A cafeteria do IAPI em POA
Saímos às 3h da manhã, do interior rumo à capital do RS. Dez passageiros, alguns acompanhantes, outros já se cansam… O motorista, o menos experiente de todos, perdido total, irritou-se com a aula. Quem precisa de GPS quando tem uma mãe que há 14 anos viaja uma vez por semana com o filho. Câncer. Inoperável. E ela não errou uma rua! O motorista disse: “O fulano não me pega mais não. É a primeira e a última que puxo”… “como o povo reclama! Até viajando de graça!” Ooopa! “Viajando de graça não-não meu senhor!” – já me atravessei. “Que o SUS é pago por nós e bem pago”… Silêncio. Os outros passageiros sorriram com a boca e com os olhos, muito provável que orgulhosos de serem donos do sistema! A nossa guia desceu no Conceição. Eu me senti abandonada. Desejei um GPS daí… Perdidos na capital, help. A enfermeira que só vem a passeio, ou a trabalho, para reuniões, cursos, encontros, acostumada com o motorista que carrega a mala, conta os “causos”… Motorista do SUS, que saudades, colegas! O terceirizado (assustado talvez), mais uma vez diz que é a “primeira e a última”. Já tínhamos entendido essa parte. E que os pacientes só incomodam. Esqueceu de nós ali dentro? Com quem falava? Nesse momento, eu me apresentei como trabalhadora do SUS, cheia de paixão… “mas meu caro, ela não te incomodou não… te ajudou a encontrar o caminho! O que tu achas… 23 anos viajando com um filho para POA e 14, com o outro, não é uma lição? Enquanto a maioria só pensa em curtir a vida, ela passou a dela vindo pra POA para que os filhos vivam”. Banco de Olhos, desci. Não é aqui, cadê a nossa guia!! E no IAPI, uma fila só para entrar… várias áreas. A minha, 17. Me senti mais sozinha. Cadê a cafeteria? Só vi cadeiras e aqueles bancos de madeira, paredes beges, gente de todo o tipo. Bem-vinda à comunidade. O SUS do povo. Adoro esta entrada no sistema pelo outro lado. Já cansei dos oftalmos de clínicas particulares e do IPE. Viver o SUS! Saí outra vez, o ambiente me sufocava. Pensei na praça que vi lá na frente. Nem sinal da cafeteria… Cega mesmo! A cafeteria estava na praça! Banquinhos de plástico na calçada. A moça tirava as águas minerais do porta-malas do carro. O cara varria as folhas das árvores. O pó subia. Pensei em não pedir o café. Minha consulta às 13h. No relógio 7:15. Podia pegar um taxi, ir ao centro, mas pra quê? Nem gosto de andar à toa. A moça usava um aventalzinho azul e um boné. Passava o pano na bancada. Pedi o pretinho que também nem gosto muito. Puxei o banquinho para longe do pó e fiquei feliz com aquele copo quentinho na mão. Estava bem gostoso e novinho o café. Manhã fresquinha. Os pombos achavam que eu comia. Entra e sai de gente. A praça pareceu mais bonita. Todo tipo de gente, minha gente! Uns teclando no touch screen do celular; outros, na bengala, touching… Chegavam de taxis; outros, a pé; de carro… sozinhos como eu, velhos, jovens… o Douglas tomando café. Alguém passa e diz: “Oooi, Douglas!” Ele diz “oiii”. Impressionante como são lindos e alegres! Down que nada. Finalmente o cara parou de varrer o pó, na intenção das folhas. Abriu a porta traseira do carro e as perninhas apareceram… resmungo de sono. A mochila rosa de rodinhas também apareceu. A filha toma café na praça, enquanto o pai trança seu cabelo, antes da escolinha. Aqui é o point! “A cafeteria da praça”!! Muita gente. A maioria parava e comprava o café. Eu ri de mim. Lembrei do café tomado na rua em Manhattan, as rosquinhas, os donuts. Qual a diferença? Os outdoors? O colorido? Chegou a mulher dos chapéus… Muito bonitos para usar nas praias de Natal. Ela varreu o outro lado da calçada. Ai, veio o cara do guarda-chuvas, metido numa camiseta do colorado. “Bom dia Seu Robertão”! As pessoas se conhecem aqui… Um andarilho com um cap de engenheiro sorria e conversava “na cafeteria do IAPI”. A outra chega do meu lado e põe um cartaz (desses de campanhas da saúde) virado para baixo, no chão… “acho que vai dar para ficar pouco hoje. Vai chover?” E começou a colocar os brincos, os anéis e colares sobre ele… “Sabe, eu tenho 3 filhos formados. Meu marido trabalha em casa, mas antes a gente viajou por todo o Brasil, SC, Paraná… ele era caminhoneiro e eu ia junto. Era ruim botar as compras na praia, saia quase nada, a concorrência… Não consegui me aposentar ainda, mas quem não precisa dum dinheirinho? Assim eu não fico em casa pensando bobagem… Sabe… eu queria fazer alguma coisa para não ter mais essas doenças novas, ver as crianças chorando…” – a D. J. falava. Larguei de escrever e ficamos ali quase uma hora conversando. Íntimas. Me senti o máximo quando ela disse: “cuida aqui, vende se chegar freguês, que vou comprar um cafezinho” (na cafeteriiiah). Fiquei ali até apreensiva se iria dar conta (hehe), mas já sabia o preço de tudo, era o começo!! Achei graça de mim de novo. A enfermeira da biju do IAPI de POA (risos). Já não morro de fome. Na volta dela, vinha mais… me despedi. 9:30! Na recepção, pedi informações sobre o agendamento da minha consulta. Descobri que já era a 6ª, depois das 14h da tarde. Eu fiquei na rua, na praça e esqueci da fiiila do SUS. Valeu a pena. Vi o Douglas, o Robertão, a J., os pombos, aproveitei a cafeteria da rua, fiz feira de biju e quase estreei no ramo! De presente, trouxe a praça para a rhs. Não precisei dizer que voltei para o almoço. Meia torrada de queijo para mim e meia, para os pombos! Ah, me sinto povo, multidão. E a consulta? A consulta se tornou só um mero pretexto… O SUS está recheado dessas coisas da vida.
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Por Katia Brandão Cavalcanti
Parabéns pelo trabalho! Precisamos divulgar!