Medicina Privada Propõe Ortotanásia de Araque

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 Mal o país começou a assistir sérias discussões sobre os cuidados no final da vida e os planos de “saúde” (melhor seria dizer mercantilização da vida) já começam a colocar as suas garras necrófagas de fora. Em noticia que transcrevo na íntegra no final deste post, grupos de medicina privada defendem ardorosamente a ortotanásia como forma de reduzir custos e minimizar os impactos dos reajustes dos planos. O raciocínio é singelo. Altos custos para tratamentos fúteis no final da vida são desnecessários pois não produziriam cura. Assim, buscam formas de legitimar a cessação arbitrária destes tratamentos para que os mesmos não impactem nos custos. Ou seja, os planos de saúde são caros por causa dos pacientes fora de possibilidades terapêuticas!

 

Primeiramente é necessário delimitar conceitos. A ortotanásia é um termo que nada tem haver com a forma que é pensada por estes grupos. Ortotanásia significa rigorosamente o seguinte: uma morte natural sem a interferência da ciência, permitindo possibilidades de morte digna e sem sofrimento. Desta forma, tenta-se evitar formas de intervenção que só prolongariam inutilmente a vida, produzindo o que é chamado de distanásia (aumento do processo agônico sem contrapartida de qualidade de vida). Neste sentido, continuar atuando terapeuticamente com estes pacientes (utilizando-se por exemplo de técnicas de manutenção artifical como respiradouros ou buscar ressucitação cardíaca) seria uma ação que atentaria contra a dignidade da vida.

 

Em tese estes argumentos seriam defensáveis do ponto de vista bioético embora existam evidentes dificuldades em se definir o que seria um paciente fora de possibilidades terapêuticas a depender da diversidade de estados clínicos. Para complexificar ainda mais, a autonomia do paciente seria um direito irrestrito? Poderia ele recusar ativamente tratamentos mesmo que seja considerado com possibilidades terapêuticas? Mas voltemos a notícia. O que ela colocaria como mais pernicioso é o argumento em defesa do que é chamado de ortotanásia como uma medida para redução de custos. Ora, se as mazelas do corpo até aquele momento foram regulamentadas por um contrato que delimita as intervenções que podem ou não podem ser feitas, um corpo em ameaça explícita de dissolução exigiria técnicas de manutenção e suporte cada vez mais onerosas. Enfim, não se pode gastar dinheiro com quem não irá continuar pagando por tratamentos futuros.

 

Aqui não estamos falando em ortonásia para prevenir dor e sofrimentos inúteis. Estamos falando na verdade de “mistanásia”, a morte que se dá pelas condições sociais do sujeito, termos mais utilizado quando morre o miserável de frio ao relento da rua, quando morre a criança de amebíase por ser desnutrida, quando morre o idoso desassistido em campos de concentração apelidados de asilos. Agora os planos de saúde estão inaugurando uma espécie de mistanásia para a classe média: a morte decretada porque os planos ficam onerosos e não porque podemos e devemos lidar melhor com as pessoas que estão morrendo.

 

Notem que a notícia em nenhum momento fala de “cuidados paliativos”. Ela também não fala de sistemas de “homecare” muito menos de “hospices”. O que se intenta é legitimar a violência de IMPOR a suspensão do tratamento terapêutico pura e simplesmente. Não podemos sujeitar que a esperança e traços de cultura com relação a morte desapareçam da noite para o dia. Muitas famílias vêem a continuação da atuação terapêutica como possibilidade efetiva de cura. Isso foi alimentado por muitos anos de uma medicina que se via como uma entidade que luta contra morte. Precisamos mudar esse paradigma para a produção de vida e felicidade. Não viveremos para sempre, mas, enquanto vivermos, temos que viver com dignidade o que implica também em morrer com dignidade.

 

Do meu ponto de vista, buscar a prática de cuidados paliativos é a melhor solução para quem está vivenciando o fim da vida. Entretanto, impor a negação da atuação terapêutica pode ser configurado pelas pessoas como abandono e desassistência. E isso pode ser tão desumano quanto a distanásia!

 

Basta de mercantilização da vida! Basta de buscar redução de custos com falsos discursos humanitários!

 

Notícia em:

 

https://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2010/08/660199-planos+de+saude+podem+suspender+tratamento+de+doentes+terminais.html

 

Planos de saúde podem suspender tratamento de doentes terminais

Medida chamada de ortotanásia visa a redução no valor dos reajustes. Órgãos de defesa do consumidor defendem preços mais baixos

  A Associação Brasileira de Medicina de Grupo se posicionou a favor da suspensão do tratamento para doentes terminais como forma de diminuir os reajustes nos valores dos planos de saúde, que atualmente estão acima da inflação.


O representante dos planos diz que a discussão precisa ser ampla e não teme ideias polêmicas para a redução de custos, como a cobrança de franquias, usadas em seguro de carros, e a suspensão de tratamento para doentes terminais ou sem chance de cura, a chamada ortotanásia.

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"Nós temos que fazer uma racionalização dos custos da na área de saúde. A ortotanasia é possível, quer dizer, você não aplicar métodos que não melhorem, que não deem qualidade de vida. Enfim, é uma discussão filosófica e econômica associada", diz o presidente da Associação Brasileira de Medicina de Grupo, Arlindo de Almeida.

Órgãos de defesa do consumidor fizeram simulações e constataram que no futuro pode ficar impossível pagar os planos de saúde caso os preços continuem subindo como nos últimos dez anos.

Um consumidor de 30 anos que ganha R$3.000 paga hoje R$ 180,74 por um plano, e compromete 6% da renda. Se a inflação e os reajustes atuais forem mantidos, em 30 anos ele gastaria quase R$ 6.100 com o plano e comprometeria 54% da renda.

"Os planos de saúde estão subindo muito acima da inflação. Será impossível o consumidor manter o seu nível de vida e pagar o plano", diz a advogada do Idec, Daniela Trettel.

Procon e Idec participam das discussões que a Agência Nacional de Saúde (ANS) está fazendo para mudar os cálculos de reajuste, mas temem o futuro. "É um consenso que o método de reajuste tem que mudar, mas ainda falta muita transparência na forma como mudanças vêm sendo conduzidas", afirma o diretor do Procon/SP, Roberto Pfeiffer.

A aposentada Iracema Ortega já vinha precisando da ajuda dos filhos para pagar o plano de saúde, mas ao fazer 71 anos a conta saltou de R$ 1.022 para R$ 1.430. "Quando eu vi não acreditei. Foram R$ 400 a mais".

O valor do plano só caiu para R$ 871 por força de uma liminar conseguida na Justiça. "A Justiça entende que pelo Estatuto do Idoso, as empresas não podem aumentar o preço do plano, pela faixa etária, depois dos 60 anos", afirma o advogado Julius César Conforti.