Ontem a tarde, recebi várias ligações e como sempre deixo o celular no silencioso enquanto trabalho, não atendi nenhuma. Então recebi 05 áudios pelo Whatsapp do vice-presidente da Associação de Recuperação pelo Trabalho-REPART formada por usuários dos Serviços Organizados de Inclusão Social-SOIS de Joinville.
Nos áudios os usuários me pediam ajuda para fazer uma denúncia ao Conselho Municipal de Saúde pois o terapeuta ocupacional da manhã está para ser transferido sem reposição, e com isso a oficina de rádio iria acabar, outras atividades seriam interrompidas e o atendimento seria prejudicado pois os demais profissionais do serviço seriam sobrecarregados.
O detalhe é que ao fundo do primeiro áudio pude perceber uma voz feminina repetindo ao usuário aquilo que ele deveria me dizer.
Lamento que os usuários nem mesmo no SOIS estejam suficientemente instrumentalizados para exercer controle social de forma autônoma, sem que uma voz que os controle ao fundo da ligação.
Falei com o secretário de saúde por mensagem e ele me disse que acharia uma solução.
Em ligação telefônica com a Gerente de Serviços Especiais de Joinville, ela me explicou que a carga horária do terapeuta ocupacional seria reduzida no SOIS para que ele pudesse auxiliar na Residência Terapêutica onde as profissionais estão apanhando dos usuários e como ele é homem poderia auxiliar nessa situação.
Eu argumentei que se os profissionais não tiverem o manejo adequado com os usuários, de nada adianta aumentar o número de Terapeutas Ocupacionais no serviço.
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Por e-mail fiz a denúncia ao Conselho Municipal de Saúde nesses termos:
Boa tarde,
Fui informado por usuários do SOIS-Serviços Organizados de Inclusão Social de que o Terapeuta Ocupacional Rogério Amâncio Lotado nessa unidade está para ser afastado de suas atividades nesse serviço sem reposição.
Os usuários reclamaram que caso isso ocorra a oficina de rádio iria acabar e que o período da manhã seria prejudicado sem a devida reposição de outro TO no serviço e no mesmo horário.
Solicito que essa situação seja verificada junto á Coordenação competente na Secretaria Municipal de Saúde, que se possível o quadro de servidores do SOIS seja mantido como está com a presença do servidor Rogério Amâncio na equipe ou que outro Terapeuta Ocupacional seja lotado no SOIS para dar continuidade aos projetos desenvolvidos.
Sugiro que a CAE (Comissão de Assuntos Externos) visite o SOIS para verificar pessoalmente a situação
Solicito confirmação de recebimento e aguardo resposta com a maior brevidade possível.
Atenciosamente
Raphael Henrique Travia
Segundo o trâmite o CMS tem até 30 dias para me enviar uma resposta formal, então disse aos usuários a fazerem suas próprias denúncias mesmo que baseadas no meu texto e outras duas ações possíveis:
1- Formar uma Comissão com os membros da REPART e agendar um horário para conversar pessoalmente com o Secretário Municipal de Saúde;
2-Ir na próxima reunião do Conselho Municipal de Saúde em 27/08/2018 e pedir uma inclusão de pauta para falar sobre essa questão;
Lamento que a Rede de Atenção Psicossocial de Joinville esteja tão enfraquecida e sucateada que ao invés do manejo e da capacitação, precise de uma presença masculina para que as profissionais parem de “apanhar”
E o que é apanhar no contexto da atenção á crise: Agressão ou acidente de trabalho?
Existem infinitas formas de cuidar em liberdade, e apenas uma velha forma de prender e reprimir…
E você já bateu em algum profissional de saúde hoje?
Por deboraligieri
Raphael querido.
Que beleza esse seu relato que, denunciando os prejuízos do desmonte do SUS aos cuidados com os usuários dos programas de saúde mental, também apresenta propostas de controle social e de defesa da política pública a partir da sua larga experiência no assunto. Vivemos um momento muito difícil, em que o controle social necessita ser reforçado para tentar frear a sanha golpista privatista e destrutiva das políticas públicas, daí a importância dessas informações práticas sobre como exercer o controle social em defesa do SUS e do direito à saúde das pessoas.
Na minha UBS (Santa Cecília/SP) estamos passando por dificuldades parecidas com as que você relata aqui: redução de funcionários e, consequentemente, de programas de atendimento à saúde da população. Há mais de um ano estamos sem assistente social na unidade. Muitos profissionais se aposentaram sem que ocorresse reposição de quadros. No projeto atual de implantação de estratégia saúde da família existe a promessa de ampliação do quadro de funcionários, mas por contratação via OSS, ou seja, relações precárias de trabalho que resultam na fragilidade do vínculo com os usuários (a OSS que lá atua, IABAS, é bem conhecida por problemas de atraso no pagamento de salários e de benefícios trabalhistas, e é a mesma que deixou um rombo no Rio de Janeiro). Essa mudança vem sendo proposta junto com o projeto de reestruturação da saúde da gestão Doria que, na prática, significava o fechamento de unidades de saúde e o encerramento de serviços (bem no estilo da “reorganização” do governo Alckmin). A partir da mobilização de usuários junto ao Ministério Público, a reestruturação foi suspensa (foram realizados encontros regionais entre trabalhadores, gestores e usuários de cada região da cidade de SP para discutir os prejuízos da proposta, com elaboração de relatórios sobre cada uma dessas reuniões enviados ao MP), e parece que agora o projeto não será colocado mais em prática. Também no ano passado a articulação entre o sindicato dos farmacêuticos, usuários e trabalhadores do SUS impediu o fechamento das farmácias das UBSs (como propunha a gestão Doria), mas não conseguimos impedir o fechamento dos equipamentos públicos do programa Farmácia Popular numa articulação nacional maior. E precisamos fazer esse movimento nacional para derrubar a EC 95, cujos resultados já podemos perceber. Embora não seja noticiado em nenhum lugar, São Paulo enfrenta um grande problema na rede de atendimento a casos de câncer. esta semana chegou até mim um caso de uma senhora com câncer grave no pâncreas que desde o início de julho aguarda consulta com um oncologista. Após encaminhada pelo clínico geral da UBS para a rede especializada, o caso foi redirecionado de um oncologista para outro (apenas a partir dos exames dela, ninguém conversou com ela pessoalmente a não ser o clínico geral), e depois enviado para a rede estadual, que tem uma fila de espera gigante. Levarei o caso para ser debatido na reunião do nosso Conselho Gestor na próxima segunda-feira, mas temo que essa mulher venha a falecer antes de conseguirmos fazer algo.
Por mais que nos esforcemos (e vemos aqui nas postagens da RHS todo o empenho dos trabalhadores do acolheSUS, projeto que também representa uma redução da PNH ao âmbito hospitalar), há muitas forças intervindo para o fim do SUS como um sistema de direitos, até mesmo a OMS com o seu programa de “cobertura” universal em saúde. Então precisamos nos fortalecer na luta através dos laços que nos unem em defesa do SUS. Obrigada, Raphael, por compartilhar um post que faz exatamente isso: compartilha estratégias de luta em defesa da saúde, em defesa do SUS!
Abraços,
Débora