Percorrendo as Unidades de Saúde da Família de Natal/RN

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“Pensamos que o significado existencial do homem se fundamenta nas atividades compartilhadas, principalmente naquelas em que o nexo são as atividades lúdicas.” (NEGRINE, 2001, p.21)
 

Ao ler os belíssimos textos da Rede e por incentivo de Jacqueline, foi despertando em mim a vontade de também contribuir de alguma forma para o fomento das discussões, das trocas de experiências e, sobretudo, para o fortalecimento desta REDE. Assim, gostaria de partilhar minha experiência enquanto bolsista de iniciação científica no processo de coleta dos dados da pesquisa que objetivou aprofundar os estudos sobre a relação entre saúde e ludicidade no campo do lazer.

A riqueza do estudo de campo ultrapassa os dados coletados. A pesquisa intitulada “Cuidados com o corpo e as atividades lúdicas: contribuições para o Programa Integrado Lazer e Saúde” realizado no período de 2007/2008 financiado pelo CNPq e com a orientação da Prof. Dra. Maria Isabel Mendes teve como objetivo o mapeamento das atividades lúdicas desenvolvidas nas USFs de Natal/RN. Nesse intuito foi realizado um estudo nas 34 unidades, nos quatro Distritos Sanitários que compõem a rede municipal de saúde. Foram realizadas entrevistas com os gestores das USFs, com os usuários que participavam das atividades e também com os usuários que não participavam, além do registro fotográfico das atividades. Os resultados da pesquisa foram divulgados em congressos científicos e serviram de base para a formulação de novas pesquisas, sendo uma financiada pelo CNPq e outra financiada pelo Ministério do Esporte, por meio da REDE CEDES.

Entretanto, mais do que dados, mais do que o registro das atividades, encontramos pessoas de diferentes comunidades, com histórias próprias, diferentes e semelhantes.

Caminhou-se pela cidade. Encontrou-se saberes, alegrias e dores. Mais do que doenças, mais do que problemas, encontramos pessoas. Pessoas que riem que choram e que contam suas histórias. Presenciamos o encontro entre as pessoas, a (re) construção de (novas) relações, a proximidade de pessoas que não se conhecem, mas que partilham.

Em algumas unidades, encontramos grandes espaços, estruturas regulares, em outros, pequenas casas transformadas em locais de cuidado.

Em todos os lugares, encontramos pessoas que se doam uns aos outros.

Tradicionalmente, o senso comum vê os profissionais de saúde como pessoas que devem ser frias, visão construída com base em uma ótica cartesiana da medicina biologicista, mas o olhar atento encontra profissionais que querem e fazem de tudo para construir uma atenção integral em saúde. Certamente, encontramos pessoas que aparentavam pouco trato para lidar com o outro, mas como julgá-las? Como saber a história dessas pessoas ou o que as levam a agir desta ou daquela forma? Talvez o cansaço de ser responsabilizados pelas dificuldades e os problemas da saúde, das discussões com usuários que exageram em sua revolta. Revoltamos-nos com um sistema deficiente, fruto, diversas vezes, de uma má gestão, que tem muito ainda que construir para atingir seu objetivo de assistir a população com equidade, integralidade e de forma humanizada. Entretanto, é preciso reconhecer os passos e os avanços que estão sendo dados.

Aprendemos a ver o outro lado, a reconhecer o papel, as dificuldades e as qualidades desses profissionais de saúde. Em estruturas muitas vezes precárias, com escassez de materiais, percebemos a união de profissionais para atender os usuários, para encontrar alternativas para realizar uma festa, um passeio, para comprar material para a oficina de artesanato do grupo de senhoras, investindo em práticas de educação em saúde.

Em falar nas senhoras, aprendemos com elas a importância do encontro com o outro. Aquelas senhoras que passaram a vida cuidando dos filhos e dos maridos e que agora cuidam dos netos. São donas de casa, costureiras, pensionistas, viúvas, que lutam contra a depressão, que tomam remédios para controlar a diabetes, a hipertensão ou para suportar as dores e o sofrimento do dia-a-dia, mas que saem de suas casas para ir ao grupo. Não somente pela atividade, mas talvez por ser aquele o único momento em que se foge um pouco da realidade, esquecem os problemas de casa, esquecem a doença, encontram as amigas. E como o tempo passa rápido, a conversa dura e perdura por toda a tarde. Adoram o artesanato, a dança, a caminhada, mas só o contato com o outro já valeria a pena.

Não podemos esquecer também das longas histórias que os senhores nos contam. As entrevistas eram demoradas, pois eles contavam histórias de suas vidas, do quanto trabalhavam, de como não tinham tempo para dançar e de como aquelas atividades eram importantes para eles. Essas histórias, esses saberes que eles carregam e partilham de forma gratuita encontram um espaço privilegiado na Tenda do Conto no Panatis e no Soledade I.

Estudamos o lúdico, mas na prática compreendemos que ele vai além da atividade, permeia as relações humanas, relaciona-se ao eu, ao mundo e ao outro.

Encontramos o sorriso das crianças das comunidades carentes, da favela do DETRAN em Cidade Nova ou da Comunidade da África. Seus olhos que brilham, sua ansiedade em tocar o instrumento que acabaram de construir ou de cantar a música que os professores estão ensinando. E que transformações a arte não poderá provocar na vida daquelas crianças? Os jovens da ONG Jovem responsáveis pelo Coral Cantos da África não se diferenciam dos adolescentes que aprendem violão em Monte Líbano ou dos que constroem fantoches para o teatro em José Sarney. A vontade de mudança e o encanto pela arte os aproximam de maneira inegável…

Ainda haveria muito que escrever sobre o que vi, o que senti e os saberes que encontrei em cada “ida a campo”, em cada conversa com esses profissionais apaixonados pelo que fazem, em cada encontro com este povo que lota as Unidades de Saúde. Eles revelam a busca por uma saúde em seu conceito amplo, mas do que apenas a ausência da doença.

Diante da crise estrutural que passa a saúde, diante do individualismo exarcebado de nossa sociedade e da racionalização das ações, encontramos a solução óbvia, o caminho para um novo cuidado: o encontro com o outro. Reforçamos o pensamento de Michel Foucault, que para o “cuidado de si”, o outro é indispensável.