Debate sobre o uso de nosódios do SARS-Cov-2 na Covid-19 – Website Homeopathic Horizon

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Acaba de ser disponibilizado no website indiano Homeopathic Horizon a reprodução do artigo “Isoprophylaxis is neither homeoprophylaxis nor homeopathic immunization, but isopathic immunization unsupported by the homeopathic epistemological model: a response to Golden”, publicado em 2014 no International Journal of High Dilution Research, no qual evidenciamos, em detalhes, as falácias das afirmações de Isaac Golden, terapeuta australiano, que sugere o uso indiscriminado de nosódios preparados com as diversas vacinas como ‘calendário vacinal alternativo’ ao calendário vacinal convencionalmente utilizado em todos os países, sem evidências científicas de sua eficácia, efetividade e segurança.

Embora exista um forte movimento contracultural contra o uso de vacinas, suportado por midias e redes sociais desprovidas de fundamentação científica e mantidas por estes terapeutas homeopatas, sugerindo que as vacinas possam causar uma série de doenças graves (chegando ao extremo de afirmarem que a vacina tríplice viral era responsável pelo aumento do número de casos do ‘transtorno do espectro autista’, premissa desmistificada por vinte estudos epidemiológicos), essa postura retrógrada e anticientífica é também encampada, infelizmente, por alguns médicos homeopatas como ‘verdade absoluta’, sem que seja endossada por evidências científicas.

Apesar de uma pesquisa recente realizada com centenas de médicos homeopatas ter mostrado que 75% dos entrevistados consideravam as vacinas seguras, efetivas e necessárias, uma minoria de colegas preconceituosos e desatualizados causam, em suas manifestações desarrazoadas sobre o assunto, a falsa ideia de que a homeopatia é contrária à vacinação, criando uma série de problemas éticos e científicos com os colegas de outras especialidades e instituições médicas.

Assim como no artigo citado inicialmente, em edições anteriores do mesmo website foram reproduzidos outros dois outros artigos nos quais também discorremos sobre a inconsistência da proposta do uso de nosódios de agentes patogênicos como medida preventiva ou terapêutica para as doenças transmissíveis e contagiosas causadas pelos mesmos patógenos. Infelizmente, essas propostas são bastante alimentadas, mundialmente, por terapeutas e médicos homeopatas desprovidos de formação científica sólida, que se fundamentam em algumas poucas citações de estudos com metodologia e qualidade científica sofríveis.

Como evidenciei nas recentes lives sobre “Epidemiologia clínica homeopática na COVID-19”, principalmente naquela em que discorri sobre os estudos epidemiológicos homeopáticos em epidemias (Parte 2), os melhores estudos epidemiológicos realizados e publicados em periódicos científicos de qualidade são aqueles que evidenciam a eficácia do medicamento individualizado do gênio epidêmico no tratamento das epidemias, não mostrando resultados significativos perante o placebo os estudos que utilizaram complexos homeopáticos (mistura de medicamentos) ou buscaram evidenciar a ação dos nosódios de agentes patogênicos na prevenção (isoprofilaxia) ou no tratamento (isoterapia) das epidemias, tais como o Influenzinum e o Oscillococcinum.

No debate sobre o uso de nosódios na atual pandemia de COVID-19, recém-publicado no website Homeopathic Horizon (“Exploring Nosodes”), citamos o artigo do Prof. Anisur Rahman Khuda-Bukhsh, professor universitário e um dos maiores pesquisadores da homeopatia na Índia, com centenas de artigos científicos publicados e indexados nas melhores bases de dados, no qual ele questiona o emprego do nosódio do SARS-CoV-2 sem que hajam estudos experimentais e clínicos que atestem a eficácia e a segurança do seu emprego, reiterando os passos éticos e científicos para que seja produzido e testado clinicamente, antes de ser utilizado na população:

