“Entre a Vida e a Morte”: Reflexões a Partir de um Documentário da BBC
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Construir um documentário não é uma tarefa fácil. O primeiro engodo que se pode incorrer é a idéia de que, não sendo uma peça ficcional,o documentário sempre mostraria a "verdade" e, dessa forma, ganha quase de imediato a credibilidade pela forma como "tece" suas imagens. Ora, sabemos das inúmeras mentiras que podem ser urdidas a partir do que se faz numa ilha de edição.Este não é o caso do documentário "Entre a Vida e a Morte" produzido pela BBC.
Nele somos todos levados aos corredores e salas de cirurgia do Hospital de Addenbrooke em Cambridge (Reino Unido), um centro avançado em neurocirurgia e reabilitação. Lá nos deparamos como o drama de três famílias que tiveram seus entes queridos envolvidos em graves acidentes e estão entre a vida e a morte. Duas pessoas conseguirão manter suas vidas mas com grave comprometimento neurológico. Uma irá morrer.
Por 50 minutos adentramos nos dilemas bioéticos produzidos por tecnologias e práticas que cada vez mais são capazes de manter a vida ao mesmo tempo em que recolocam em novos patamares problemáticas como a autonomia dos pacientes e formas de assistência que podem respeita-la bem como manejar as problemáticas psicossociais trazidas pelos familiares.
Entre as cenas de vulnerabilidade dos pacientes nos são apresentados vídeos domésticos onde os vemos felizes e saudáveis antes dos acidentes. Dessa forma, somos forçados a nos perguntar de imediato: e se essa pessoa fosse meu irmão, como estaria me comportando? Caso ele estivesse consciente e diante de um quadro de severas perdas e solicitace pela suspensão do tratamento, eu respeitaria sua decisão mesmo que respaldada pelos profissionais de saúde? E seu estivesse nessa situação, desejaria morrer?
Como bem salientou Ayala Gurgel agora a pouco no seu perfil no facebook, ao assistir o documentário não há como não pensar no trabalho de médicas paliativistas como a Dra Maria Goretti Maciel. Quem sabe um dia o trabalho do Hospital de Adenbrooke seja a norma em saúde. Estaremos então produzindo uma síntese harmônica entre os saberes do passado que hegemonicamente respeitavam a vontade do moribundo junto a todo um complexo arcabouço de conhecimentos colocados a serviço do exercício dessa autonomia aqui e agora, inclusive como elemento fundamental para superação da vulnerabilidade extrema.
Quando acabamos de assistir ao documentário, entre tantas reflexões parecem ficar duas fortes marcas. A primeira é de que o avanço da ciência cria uma interface "cinza" entre a vida e a morte que parece se ampliar mais e mais, o que exige uma permanente crítica dos critérios utilizados para definir qual seria, caso a caso, a hora de cessar intervenções que ao invés de trazer esperança, a sufoca em meio a dor e sofrimentos desnecessários. A segunda é que havendo qualquer possibilidade para se exercitar a autonomia do paciente, mesmo em situações onde a comunicação fique muito precarizada, é um imperativo ético busca-la e prioriza-la.
Abaixo você poderá assistir o documentário diretamente aqui na RHS