Religião x religiosidade – Deus: uma dúvida!

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olá pessoal

Ainda interessada a continuar o debate sobre "religião e os danos às ações de humanização na saúde" deparo-me com dois artigos no jornal Correio Braziliense, de hoje, que nos provocam.

O primeiro aborda a o julgamento pelo STF sobre a liberação de células-tronco embrionárias para pesquisa. Neste, nosso Ministro Temporão nos diz algo mais ou menos assim: podemos entrar em uma época de obscurantismo e de atraso ou seguir no caminho do fortalecimento de um estado laico.

O debate polêmico ganhou como principal protagonista a Igreja Católica que continua a interferir negativamente à produção da vida, segundo a Associação Parkinson de Brasília, "Uma instituição amplamente envolvida em genocídios no passado e que continua até hoje. veja que milhões morrem na África por causa da Aids e a Igreja condena o uso da camisinha. Ao defender o fim das pesquisas, inderetamente a instituição está negando a vida  para um monte de gente que está morrendo.

Neste debate, Temporão tem assumido uma posição corajosa e necessária: defende a descriminalização do aborto, criticou a vinculação da ciência com a fé sobre as células-tronco embrionárias. Para ele, esta questão não deve ser religiosa, mas com o conhecimento científico, a inovação e com a independência do Brasil neste campo. Lembrou que as pesquisas são importantes para a cura de várias doenças, como: alzheimer, diabetes e distúrbios cardíacos.

Bem, para ajudar na compreensão deste debate, o segundo artigo escrito pelo psicólogo  Ezio Flavio Bbazzo – intitulado "Deus uma dúvida" apresenta 3 livros recentemente publicados por intelectuais sobre os danos do fundamentalismo religioso cuja atuação tem sido maléfica e não tem possibilitado para o debate político, ético, verdadeiro, criativo e até mesmo espiritualista sem Deus.

Os livros são "Deus, uma delírio", do biólogo norte-americano Richard Dawkins, "Carta a uma nação cristã", do filósofo norte-americano Sam Harris e "O espírito do ateísmo", do pensador francês André Comte-Sponville. "Três ensaios mais do que oportunos que, sem nenhuma sisudez ou fobia, mostram-se conectados. Nestes livros os autores tratam dos absurdos, erros, ficções, irracionalidades, neuroses inerentes às crenças no sobrenatural que, mesmo estando presentes em todo o planeta, causam mais estragos  nos países atacados pela pobreza e no subdesenvolvimento.

Bem, vou anexar este último artigo, logo abaixo, pois acredito que acrescenta informações importantes no debate que iniciamos sobre os problemas do fanatismo religioso nas ações de humanização em saúde. E, como dissemos no último coletivo nacional, temos percebido, na nossa atuação de apoio institucional, que quase inexistem movimentos de análises dos processos de trabalhos nos ambientes de saúde e ao contrário, aumentam os momentos de pregação religiosa nestes lugares.

Neste sentido, aqueles trabalhadores que "duvidam da existência de Deus" são excluídos de discussões, projetos, programas institucionais em saúde. Percebemos nestes movimentos fundamentalistas uma forte contribuição para a existência de processos de adoecimento e sofrimento de muitos profissionais da saúde, portanto, contrário à nossa compreensão sobre humanização na PNH.  Por isso, quando me vi diante da necessidade de  categorizar, nesta página, de qual dispositivo estamos conversando, não tive dúvidas: acolhimento em saúde!

Bem, concluo, lembrando a fala de Edu Passos sobre o tema "religião x religiosidade": temos que nos posicionar no trabalho de apoio institucional contra as ações/pensamentos no campo da saúde que censuram, excluem as manifestações (idéias, sentimentos)  que defendem o direito de crer apenas na existência de homens e mulheres.

Abaixo, o artigo:

Deus uma dúvida

Em livros polêmicos, os intelectuais Richard Dawkins, Sam Harris e André Comte-Sponville apontam as conseqüências danosas do fanatismo religioso e defendem o direito de crer apenas na existência do homem


