“Cuidado com as balinhas…”
Na sexta-feira, numa viagem a Itaca, que em breve será contada nesta rede… algumas histórias invadiram minha memória nesse encontro, tão interessante, em que falávamos sobre as drogas, e as diferentes percepções e imaginários envolvidos nelas.
Uma participante pediu a palavra e disse, entre outras coisas, que os pais hoje em dia levam e buscam as crianças nas escolas, por medo das drogas. E também fazendo crítica aos muitos slogans por aí, do tipo, "cuide do seu filho antes que um traficante o adote" etc, nesse tom…
Imediatamente, uma cena eu revivi. De quando, lá pelos meus 9, 10 anos, minha mãe que nem sempre podia me levar no colégio porque tinha o trabalho… dizia: "Não aceita nenhuma bala se te oferecerem na rua, heim"!! Eu ficava tão nervosa com aquilo, que quando chegava na esquina do colégio Olavo Bilac (SM-RS), eu já começava a olhar para todos os lados, procurando se tinha alguém com "balas na mão" !!! Sempre tinha o guarda que nos atravessava a rua, bonachão, com um bigode imenso… Já tinha sempre o plano em mente, se eu visse o cara da bala, corria pro guarda-bigodão 😀 Ainda, quando chegava no portão da escola, olhava pra dentro dos carro para ver se não via alguém "acenando-balinha"… Alguém lembra dessa história-fase?? Puxa, hilário foi lembrar disso.
Mas, minha mãe sempre teve pânico das drogas, e quando cheguei na adolescência, o baile seguiu… Como sempre ouvi rock, e na época era moda usar muito preto e um monte de pulseiras também pretas (mais ou menos, meio braço delas), minha mãe ficava de olho. Nas palavras de uma adolescente naquela época que seria "enchia os tubos" pra valer, com essa história de drogas. Literalmente, só consegui conhecer um barzinho na esquina de cima da minha casa, depois dos 18 anos, tamanha a "proibição". Minha mãe costurava, então eu me conformava em lacrar o volume do vinil, e em cima da máquina dela traduzia as músicas em inglês (vendia a tradução no colégio), antes que saísse na revista "Bis"! Lembram dessa? Hoje até entendo, a geração da minha mãe que era aquela do sexo, drogas e rock’n’roll, só que ela achou que com o rock, todo o resto viria junto. Quantas mães ainda pensam assim? Professores, profissionais de saúde, os que "se autorizam a cuidar dos outros"?
Agora, adulta, nunca perdendo minha referência brincante de criança, e até a rebeldia de adolescente, lembro dessas histórias com graça! Por que algumas pessoas sentem desejo de usar drogas, e outras não? E pensando nas leis proibicionistas, lembro dessas paranóias da minha mãe, e penso em muitas outras que estão por aí. Enquanto isso, exercitar, validar modos de pensar, construir mundos, perdem-se, são "sequestrados" sim!! Se Leonard Cohen canta "give-me crack and anal sex" (dê-me crack e sexo anal), para mim que escuto a música soa e tem um sentido de puro "sarro" e que se traduz em muitos outros sentidos e não esse literal… Por que para outros tem esse exato sentido e com prazer eles pensam nisso? O que desperta o desejo, e o que produz novos modos de pensar?
Entre outras coisas, achei legal compartilhar esses pedaços mais engraçados da minha "experiência de drogas" em "balinhas", no "rock" e sentidos que se traduzem "diversos".
Por Maria Luiza Carrilho Sardenberg
Lu,
Vc é mesmo a minha irmã gêmea!!! Antes de escrever finalmente sobre o seminário da medicalização, eu vou pensando em como passar aquela coisa pesada para uma linguagem leve e gostosa. Sim, pq hoje só se lê algo que nos dê prazer.
E dou de cara com essa crônica deliciosa sobre os tempos em que acreditávamos piamente nas palavras das mães. E ouvíamos cada coisa inacreditável. Até que fui mãe e percebi o que se faz em nome da proteção aos filhos. Simplesmente tudo.
Adorei o teu modo de contar. Escreva mais e sp assim, amiga!
Iza