“Tudo dito e feito, existem algumas considerações críticas que seriam expressamente necessárias antes que uma preparação do nosódio da Covid-19 possa ser iniciada sob permissão da autoridade reguladora. A preparação do nosódio só pode ser confiada a pessoal tecnicamente qualificado e adequadamente treinado, com qualificações e experiência adequadas, e deve ser preparado apenas em um laboratório apropriado, equipado com o tipo certo de infra-estrutura e medidas de segurança. Devido à natureza mortal do vírus, deve-se tomar extrema precaução durante o seu manuseio. A próxima parte é a determinação do tipo certo de material de origem a partir do qual o nosódio deve ser preparado. Deveria ser da totalidade, parte ou subunidades do vírus ou deve ser coletado de seres humanos infectados? Neste último caso, deve ser decidido de qual parte (material mucoso, swab ou secreção de pulmão infectado) o material para preparação pode ser coletado? Os materiais de uma pessoa assintomática corona positiva poderão servir de fonte para a preparação do nosódio? Ou o soro de uma pessoa infectada e posteriormente curada pode servir como o material certo para a preparação do nosódio? Existem dúvidas que complicam a questão e são objeto de tentativas e erros. Outro problema existe porque o vírus possui várias cepas conhecidas com grau variável de virulência, qual escolher para o material certo? Esses também são alguns dos problemas enfrentados por aqueles que estão se esforçando para obter uma vacina eficaz, e a falha em fornecer o tipo certo de vacina até agora pode ser atribuída em grande parte à natureza em rápida mudança do vírus; ele precisa de extensos testes para determinar a combinação certa de estratégias para que se obtenha os resultados desejados.”

“E o problema não termina aí. O próximo passo é provar a eficácia e elaborar o padrão de segurança do novo nosódio, organizando extensas ‘provas’ humanas após experimentação animal adequada. Portanto, levaria muito tempo, se é que conseguiria passar com êxito em todos os testes necessários a esse respeito. Enquanto isso, o uso de Ars alb 30 recomendado pela AYUSH após alguns resultados positivos obtidos em estudos piloto pode ser adotado até que estudos mais autênticos e seus resultados se acumulem para verificar (ou refutar) o sucesso do uso do nosódio como um profilático ou eficaz medicamento curativo, ou até que o tipo certo de vacina seja descoberto, ou que o empreendimento em que o desenvolvimento do nosódio do corona possa se materializar e ter sucesso comprovado no combate à doença Covid-19 seja devidamente formulado e esteja disponível no mercado após receber a aprovação dos órgãos reguladores quanto ao seu uso nessa pandemia. De fato, a partir de nossa experiência anterior, sabemos que o não cumprimento de todas as normas de protocolo justificadas no uso de nosódios resultou na retirada abrupta de tal uso, pois os homeopatas foram impedidos de usar por lei em vários países como Canadá, Austrália e Reino Unido, com a declaração de posição da Society UK dizendo: ‘A sociedade não endossa o uso de medicamentos homeopáticos como alternativa à vacinação para a prevenção de doenças infecciosas graves’, embora possam ser eficazes em outras circunstâncias.”

Esses passos são os mesmos que vimos sugerindo para confirmar a eficácia e a segurança do medicamento individualizado do gênio epidêmico para a COVID-19, a fim de que possa ser utilizado em larga escala na prevenção da doença.

Aos colegas homeopatas que permanecem com a intenção de utilizar um ‘suposto nosódio do SARS-CoV-2’ sem que os passos acima sejam seguidos, sugerimos a leitura atenta do Código de Ética Médica (Capítulo XII, Artigo 100; Capítulo XIII, Artigo 113) e da RESOLUÇÃO Nº 466, DE 12 DE DEZEMBRO DE 2012, que discorrem sobre as premissas éticas e científicas obrigatórias para a realização de pesquisas científicas envolvendo seres humanos, “considerando o respeito pela dignidade humana e pela especial proteção devida aos participantes”.

Vale ressaltar que, perante a Constituição Federal da República Federativa do Brasil, iniciativas e projetos de pesquisa envolvendo seres humanos deverão atender a essa Resolução do Ministério da Saúde, que “incorpora, sob a ótica do indivíduo e das coletividades, referenciais da bioética, tais como, autonomia, não maleficência, beneficência, justiça e equidade, dentre outros, e visa a assegurar os direitos e deveres que dizem respeito aos participantes da pesquisa, à comunidade científica e ao Estado”.

Atenciosamente,

Dr. Marcus Zulian Teixeira


Leitura Associada:

O uso da homeopatia nas doenças epidêmicas: premissas científicas e propostas de aplicação