A vida é sempre uma questão de potência…

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Criança é pura potência de afetar e ser afetada.

 Buscando entender porque me conecto com as seguintes questões da prática clínica com crianças e adolescentes — TDAH, "resistências" ao aprendizado formal, "sabotagem" de regras — escrevo.

 Escrever é uma paixão alegre, é buscar nos conceitos e no fluxo livre das idéias as respostas, ou melhor, a montagem / formulação de problemas que nos retirem da mera repetição dos clichês. É agitar a água parada das cristalizações de realidades.

 E a clínica, o que é senão a experimentação deste agitar de águas que se estagnaram em produções sintomáticas paralisantes do viver.

 Meu paciente de 9 anos desenha a grande "Batalha entre os humanos e os insetos gigantes" com um prazer inenarrável. Outro relata num texto os efeitos do encontro com a psicóloga. "Estávamos na sala de espera. Ela chamou a gente. Minha mãe falou, eu falei, ela falou. Eu olhei prá minha mãe, ela me olhou. A professora disse que eu sou bagunceiro. Eu gosto de falar. A gente falou, falou e falou e aí a gente foi embora e fomos felizes para sempre!" Título: "a professora louca". Pede prá eu não mostrar prá ela.

 A batalha entre os humanos e os insetos gigantes seria produto do "choque de gerações", da assimetria entre crianças e adultos ou qualquer outra formulação estereotipada do familialismo que assola o entendimento das relações humanas?

 Por que não pensar como e com Deleuze que "as crianças são seres metafísicos", a se perguntar o tempo todo sobre o grande barato que é o mundo? Não apenas o mundo humano, pois todos que lidamos com elas sabemos de seu fascínio pelos animais e pelo cosmos? Por que se deixar circunscrever apenas pelo mundo parental?

 As crianças querem descobrir as maquínicas do ser, do tempo e inventam teorias sobre o universo, à maneira de cientistas. Experimentam seus corpos de forma polimorfa. Desafiam as leis para conhecer o desconhecido.

 Em vez de segui-las em suas explorações singulares do mundo, fazemos interferências classificatórias, diagnosticando e medindo capacidades. Apostamos num aumento constante de desempenhos de todas as espécies, numa busca frenética de "estimulantes" / "calmantes" dos comportamentos.

 Nunca esqueço da frase de Jean-Luc Godard, perfeita para estes momentos de perplexidade: "Crianças são prisioneiros políticos!" Dos pais, professores… Estado.

 Iza