Humanização na Saúde: Caminhos e Desafios.

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A atenção em saúde, especificamente na prática hospitalar, está historicamente vinculada ao exercício da caridade e religiosidade. Com os avanços tecnológicos alcançados pela comunidade científica entre os séculos XX e XXI aliado ás mudanças de comportamento da sociedade, fez-se necessário o resgate do conceito de humanização, antes considerado valor inato ao exercício deste trabalho.

A divisão do corpo humano em diversas especialidades médicas, o emprego da tecnologia na realização e interpretação de exames, acabaram por definir o diagnóstico em detrimento do contato humano e relacional entre médico e paciente.

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Outro fenômeno que contribui para o agravamento deste quadro está no empoderamento exclusivo, concedido pela população ao médico como detentor de todo o conhecimento necessário ao processo de assistência em saúde, relegando os demais profissionais a segundo plano.

O projeto de Lei do Ato Médico têm suscitado debates entre todas as categorias profissionais da saúde, ao definir competências exclusivas para atuação médica e categorias relacionadas, como psicologia, enfermagem, etc.

A noção de Humanização é definida de forma vaga por alguns autores, tendo a principal provocação no questionamento se a prática em saúde era desumanizada. Diante dessa afirmação muitos profissionais sentem-se indignados e até desmotivados na realização de suas tarefas.

Humanização em saúde também pode ser entendida como a reunião de vários movimentos políticos e sociais que criticam a exacerbada prevalência da técnica, valorizando a subjetividade e o fortalecimento de vínculos entre o cidadão e os profissionais de saúde.

Podemos citar o exemplo da luta antimanicomial, como alicerce da Reforma Psiquiátrica Brasileira, enquanto alavanca na mudança do modelo assistencial em saúde mental preconizado pela lei 10.216 de 2001, contribuindo para a diminuição de leitos hospitalares em manicômios, priorizando o atendimento em serviços abertos e comunitários como os CAPS  que atuam no enfoque de reabilitação biopsicossocial.
“O que melhora no atendimento é o contato afetivo de uma pessoa com outra. O que cura é a alegria, o que cura é a falta de preconceito .” (frase atribuída á Nise da Silveira).

A Humanização é percebida como política que deve atravessar todas as ações e instâncias gestoras do SUS, construindo trocas solidárias para a construção da saúde e protagonismo de seus atores.

Alguns aspectos econômicos precisam ser salientados justificando determinadas ações classificadas como práticas “humanizadoras”, a exemplo do parto-normal, que não é indicado em todos os casos, mas é menos custoso para a instituição, sendo indicador quantitativo para o repasse de recursos financeiros governamentais.

No ano de 2012 a Maternidade Darcy Vargas de Joinville enfrentou uma situação crítica com a morte de um bebê pela demora em realizar a cesariana, na tentativa do parto normal. Na imprensa local esse fato foi noticiado, desvalorizando a gestão pública trazendo a possibilidade de administração pelas Organizações Sociais, evidenciando a transição do Hospital Regional Hans Dieter Schmidt  para este modelo.

Apesar da existência de GTH  em muitos equipamentos de saúde, o funcionamento destes grupos nem sempre é uma realidade, pois a participação dos servidores públicos envolvidos encontra barreiras como à falta de envolvimento e a impossibilidade de reunir todos os profissionais e representantes da comunidade (quando existem) em um mesmo espaço para a reflexão sobre os serviços produzidos naquele local.

O conceito de Humanização que utilizaremos aqui engloba um processo de transformação na cultura organizacional, considerando valores humanísticos que mudam a forma de promover a atenção e gestão das práticas de saúde, pelo desenvolvimento de relações éticas e solidárias aumentando a satisfação e qualidade do trabalho.

Fato é que alguns princípios da humanização apenas são observados pela obrigação no cumprimento de leis específicas que tentam garantir a aplicação da equidade ás minorias como negros, que são vitimas de racismo, deficientes que lutam pela acessibilidade aos equipamentos de saúde e inclusão social, mulheres em situação de violência, indígenas e povos tradicionais que são citados nas políticas públicas porém esquecidos no cotidiano dos serviços.

Observa-se que alguns  profissionais da atenção básica demonstram em muitos casos aversão ao exercício de seu trabalho na ponta de atendimento á população, os processos de capacitação são automáticos e repetitivos, muitas responsabilidades são atribuídas de forma equivocada aos ACS (Agente Comuintário de Saúde)  e ASP (Agente de Saúde Pública) , servidores que possuem níveis mais baixos de escolaridade.

Quando os processos de trabalho forem bem definidos, considerando as potencialidades de todos os integrantes da equipe multiprofissional, os valores e princípios da Humanização em Saúde deixarão de ser utópicos,  proporcionando a todas as partes interessadas no fortalecimento do SUS, os benefícios neles expressos:

  1.  Valorização da vida;
  2.  Compromisso com a qualidade do trabalho;
  3.  Valorização dos profissionais, e educação permanente;
  4.  Valorização da subjetividade das pessoas;
  5.  Fortalecimento do trabalho em equipe;
  6.  Estímulo à participação, autonomia e responsabilidade;
  7.  Promoção de ambiência acolhedora;
  8.  Diminuição de consultas e exames desnecessários;
  9.  Redução do tempo de internação;
  10.  Aumento da satisfação do usuário.

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Acredita-se que a tecnologia deve ser empregada para aumentar a efetividade dos processos diagnósticos e terapêuticos, considerando algumas subjetividades das pessoas,  que os processos de trabalho devem envolver todas as partes interessadas (família, sociedade, sujeito, profissionais) evitando o domínio do processo saúde/doença por parte de determinada categoria profissional.

Conclui-se que a humanização em saúde pode ser encontrada no equilíbrio do cenário econômico e social, com os saberes técnicos, valorização profissional e respeito ao cliente. Espera-se futuramente, que a humanização volte a ser valor ético do cidadão sem a necessidade de estar determinada em lei ou política.