Trabalhadores da morte e sua invisibilidade social
Lembrei do Erasmo quando vi essa chamada para a mesa-redonda abaixo. Acho muito interessante conhecer mais a realidade desses trabalhadores que lidam com a morte no dia-a-dia. Já tive familiar que faleceu em casa de repente e foi muito desgastante todo o ritual burocrático pelo qual se tem que passar quando não temos um médico para fornecer o atestado. No PSF felizmente, os usuários acompanhados e conhecidos da equipe não precisam passar por isso que passei com meu sogro, pois na USF, o médico vai ao domicílio e atesta a morte, quando ela se dá de forma natural. No caso do meu sogro, o SAMU não levou para o PS pois quando chegou ele já havia falecido, e assim tivemos que ir a uma delegacia, a delegada veio até a casa ver se o corpo tinha marcas de violência ( entre ser atendido no distrito de madrugada e a delegada chegar na casa, e o carro do IML chegar para buscar o corpo levou umas 6 horas). E os funcionários que vieram buscar o corpo eram estranhos, pareciam alcoolizados, mal cuidados, todos pediam caixinha para alguma coisa. Fico pensando como criam defesas psíquicas para lidar com tudo isso. Fazem piada? Banalizam a morte chamando o falecido de presunto? Se alcoolizam e se drogam?
Esse debate abaixo vai dar voz a esses trabalhadores que podem até trazer demandas de cuidado em Saúde do Trabalhador para seus sofrimentos.
Trabalhadores da Morte
O Laboratório de Estudos sobre a Morte (LEM-IPUSP) convida para a mesa-redonda – Dilemas Éticos "Trabalhadores da Morte", com os debatedores: Roberto Souza Camargo (Diretor do Instituto Médico Legal de São Paulo), Francivaldo Almeida Gomes (Agente de apoio do Serviço Funerário do Município de São paulo, ex-sepultador), Vanuzia Rodrigues Ribas (Agente de Gestão de Políticas Públicas do Serviço Funerário do Município de São Paulo), com a coordenação de Maria Julia Kovács (Coordenadora do LEM). A mesa-redonda acontecerá no dia 30 de novembro, quarta-feira, das 12h30 às 14h45 no Bloco B – Sala 20 do Instituto de Psicologia da USP (Av. Prof. Mello Moraes, 1721).
Com votos que consigamos avançar para uma nova relação, mais humanizada com a morte.
Stella
( Fonte da imagem : portofeliz.am.br)
Por Erasmo Ruiz
Gostaria muito de estar presente para assisitir a esta mesa. Já realizei pesquisa com agentes funerários e sepultadores. Parte dessas pesquisas devem ser publicadas no ano que vem. Existem questões muito interessantes do ponto de vista acadêmico e dramáticas do ponto de vista existencial. De forma muito sintética, estes trabalhadores herdam simbolicamente o antagonismo coletivo com a morte. Como não somos socializados para a experiêcia da morte e do morrer em seu sentido existencial (a morte quase sempre é vista como um evento que só pertence aos outros), estes trabalhdores acabam sendo representantes simbólicos da "odiosa" e, por conta disso, acabam sendo estigmatizados. Tenho relatos tristes de pessoas que acabam se tornando solitárias, perdem parceiras, são evitadas para festas etc. Por outro lado, o conviver diuturno com a morte acaba sendo um elemento decisivo para um direcionamento de um viver mais intenso onde as escolhas são pensadas e pesadas tendo a morte em sua equação, o que pode implicar em vivências das relações de afeto mais genuínas. O oposto, como notaste, também é real. Defesas são utilizadas para lidar com o sofrimento o que pode criar a marca da "caracteropatia", uso absusivo de drogas, vivências que buscam formas de hedonismo vazio, condutas ordálicas (exposição desnecessária da própria vulnerabildiade). Como os trabalhadores da morte parecem estar em contato com o elemento mais odiado e temido pela maioria, talvez ao estudarmos como lidam com a morte, pudéssemos apreender processos que nos ensinassem a lidar de forma mais humana com a vida. O pressupostyo é singelo. Ao lidarmos com a morte estamos fundamentalmente lidando com os vivos já que o cadáver não sente as consequências de nossas ações sobre ele, mas sim os vivos. No campo da saúde devemos que prestar muita atenção nos trabalhadores que manejam processos de trabalho sob a égide dos cuidados paliativos. Do meu ponto de vista a filosofia do cuidar paliativamente deveria ser a filosofia do cuidar em saúde. Mas isso já é outra história. Um bj do ERASMO