Ezio Flavio Bazzo
Especial para o Correio

Nas últimas décadas – por sorte – o mundo não viu apenas o crescimento vertiginoso de religiões, de sectarismos, de seitas, desvarios místicos e de fundamentalismos associados ao terror e à fé. Vem testemunhando também a reação de livres-pensadores, filósofos e intelectuais ateus de todos os matizes. Cientes de que o radicalismo nas religiões pode ser maléfico, e da possibilidade de ser honesto, ético, verdadeiro, menos salafrário, criativo e até mesmo espiritualista sem Deus, os intelectuais produzem trabalhos importantes sobre a temática. Para eles, por debaixo da aparente democracia do velho axioma “religião e política não se discutem” , havia – e há – um sutil artifício de censura e de interdição de esclarecimento pessoal que pode muito bem ter sido responsável pelo estado de alienação e de atraso em que os países latinos em geral – e o Brasil em particular – se encontram atualmente, tanto no universo da política como no da religiosidade. A crença num ou noutro Deus ou em nenhum, a filiação a esta ou àquela religião ou a nenhuma, têm sido o motivo principal daquelas tão bem conhecidas discórdias e mixórdias que vieram pelos séculos afora regando a terra de imposturas e de sangue.

Entre os livros lançados recentemente no Brasil sobre o assunto, destacam-se Deus, um delírio, do biólogo norte-americano Richard Dawkins, Carta a uma nação cristã, de um filósofo formado em Stanford, o norte-americano Sam Harris, e O espírito do ateísmo, do pensador francês André Comte-Sponville. Três ensaios mais do que oportunos que, sem nenhuma sisudez ou fobia, mostram-se conectados. Principalmente pela consciência de que o ateísmo não é o fim do mundo e que o fanatismo e o irracionalismo religioso são igualmente insalubres – tanto para a civilização como para as sociedades. Além dos esclarecimentos concernentes à crença no suposto design inteligente, o que é precioso nesses livros é tanto a sinceridade como a objetividade com que os autores tratam os absurdos, os erros, as ficções, as irracionalidades e as neuroses inerentes às crenças no sobrenatural que, mesmo estando presentes em todo o planeta, inclusive em países influentes como os Estados Unidos, causam mais estragos naqueles atascados na pobreza e no subdesenvolvimento. Para Harris, o fato de quase a metade da população norte-americana ainda acreditar na vinda de Cristo, na idéia de que o mundo está prestes a acabar – e mais –, que o fim será glorioso deve ser considerada uma emergência moral e intelectual.

Sobrevivência em risco
Além do resgate das idéias clássicas anticlericais e ateístas, esta tríade de pensadores contemporâneos chama a atenção para outro fato: tanto a pregação da intolerância religiosa contra os “infiéis” e contra os “ateus” como a interpretação ao pé da letra dos ditos livros sagrados, além de desrespeitar a liberdade individual e de interditar os avanços das ciências, podem colocar em risco até mesmo a sobrevivência da humanidade. Nesse particular (sem falar do dogmatismo religioso a respeito de questões como o aborto, a transfusão de sangue, o uso de preservativos, as células tronco etc.), é importante lembrar que, em muitas das escolas primárias dos EUA onde a Bíblia é usada como livro didático, continua sendo proibido mencionar o nome de Darwin, assim como fazer menção às suas teorias evolucionistas. Daí o espirituoso alerta de Harris: “Os que têm o poder de eleger presidentes, deputados e senadores – e muitos dos que são eleitos – acreditam que os dinossauros sobreviveram aos pares na arca de Noé, que a luz de galáxias distantes foi criada a caminho da Terra e que os primeiros membros da nossa espécie foram modelados a partir do barro e do hálito divino, em um jardim com uma cobra falante e pela mão de um Deus invisível”.

E o mais bizarro de tudo isso é que esse Deus absconditus tem sido o motivo principal de muitas chacinas, de muitas imposturas e de incontáveis sofrimentos. Se pelo menos aparecesse, desse uma pista aos homens de pouca fé… Mas não, prefere o anonimato e a clandestinidade. Insiste em habitar o invisível, fato que, para o filósofo Comte-Sponville, é simplesmente espantoso. Um Deus que se esconde com tanta obstinação! “Seria mais simples e mais eficaz – diz – Deus consentir em se mostrar, pois, se quisesse que eu acreditasse nele, resolveria num instantinho esse assunto. (…) Um Deus oculto! Os humanos só se escondem quando têm medo ou vergonha. Mas Deus?” Para Dawkins, um dos efeitos verdadeiramente negativos da religião é que ela nos ensina que é uma virtude satisfazer-se com o não-entendimento. Sim, a religião permite – segundo também Harris – que as pessoas imaginem que suas preocupações são morais quando não são – isto é, quando elas não têm nada a ver com o sofrimento ou com o alívio do sofrimento. A religião permite que as pessoas imaginem que suas preocupações são morais, quando na verdade são altamente imorais – isto é, quando insistir nessas preocupações inflige sofrimento atroz e desnecessário em seres humanos inocentes.

