“Todo mundo aqui é beija-flor” Entre a FUNAI e a SESAI, São Bernardo e São Paulo: A Aldeia Brilho do Sol

14 votos

115237.jpg

Em 22.05.2015, fomos convidadas a participar de uma reunião na Aldeia Brilho do Sol, de população guarani, que fica no Riacho Grande – no município de São Bernardo do Campo, SP.

O acesso até a ilha da aldeia é feito através de uma balsa na represa Billings, e para se chegar até lá os indígenas utilizam uma voadeira, embarcação movida a motor com estrutura e casco de metal, já que não existe acesso por via terrestre.

11232283_10152872909362361_5424886694403144705_n_0.jpg

A falta de acesso por via terrestre é justamente um dos problemas que impede o atendimento em saúde e educação para aquela população guarani, pois o combustível para a embarcação nem sempre lhes é fornecido, e para transportar crianças e pessoas doentes é necessário contar com condições climáticas favoráveis à navegação na represa. Quando estivemos lá, fazia sol, o que nos ajudou a chegar com segurança à aldeia. Todavia, para nos transportar,  foi utilizado o combustível que dispunham apenas para eles, ensejando a arrecadação de dinheiro dos participantes para que fosse possível a presença de todos ali.

img_5403.jpg

Fabio Verissimo, 34 anos, cacique da aldeia, estudante de direito e trabalhador da polícia florestal marítima, nos abre as portas da sua comunidade e nos acolhe com café, chipa – espécie de pão feito à base de farinha de mandioca – e fumo de corda, dizendo que ali na aldeia todos repartem o que tem.

Na reunião, além de Fabio e seu pai – o Pajé Laurindo Verissimo – há vários indígenas de outras aldeias do litoral sul, Marcio Alvim (representante da Funai), Ivan Vieira de Carvalho (da ONG Pilares); Gerson,  gerente de uma UBS do município de Barragem (SP) que atende algumas necessidades de saúde da aldeia; João, ACS da mesma UBS; Alonso Rodrigues,  pastor da Assembleia de Deus, que apoia a comunidade, e outros colegas, preocupados com a situação de saúde e educação da população. Toda a aldeia, incluindo mulheres, crianças e adolescentes, participaram da roda e falaram sobre as possibilidades de atendimento às suas demandas.

img_5396.jpg

Fabio concedeu a palavra primeiramente aos indígenas, por vezes nos repreendendo quando algum de nós (brancos) insistia em querer lhes tomar a ordem da palavra.

Vocês fizeram a lei, vocês tem que cumprir a lei, tem que fazer a lei ser cumprida” diz Didaco, sobre o direito à demarcação de terras.

O povo guarani é um só, não importa onde esteja” afirma Sebastião, que teve o filho Joel, estudante de direito e atleta, assassinado por um colega da faculdade.

João, Agente Comunitário de Saúde, diz que “a gente não deixa de atender as pessoas porque é de outro território, se a pessoa precisa de atendimento em saúde a gente atende“. Grande ensinamento para gestores e administradores do SUS que se prendem ao CEP de abrangência da UBS para prestar serviços de saúde.

Fabio sofre preconceito por parte dos colegas da faculdade de direito por ser índio. É chamado de burro. Sua resposta? Os brancos acumulam tudo que não levarão consigo quando a vida acabar. “Os índios entendem a efemeridade da vida. O que é do mundo, fica no mundo” diz.

Estamos aqui na vida de passagem, não queremos um avião, mas respeito aos nossos direitos – queremos casa, alimentos e saúde, precisamos dessa assistência do Estado”. “Os brancos levaram tudo pra cidade, e continuam levando. Depois reclamam dizendo que os índios vão pedir esmola na cidade. Os brancos vendem tudo, até cabelo vendem”.

img_5401.jpg

Fabio utiliza uma linda analogia para explicar a situação da aldeia e de todos nós que lá estávamos, contando a história do beija-flor e do elefante para apagar o fogo na floresta, comparando-os com os poderes administrativos – os grandes (elefante) “ficam de boa” e os pequenos (beija-flor) apagam o fogo sozinhos, e para tanto devem trabalhar juntos. “Sei que todo mundo aqui é beija-flor” afirma apontando para nós.

E comenta o imbróglio sobre a competência para prestar assistência de saúde e educação aos habitantes da aldeia, dizendo que durante as eleições candidatos de São Paulo e São Bernardo do Campo fazem campanha na aldeia, mas depois os representantes de ambas as cidades dizem que não é seu território de atuação.

Na realidade, o município da São Bernardo se dispôs a incluir a população nos seus serviços, porém ainda não possui o aval da Sesai (que faltou na reunião) solicitado pela Funai. Por enquanto é a UBS Vera Poty, de São Paulo que, se os indígenas conseguem chegar nela, acolhe seus doentes. Para isso, a aldeia precisa dispor de combustível para atravessar a represa.

Um circuito complicado entre a Funai, a Sesai, São Bernardo e São Paulo. Sempre as fronteiras… “são difíceis as fronteiras, diz João, mas nós somos uma família só” se referindo a mais duas aldeias da região que também estão com dificuldades (“tem carro mas não tem motorista”).

De qualquer jeito, o Pajé Laurindo esclarece que os doentes “primeiro passam comigo mas se tiver doença complicada vai para a equipe de saúde”. Solicitam um posto na aldeia ou uma ESF com base na aldeia, e também assistência para replantar as ervas medicinais, pois o Pajé precisa encontrar remédio (no mato), e “o que tem ao redor da aldeia é só um capoeirão”.

11350541_10152872888787361_243911471508924297_n_0.jpg

A reunião prosseguiu quando saímos, com orientações de Márcio da FUNAI sobre os procedimentos necessários a adotar para se fixar a competência de São Bernardo do Campo sobre a aldeia, e sobre o único ato que impede o reconhecimento do território indígena: assinatura do documento legal pelo Ministério da Justiça, que já o tem em mãos, “basta assinar!”

Enfim, um aprendizado de resistência e união com os índios guaranis, que continuarão debatendo o assunto na próxima reunião do dia 03 de junho de 2015 na aldeia vizinha.

Stella Maris Chebli, consultora da PNH, e Débora Aligieri, do coletivo de editores/curadores da Rede HumanizaSUS

11267538_10152872909242361_812077248716862424_n_0.jpg