Tocando em Frente
APRESENTAÇÃO
Visando promover uma abordagem em saúde nos moldes preconizados pela OMS, segundo a qual saúde não é apenas ausência de doença, mas um conjunto de fatores que integrados influenciam no bem estar individual e coletivo, e respaldados pelos princípios do SUS de Universalidade, Integralidade e Equidade, o grupo formado pelos doutorandos Daniel Azevedo Cavalcante, Ilana Marques Nogueira e Raíssa Carla Evangelista do Carmo, do curso de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), sob a preceptoria da enfermeira Flávia Rachel Nogueira Cunha, do médico Francisco Américo Micussi e tutoria da professora Karla Simone Lisboa Maia Damião, desenvolveu uma ação humanescente com uma parcela da população idosa de uma UBS na cidade de Macaíba-RN.
INTRODUÇÃO:
O Brasil tem um desafio crucial pela frente: criar condições econômicas e sociais que permitam uma boa qualidade de vida aos idosos. Segundo o relatório sobre envelhecimento populacional das Nações Unidas, de 2007, o número de pessoas com mais de 60 anos, em 2000, no mundo, era de aproximadamente 600 milhões, devendo alcançar dois bilhões em 2050. O Brasil está acompanhando esse processo. O ritmo de crescimento da população idosa brasileira tem sido sistemático e consistente.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD, o País contava, em 2009, com uma população de cerca de 21 milhões de pessoas de 60 anos ou mais de idade. Nos últimos dez anos, esse grupo passou de 9,1% para 11,3% da população. Essa inversão é percebida inclusive no município de Macaíba-RN, cuja pirâmide etária já mostra um estreitamento relativo de sua base.
O Brasil tem uma das populações que envelhecem mais rapidamente no mundo e as transições demográfica e epidemiológica brasileiras, ao contrário do ocorrido em países desenvolvidos, não se acompanharam de melhorias nas condições sociais, econômicas e de assistência à saúde da população.
O Estado, ainda às voltas em estabelecer o controle das doenças transmissíveis e a redução da mortalidade infantil, não foi capaz de desenvolver e aplicar estratégias para a efetiva prevenção e tratamento das doenças crônico-degenerativas e suas complicações, levando a uma perda de autonomia e qualidade de vida, e também a um importante crescimento da demanda aos serviços sociais e de saúde (Garcia et al., 2002).
A prevalência de Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) atinge quase dois terços dos idosos do Brasil (65% no Nordeste), enquanto a diabetes mellitus atinge um quinto (19% no Nordeste). No Nordeste a proporção de idosos que apresentam as duas comorbidades é de 14%.
A depressão surge, nesse cenário, como um dos mais importantes agravos à saúde da terceira-idade, sendo a síndrome psiquiátrica mais prevalente. Um dos métodos mais utilizados, no país, para identificação dos sintomas depressivos na velhice é a Escala de Depressão Geriátrica de Yesavage, a qual se mostrou, após estudos realizados, como um indicador relativamente estável para ser utilizada para diagnóstico e monitoramento da gravidade de tal morbidade.
A demência, por sua vez, é hoje o problema de saúde mental que mais rapidamente cresce em importância e número. Sua prevalência aumenta exponencialmente com a idade, passando de 5% entre aqueles com mais de 60 anos para 20% naqueles com idade superior a 80 anos. A incidência anual de demência também cresce sensivelmente com o envelhecimento, de 0,6% na faixa dos 65-69 anos para 8,4% naqueles com mais de 85. É fundamental, portanto, que os profissionais de saúde mental estejam capacitados para diagnosticar e monitorar a evolução dos sintomas desses pacientes. E entre os úteis para esse fim, o Mini Exame do Estado Mental (MEEM) é seguramente a escala mais amplamente utilizada em todo o mundo.
O Estatuto do Idoso, do Ministério da Saúde, representou uma grande conquista social e um marco na garantia de direitos dessa parcela da população. Nele foi destacada a atenção integral à saúde do idoso pelo Sistema Único de Saúde, assim como a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa. Como parte da estratégia para o acompanhamento da saúde desse grupo, o Ministério da Saúde está disponibilizando agora a Caderneta de Saúde da Pessoa Idosa, na qual serão registradas informações importantes sobre as condições de saúde do seu portador, auxiliando os profissionais de saúde sobre quais as ações necessárias para promover um envelhecimento ativo e saudável.
