A SAÚDE INDÍGENA NO ALTO DO RIO SOLIMÕES
(A notícia já deveria estar aqui na RHS há tempos… mas não deu. Apesar do atraso, ainda considero que vale um post!)
Oficinas sobre “Etnicidade e Humanização na Saúde Indígena" foram realizadas com 50 trabalhadores, gestores e representantes de usuários (principalmente da etnia Ticuna) dos municípios de Tabatinga, São Paulo de Olivença e Beijamim Constant, no Amazonas, no final de agosto/2011. As oficinas fazem parte do Programa Conjunto de
Segurança Alimentar e Nutricional de Mulheres e Crianças Indígenas com o propósito de garantir os direitos à saúde e à alimentação saudável para a população indígena em duas regiões prioritárias: no Alto Rio Solimões (AM) e em Dourados (MS). Uma das preocupações do Programa Conjunto é com a humanização nos serviços públicos de saúde, contemplando a valorização da cultura indígena, em sintonia com as diretrizes da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) e a Política Nacional de Humanização (PNH).
As oficinas foram coordenadas pelos consultores da PNH: Terezinha Moreira, Michele Vasconcelos e Catia Paranhos. As atividades contaram com a parceria também de Coordenador de Humanzação da SES/PA Guilherme Marrtins, Consultora da SESAI Nubia Melo e Consultora de Comunicação da UNICEF Daniela Silva, além da Pesquisadora do Museu Nacional (UFRJ) Aline Guimarães e do Antropólogo da FUNAI Leopoldo Dias.
A etnia predominante na região do Alto Solimões são os Ticuna, aproximadamente 40 mil índios, que configuram o mais numeroso povo indígena na Amazônia brasileira. A etnia habita também o Peru e a Colombia, países fronteiriços a cidade de Tabatinga. Com uma história marcada pela entrada violenta de seringueiros, pescadores e madeireiros na região do Rio Solimões, foi somente nos anos 1990 que os Ticuna lograram o reconhecimento oficial da maioria de suas terras. Hoje enfrentam o desafio de garantir sua sustentabilidade econômica e ambiental, bem como qualificar as relações com a sociedade envolvente mantendo viva sua riquíssima cultura. (1)
As oficinas de humanização e etnicidade realizadas em Tabatinga promoveram o diálogo e a negociação entre lideranças indígenas, FUNAI, SESAI, MS/PNH, gestores municipais de saúde e diretores dos hospitais da região. Além disso, buscaram promover a grupalidade dos atores envolvidos e fomentar a comunicação tanto na rede de saúde quanto nas redes intersetoriais de forma a respeitar e valorizar a diversidade cultural dos povos indígenas da região.
Os desafios são imensos na busca por garantir um SUS resolutivo, com equidade e respeito aos saberes tradicionais dos povos indígenas. Do enorme aprendizado com essa experiência e com algumas outras com usuários indigenas no hospital geral, minhas questões são muitas… Como avançar na garantia do acesso à saúde com respeito aos saberes tradicionais? Como não se deixar capturar e trabalhar em prol da medicalização da vida no contemporâneo? Por qual saúde lutamos? Por uma multiplicidade de concepções e práticas ou pelo consumo de serviços e produtos biomédicos? Como o Estado pode se movimentar de forma a enfrentar as iniquidades deste país? Grande discussão que não se separa das questões anteriores é sobre a efetivação do acesso, da equidade, e da universalidade do SUS numa região de tríplice fronteira.
Neste terreno deveras espinhoso encontram-se distintas concepções de saúde e doença; o papel do Estado; a terra e seus usos e valores; o capital e o consumo; a mutação de um povo; o Estado perguntando/respondendo quem é índio e quem não é (2) e demais questões da legislação, dentre tantos e tantos outros aspectos…
FONTES:
1- Sobre a riqueza dos Ticuna: https://pib.socioambiental.org/pt/povo/ticuna
2- Viveiros de Castro, “Todo mundo é índio, exceto quem não é”. Disponível em: https://pib.socioambiental.org/files/file/PIB_institucional/No_Brasil_todo_mundo_%C3%A9_%C3%ADndio.pdf
Por Shirley Monteiro
Cátia,
Com certeza este tema da Saúde Indígena, envolvendo Sesai e PNH vale muitos e muitos posts, que são atemporais !!!
Acho muito interessante estas questões que destacas, e que me remetem a concepção da eficácia simbólica, e da existência de múltiplas racionalidades médicas, além da racionalidade biocentrada na medicalização da vida, guiada pela produção farmacêutica. Entre estas racionalidades médicas estão os conhecimentos e as crenças, ritos e mitos indígenas; assim como a concepção de que saúde está diretamente relacionada à possibilidade de harmonia e integração com os ciclos da natureza no cotidiano; ou seja, se lhes tiram a terra, flora e fauna- ocorre um desequilíbrio bio-psico-sócio-espiritual para estas pessoas; e esse entendimento vai bem além dos pressupostos Epidemiológicos da medicina dos não índios !
Por isso compartilho das tuas indagações:
" Como avançar na garantia do acesso à saúde com respeito aos saberes tradicionais? Como não se deixar capturar e trabalhar em prol da medicalização da vida no contemporâneo? Por qual saúde lutamos? " …" Neste terreno deveras espinhoso encontram-se distintas concepções de saúde e doença; o papel do Estado; a terra e seus usos e valores"
Traga-nos sempre notícias deste tema !!! Por favor .
Bjos,
Shirley Monteiro