‘É bom pra quê?’ Não seria melhor: ‘É bom pra quem?”

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 ‘É bom pra quê?’ Não seria melhor: ‘É bom pra quem?”, o titulo da serie do Dr, Drauzio Varela…

 

Em entrevista a revista Época, o Dr. Drauzio Varela afirma que o Ministério da Saúde errou ao adotar a Política Nacional de Planta Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF). Será que errou mesmo? Depende do ponto de vista, afinal essa política foi construída após um longo debate iniciado na década de 1980, onde o governo da época já considerava as plantas medicinais importantes para fomentar a assistência farmacêutica, a produção e o mercado de produtos farmacêutico, criando um Programa de Pesquisa em Plantas Medicinais (PPPM) com essa finalidade.

Entre os anos de 1983 a 1996, o referido Programa financiou 110 projetos, dentre os quais, o estudo da Espinheira Santa (Maytenus ilicifolia) que apresentou resultados positivos nas pesquisas realizadas pelo Prof. Carlini, do Departamento de Psicobiologia da Escola Paulista de Medicina, a qual demonstrou efeitos protetores marcantes contra úlceras experimentais em ratos, efeito este comparável ao da cimetidina, assim como mostrou baixa toxicidade. Apesar do ensaio clínico realizado com o objetivo de acompanhar o tratamento de pacientes portadores de dispepsia alta ou de úlcera péptica com o liofilizado do abafado de Maytenus ilicifolia não ter resultado conclusivo, o amplo uso clínico demonstra sua eficácia para essas patologias. Esses dados é que apóiam a recomendação do uso dessa espécie no SUS. Desconsiderar todo o esforço brasileiro no sentido de estruturar e fomentar pesquisas com as nossas plantas é, no mínimo, uma ignorância de quem não estuda a área de plantas medicinais.

Assim, a afirmação do Dr. Drauzio de que não existem estudos clínicos com plantas medicinais não é verdadeira, não pode e não deve ser generalizada, sobretudo se consideramos espécies medicinais como o Hipérico (Hypericum perfloratum), o qual tem na Alemanha seu principal mercado consumidor, onde se prescrevem cerca de 200 mil receitas por mês de Hipérico para o tratamento da depressão leve, e somente 30 mil receitas de fluoxetina (Prozac). O mercado global movimenta cerca de 21,7 bilhões de dólares e o mercado europeu movimenta cerca de 7 bilhões de dólares, sendo o continente com o maior consumo de fitoterápicos. O mercado asiático também é bastante expressivo com aproximadamente 4 bilhões de dólares.

No Brasil, conforme dados da Associação Brasileira das Empresas do Setor Fitoterápico, Suplemento Alimentar e Promoção da Saúde (Abifisa), o setor fitoterápico representa 6,7% de compra, contra 93% de alopáticos. O mercado de fitoterápicos cresce 20% ao ano, enquanto o de alopáticos, 16%. O número de produtores já está quase num empate técnico: 298 empresas de fitoterápicos e 369 de alopáticos. Estima-se que, no Brasil, o setor movimente R$ 1 bilhão por ano e empregue mais de 100 mil pessoas. Será que esse é um mercado para pobre?

Por outro lado, as planta medicinais não são isentas de efeitos colaterais ou não interagem com outros medicamentos. Por exemplo, o hipérico, atualmente um dos fitoterápicos mais utilizados no mundo, tem a capacidade de interagir com vários medicamentos, assim como o popular Ginkgo (Ginkgo biloba) também apresenta seus efeitos adversos. Ignorar que as pessoas utilizam plantas medicinais em nada contribui, pois antes de haver o preconceito deve ter o respeito pelo outro e por sua cultura.  Pois segundo, Elaine Elisabetsky: já se disse que a discussão do uso de plantas medicinais na clínica médica em geral se faz entre os “entusiastas acríticos” e os “céticos desinformados”. O que falta a estes dois extremos talvez seja, sobretudo, a noção clara e exata de que plantas medicinais e fitoterápicos são drogas. A má notícia é que drogas, quaisquer drogas, nunca são inócuas. Elas interagem com receptores no organismo, e podem ainda eventualmente interagir com outras drogas. Dessas interações podem surgir efeitos adversos. A boa notícia é que é exatamente por não serem inócuas e interagirem com o organismo é que fitoterápicos, assim como quaisquer drogas, podem ter efeito terapêutico”.  Talvez o Dr. Drauzio se encaixe na segunda categoria, a dos céticos desinformados.

Diante desse cenário é que a fitoterapia tem se destacado como prática terapêutica respeitada e estimulada pelos sistemas oficiais de diversos países. Acreditamos que ambientes onde pessoas são tratadas por profissionais não qualificados sejam exceção e fruto justamente da falta de uma política com as diretrizes para o desenvolvimento dessa área no Brasil, especialmente na área da educação, considerando que o ensino acadêmico de plantas medicinais foi praticamente suprimido dos cursos de saúde.  Hoje, a publicação de vários regulamentos pela Anvisa tem justamente o intuito de ordenar as atividades e proteger o usuário, tendo em vista a necessidade de reorganizar as práticas de saúde a partir da compreensão de que a saúde da população é resultante da forma com que a sociedade se organiza, considerando as suas dimensões econômicas, política e cultural.

Paulo Leda