PRO DIA NASCER FELIZ!

17 votos

Olá queridos seguidores da rede HumanizaSus! Meu nome é Aline Rachel, sou enfermeiranda da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e estou concluindo o 8º período do curso. Nesse penúltimo semestre, pagando a disciplina “Estágio supervisionado I: o processo de trabalho do enfermeiro na atenção básica de saúde”, vivenciei uma experiência muitíssimo rica na Unidade de Saúde da Família do Panatis, localizada na Zona Norte de Natal. O encerramento da minha trajetória nessa Unidade se deu da seguinte maneira…

O dia havia amanhecido nublado na Cidade do Sol. Caminhando até a Unidade do Panatis e com a chuva fininha caindo sobre meu guarda-chuva, tentava articular diversas idéias de como fazer daquele momento uma experiência interessante.

Chegando à Unidade, fui até a sala onde é realizada a consulta de CD (consulta de avaliação do Crescimento e Desenvolvimento da Criança) e comecei a levar os brinquedos que lá havia para o espaço de convivência, local no qual pensamos em atender as crianças naquela manhã de segunda-feira. Todos os usuários e funcionários olhavam, curiosos, a movimentação; os agentes de saúde perguntavam se ia acontecer a Tenda do Conto. Na realidade, não era a Tenda, mas mais uma micro-revolução coordenada pela equipe do Panatis.

Poucos minutos depois de mim, a enfermeira Jacqueline chegou. Muito sorridente e animada, trouxe um grande edredom macio e uma bela caixa de som misteriosa. Pensávamos juntas: “Será que as crianças vem? Com esse tempo pode ser que venha pouca gente!” Quanta ansiedade! Mas por que não tentar?

Rapidamente, começamos a arrumar o ambiente, dispondo o edredom no chão limpinho e sobre ele, os brinquedos. A caixa de som reproduzia belas melodias, músicas clássicas e vozes suaves, conferindo uma atmosfera tranqüila e aconchegante ao espaço de convivência que acabara de se tornar um castelinho de sonhos.

Usamos uma mesa disponível no local para posicionar o colchão utilizado na consulta e os outros instrumentos necessários à avaliação da saúde da criança (estetoscópio, fita métrica etc). Frente ao ambiente preparado à recepção dos usuários, sorrimos uma para outra, confiando que aquela iniciativa daria certo. Assim, fui buscar os prontuários e direcionar as crianças e seus familiares ao novo espaço de atendimento do CD.

Qual era a surpresa das mães e das crianças ao se depararem com aquela novidade! As crianças logo queriam sentar no edredom e mexer nos brinquedos. A música contribuía para relaxar os pequeninos e seus familiares, que ficavam mais a vontade para esperar sua vez.

A dentista Marta também se uniu a nós nessa iniciativa e trouxe os materiais para fazer aplicação de flúor, distribuição escovas de dente e ainda construiu um espaço interativo a partir do instante que orientou a escovação adequada às mães e seus filhos.

Durante a consulta, enquanto examinava, a enfermeira Jacqueline ia explicando às mães o que estava fazendo, abrindo espaço para que elas fizessem seus questionamentos.  As mães se mostraram participativas e até apontavam medidas, o que refletiu que a orientação que vem sendo dada nos atendimentos às crianças apresenta retorno e resultados.

Após as crianças serem examinadas, iniciamos a sessão de fotos. Nós as registramos em momentos de descobertas do corpo, do espaço, dos objetos; as fotos traduzem a alegria dos pequenos usuários, seus olhares e gestos. Ficarão guardadas as imagens das crianças crescendo, se desenvolvendo a cada consulta que passa, tornando-se mais cheinhas, bochechudinhas ou mais compridas, quem sabe? Elas crescem tão rápido…  

Todos participaram das fotos, incluindo enfermeira, enfermeiranda, mães, crianças, agentes de saúde, dentista e auxiliar, numa bela integração de seres e saberes .

Apontamos como vantagens dessa nova metodologia de atendimento a criação de um ambiente mais agradável às crianças, que se tornaram menos susceptíveis a chorar ou adquirir uma postura desconfortável diante da execução dos procedimentos de consulta; aos acompanhantes, que tiveram a oportunidade de interagir e discutir suas dúvidas e conhecimentos uns com os outros, além de poderem aguardar sua vez num ambiente mais calmo.

Ainda ressaltamos a ocorrência da socialização entre as crianças, associada à contribuição para os desenvolvimentos afetivo, cognitivo e social infantil. Percebemos que elas achavam-se a vontade naquele micromundo, emitindo sons, se movimentando, sorrindo; enfim, brincando.

Merece destaque também, a excelente interação entre a equipe. A dentista Marta discutia com a enfermeira os achados clínicos, assim como as melhores condutas para cada caso . As mães também participavam das discussões, apontando os problemas de saúde dos filhos, sugerindo, tornando-se participativas e mostrando-se co-responsáveis pela saúde dos seus pequenos.

Servimos lanche e tiramos mais fotos! Que manhã inovadora! Ao fim das consultas, sentamos e conversamos sobre quão eficiente aquele atendimento fora. Passamos então a planejar os próximos encontros e em como tornar a consulta de CD um momento poético, livre e espontâneo. Já estamos refletindo sobre os próximos encontros e que, por meio deles, acreditamos que as manhãs de segunda-feira podem ser mais leves e gratificantes.

Frente essa experiência tão instigante, elegemos um nome para esse momento que se configura pela presença de carinho, felicidade, compartilhamento de sensações e também, pela avaliação da saúde da criança.  O nome pensado e escolhido com muita alegria foi: “Bote aqui o seu pezinho” .

Essa denominação representa o contato dos pezinhos das crianças com o edredom, sendo este um local de experimentação de sensações, de estar à vontade em descobrir cores, texturas, sons e objetos, de maneira segura e confortável. Além disso, o fato das crianças porem os pés na Unidade reflete a sua presença naquele local, evidenciando sua assiduidade e participação nas ações de promoção, prevenção e reabilitação da saúde. Também é por meio dos pés que se realiza a triagem neonatal, se observa a evolução da marcha da criança e é a maneira com a qual os pequeninos entram em contato com o solo e recebem as energias da Terra.

Assim, ao final de tudo, arrumamos o ambiente e fomos dar continuidade às nossas ações do dia, muito satisfeitas com a nossa atividade e até “orgulhosas”  pela nossa bem sucedida experiência. Aquela segunda-feira, definitivamente, nasceu feliz… E para que as próximas segundas nasçam ainda mais felizes, trago a letra do grande poeta Cazuza, que diz:

“Todo dia a insônia me convence que o céu

Faz tudo ficar infinito

E que a solidão é pretensão de quem fica
Escondido fazendo fita

Todo dia tem a hora da sessão coruja
Só entende quem namora
Agora ‘vão bora’
Estamos meu bem por um triz

Pro dia nascer feliz
O mundo acordar e a gente dormir, dormir
Pro dia nascer feliz
Essa é a vida que eu quis
O mundo inteiro acordar e a gente dormir”.

Concluo esse pequeno texto afirmando como é bom sonhar ao lado de pessoas valiosas que são capazes de arriscar ao seu lado e apostar na realização de ações nunca antes desempenhadas. Como são importantes as pessoas de alma liberta, que estão dispostas a experimentar um mundo novo e que dão ao SUS o encantamento e a sensibilidade que mudam a maneira com a qual as pessoas enxergam o nosso querido sistema de saúde .