma das características é a descentralização do poder por entender que o poder centralizado fragiliza o cuidado. Possibilidade de vivenciar com trabalhadores e usuários a experiência da construção da atenção e gestão de uma política pública.

Convocamos a todos para mudança. Mas antes precisamos deixar pelo caminho o uso do poder como recurso carcerário. Fazer disso um exercício do cotidiano.

Talvez nosso maior desafio seja abrir mão desse controle, sem ter a sensação de ameaça de perda de espaço e de poder.

No Caps Tauá estamos fazendo isso na certeza de que ninguém é mais forte do que todos nós juntos.