Primeiro a gestante que precisa mais

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Acolhimento com classificação de risco nas maternidades é um importante desafio a ser implantado

 

“Ana chega a uma maternidade sozinha, andando vagarosamente. Faz a ficha, senta-se no banco e espera sua vez de ser atendida pelo plantonista. A admissão está superlotada, algumas pacientes brigam, reinvidicam e acabam sendo atendidas antes de Ana. Passadas algumas horas, Ana convulsiona e cai ao chão. Todos correm para atendê-la, mas Ana falece (juntamente com seu bebê) e todas as tentativas de reanimação falham. “Causa mortis”: eclâmpsia e TCE grave. Mais tarde, a equipe encontra no bolso de Ana um “papel de encaminhamento”, ela tinha sido atendida numa maternidade de risco habitual e orientada a procurar outra instituição porque lá não havia CTI neonatal.”

A história de Ana exemplifica uma necessidade:priorizar o atendimento às gestantes de acordo com sua vulnerabilidade e risco. O Acolhimento com classificação de risco (ACCR)  é um dispositivo da Política de Humanização que vem sendo utilizado como um dos eixos do Plano de Qualificação das maternidades e redes perinatais, para agilizar esse atendimento à gestante e priorizar os casos mais urgentes. A proposta é simples, mas depende da decisão do gestor da maternidade, dos trabalhadores da saúde e também da conscientização dos usuários. Na prática, assim que a gestante chega à maternidade com ACCR há uma pré-consulta para avaliação de seu risco e vulnerabilidade. Nesse momento, o trabalhador da saúde vai localizá-la em um dos critérios que são didaticamente diferenciados por cores, sendo que o vermelho indica atendimento preferencial e urgente, enquanto o azul informa que a paciente não apresenta risco e pode esperar. Assim, quem chega primeiro poderá dar lugar àquela gestante que chegou depois mas está correndo risco de vida, ou em situação vulnerável para ela ou o bebê (vide quadro).

O ACCR garante a equidade, dando atendimento prioritário a quem precisa mais, invertendo a lógica da triagem e da fila. Nas maternidades, a implementação do ACCR evita que as mulheres peregrinem em busca de acesso para ganhar seus bebês e qualifica o cuidado.

 

E os benefícios dessa nova proposta para a porta de entrada da maternidade são vários. De acordo com a obstetra da secretaria municipal de saúde de BH, Gisele Maciel,  essa inovação garante o acesso da gestante e melhora a qualidade do atendimento, mais ágil para os casos de maior risco, diminuindo a espera para os casos agudos e que demandam urgência, além de garantir que a mulher e seus familiares serão informados sobre o tempo de espera. “Para os profissionais, classificar o risco de cada gestante racionaliza o processo de trabalho, melhora a eficácia e efetividade do serviço, a integração da equipe e envolvimento dos profissionais de saúde e, consequentemente, aumenta sua satisfação, diminuindo sua ansiedade”,  afirma.

 

Atualmente, 15  maternidades do Plano de Qualificação tem avançado na implantação do ACCR, sendo que em cinco delas o dispositivo já está  implantado e em funcionamento: Maternidade Bárbara Heliodora (AC), Maternidade Ana Braga (AM), Maternidade Balbina Mestrinho (AM), Hospital Regional Materno Infantil de Imperatriz (MA ) e Fundação Santa Casa de Misericórdia de Belém (PA). Nesta última,  já se percebe maior agilidade no serviço, mas a discussão com a comunidade tem que ser constante. “Tivemos muita resistência da população, que não entendia por que algumas mulheres tinham prioridade, mas aos poucos, estamos vencendo a cultura da ordem de chegada”, afirma a socióloga e apoiadora Rita de Cássia Souza.

 
Essa resistência da população não é o único desafio na implantação do ACCR. Não basta acolher a gestante e deixá-la esperando de forma desconfortável, ou sem escutar os seus anseios, medos, dores. Outra questão presente nas equipes de saúde é o medo da mudança, a resistência a que sejam feitas rodas de conversa para que seja acordado em equipe esse novo modelo. “Muitas vezes os profissionais de saúde fazem o boicote silencioso e aparecem os ruídos comunicacionais que desorganizam o acesso”, afirma a supervisora do Plano, Maria Angélica.

 

 Quadro representativo do acolhimento com classificação de risco (Fonte –  Gisele Maciel, SMS – BH)

 

Sugestões para implantação 
Não há uma receita de bolo para se iniciar o  ACCR em um serviço de saúde, mas a decisão política é o ponto de partida. A partir dessa decisão dos gestores, é recomendável realizar o acolhimento imediato da mulher, priorizando o atendimento de acordo com critérios clínicos e não por ordem de chegada.Além disso, várias outras ações podem auxiliar a implantação do ACCR:

1) Ofertar ambiente em que a paciente e seu acompanhante se sintam confortáveis e acolhidos enquanto esperam por atendimento;
2) Adequar estrutura física e logística das áreas de atendimento básico (sala para o ACCR equipada com Sonar, termômetro de ouvido, relógio de parede, mesa, cadeira, escala da dor, etc.);
3) Garantir a participação ativa de todos os profissionais envolvidos com a assistência,  qualificar todos os profissionais da instituição, da recepção à direção, enfermagem, médicos, serviço social, orientadores de fluxo, estagiários, porteiros, segurança, etc.;
4) Envolver o Conselho Local de Saúde;
5) Garantir informação para a usuária e familiares e esclarecimento sobre todos os procedimentos (classificação de risco, medicações, observação clínica, exames, encaminhamento etc);
6) Garantir a identificação dos profissionais (verbalmente e por crachá) pelas pacientes e a identificação das pacientes pelo nome;
7) Ofertar práticas baseadas no modelo de humanização do parto e nascimento;
8) Ofertar assistência por equipe multidisciplinar (medicina, enfermagem e, se necessário, psicologia, serviço social);
9) Garantir privacidade durante todo o atendimento;
10) Utilizar o instrumento de ACCR por enfermeiro, favorecendo o atendimento individualizado e ágil;
11) Estabelecer fluxos e protocolos de atendimento;
12) Promover linha de cuidado integral com vinculação da assistência à rede pública;
13) Atuar segundo normas de referência e contra-referência;
14) Promover reuniões periódicas com o Distrito e Unidades Básicas de Saúde;
15) Solicitar vaga para transferência pela Central de Internação quando necessário, com transporte responsável;
16) Avaliar continuamente o processo de atendimento para verificar se os objetivos estão sendo alcançados e para promover reajustes necessários;
17) Realizar o acompanhamento gerencial feito através de indicadores (por exemplo, número de atendimentos diários, perfil da clientela e horários de pico);
18) Monitorar continuamente a partir de realizadas reuniões com os profissionais buscando a construção de indicadores de satisfação dos profissionais envolvidos;
19) Avaliar grau de satisfação da usuária das maternidades.