Sem glamour
Mas ser ateu não é necessariamente uma opção glamorosa e nem tão fácil como se pode pensar. Pesquisas nos Estados Unidos, Brasil e em outros países já demonstraram que a população que votaria num candidato ateu à presidência da república é mínima e que os eleitores elegeriam com mais tranqüilidade (apesar do racismo e da homofobia latente) um candidato que fosse bandido, negro ou homossexual. “Se você tem razão ao acreditar que a fé religiosa oferece a única base real para a moralidade – escreve Harris –, então os ateus deveriam ser menos morais do que as pessoas de fé. Na verdade, os ateus deveriam ser totalmente imorais. Será que são mesmo? Será que os membros das organizações de ateus nos EUA cometem crimes violentos em proporção maior que a média? Será que os membros da Academia Nacional de Ciências, dos quais 93% não aceitam a idéia de Deus, mentem, enganam e roubam deslavadamente? Podemos estar razoavelmente seguros de que esses grupos se comportam pelo menos tão bem quanto a população em geral.”

“Não tenho uma idéia muito elevada da humanidade em geral e de mim mesmo em particular para imaginar que um deus esteja na origem desta espécie e deste indivíduo”, declara Comte-Sponville para explicar seu ateísmo. E é esse mesmo filósofo materialista e racionalista que acredita que prescindir de religião não o obriga a prescindir de espiritualidade e que ser ateu não significa abandonar seu espírito aos padres, mulás ou espiritualistas. Tanto a intervenção de Harris como a de Sponville bem que poderiam fazer o universo religioso mais tolerante para com os ateus. Está provado, por um lado, que o ateísmo é compatível com as aspirações básicas de qualquer sociedade civil e por outro, que a crença generalizada em Deus não é garantia para a saúde física e nem para a saúde mental de ninguém, pelo contrário.

Entre seus correspondentes, Harris lembra que os mais mentalmente perturbados sempre citam capítulos e versículos bíblicos. Em Carta a uma nação cristã, o filósofo norte-americano lembra ainda que, embora se acredite que acabar com a religião é um objetivo impossível, é importante perceber que o fato já é realidade em muitos países do mundo desenvolvido. Noruega, Islândia, Austrália, Canadá, Suécia, Suíça, Bélgica, Japão, Holanda, Dinamarca e o Reino Unido estão entre as sociedades menos religiosas da Terra. De acordo com o Relatório do Desenvolvimento Humano das Nações Unidas (2005), essas sociedades também são as mais saudáveis, segundo os indicadores de expectativa de vida, alfabetização, renda per capita, nível educacional, igualdade entre os sexos, taxa de homicídios e mortalidade infantil. Inversamente, os 50 países que ocupam os lugares mais baixos, segundo o índice de desenvolvimento humano das Nações Unidas, são inabalavelmente religiosos.

Enfim, as leituras mencionadas são obrigatórias a qualquer um – ateu ou crente – que queira estar à altura de sua época, pois o dogmatismo e o obscurantismo são temas aos quais ninguém pode ficar indiferente. As pessoas precisam tomar as rédeas de suas vidas nas próprias mãos e quem quiser compreender como acontecem a fanatização e a massificação na fé basta lembrar que se você levar a vítima (principalmente crianças e pessoas pouco esclarecidas) por um caminho conhecido, ela não perceberá que você a está levando para uma armadilha. “Seria um erro – alerta Sponville – abandonar o terreno para eles. A luta pelas luzes continua, raramente foi tão urgente, e é uma luta pela liberdade.”

Para aqueles que não vivem sem seus álibis e que estão acostumados a fazer jogo duplo em tudo, inclusive em relação às coisas da eternidade, Dawkins nos lembra que, quando perguntaram a Bertrand Russell o que ele diria se morresse e se visse confrontado por Deus, exigindo saber por que Russell nunca acreditou nele, este teria respondido: “Não havia provas suficientes”.


Se você topar com alguém que lhe diga ‘eu sei que Deus não existe’, não é um ateu, é um imbecil. E, igualmente, se você encontrar alguém que lhe diga ‘eu sei que Deus existe’, é um imbecil que confunde a sua fé com um saber.

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Ezio Flavio Bazzo é psicólogo e escritor, autor de livros como Rapsódia a Rawet e Ecce Bestia