Na prática, porém, há uma grande dificuldade em concretizar as propostas inerentes a tal política, devido a uma conjuntura de fatores que giram em torno de um problema central: a desproporção entre oferta, capacidade de atendimento e demanda. Isso gera uma disputa por fichas de atendimento, com formação de filas antes mesmo da abertura das unidades, em madrugadas, quando as pessoas chegam até mesmo a “dormir na fila”, submetidos ao frio e ao medo da violência tão presente nas regiões metropolitanas. Este é um dos principais motivos de reclamações e insatisfação dos usuários das unidades básicas de saúde.
Diante desse cenário, os idosos se destacam como grupo mais afetado negativamente, devido a maior prevalência de condições físicas limitantes e ao maior risco de adoecimento quando inseridos em ambientes potencialmente danosos à saúde. Ressalta-se também que esse grupo, frequentemente, apresenta condições psicológicas que os desmotivam a procurar assistência, afastando-os ainda mais das unidades de saúde.
Torna-se imperativo, portanto, traçar estratégias que visem não somente garantir a qualidade de assistência prestada ao idoso que acessa a UBS, mas, sobretudo, fortalecer o vínculo entre essa parcela especial dos usuários e a equipe de saúde, aproximando e “reconquistando” aqueles que por quaisquer motivos se encontrem distantes das ações desempenhadas por esta.
JUSTIFICATIVA
A intervenção é justificada pela atual situação de saúde na qual se encontra a população idosa do território adstrito da UBS campo da Mangueira. Devido à marcante desproporção entre oferta, capacidade de atendimento e demanda por este, muitos idosos acabam por não conseguir atendimento e, quando conseguem, este acaba por não ocorrer da forma adequada para o perfil desse grupo etário.
Ademais, a unidade em discussão ainda não apresenta ações programáticas dirigidas especificamente a essa parcela da população. E, no que diz respeito à organização da agenda de trabalho da equipe de saúde, os idosos são dependentes ou do atendimento do HIPERDIA ou de um atendimento no dia da clínica médica por demanda aberta. Neste último caso, o atendimento fica sujeito ou à obtenção das fichas ou aos “encaixes” que são feitos após todas as consultas, o que dificulta o acesso daqueles que apresentam limitações físicas e/ou psicológicas.
OBJETIVOS GERAIS
Identificar o perfil de saúde e de vida de idosos acima de 60 anos do município de Macaíba e criar estratégias que visem a reinserção desse grupo na dinâmica da unidade.
Fortalecer o vínculo entre esse grupo e a equipe de saúde através de uma ação de acolhimento humanescente: o projeto “Tocando em Frente”.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
• Fornecer assistência clínica, nutricional, social e psicológica aos pacientes acima de 60 anos, no Município de Macaíba;
• Identificar morbidades na população idosa;
• Apoiar a população idosa no âmbito social e de saúde;
• Incluir os idosos em atividades na UBS de Campo da Mangueira.
• Preenchimento da Caderneta do Idoso.
METODOLOGIA
O projeto “Tocando em Frente” foi realizado com 35 pacientes, no Município de Macaíba, na área de abrangência da Unidade Básica de Saúde (UBS) de Campo da Mangueira, os quais preencheram os seguintes critérios de inclusão:
Idade acima de 60 anos;
Não inserção em programas de atenção em saúde da UBS;
Residir na área adstrita da UBS Campo da Mangueira.
Desse modo, eram pacientes que não apresentavam diagnóstico prévio de hipertensão arterial e diabetes mellitus.
Realizou-se busca ativa de idosos sem diagnóstico de DM e HAS e que não estão vinculados a nenhum programa criado na UBS Campo da Mangueira. O levantamento se deu com ajuda dos agentes de saúde de cada microárea e com auxílio das Fichas A do Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB). Os pacientes que atenderam aos critérios de inclusão já mencionados receberam convites impressos informando sobre a atividade de intervenção. A Secretaria Municipal de Saúde forneceu o transporte dos idosos da UBS até o local da intervenção e as refeições do dia da ação.
A intervenção ocorreu no Centro de Convivência de Idosos (CCI) do Município de Macaíba, no dia 21 de junho de 2012, a partir das oito horas da manhã. Foi realizada uma triagem clínica para avaliar os níveis pressóricos, a taxa de glicemia capilar e a verificação de medidas antropométricas, seguida por atendimento médico conduzido por Dr. Francisco Américo Micussi e Dr. Jailton Barbosa e três doutorandos de Medicina: Daniel Azevedo Cavalcante, Ilana Marques Nogueira, Raíssa Carla Evangelista do Carmo. Tal atendimento foi guiado por uma ficha de avaliação a qual permite direcionar a avaliação das morbidades mais prevalentes dessa faixa etária, como, por exemplo, depressão e déficit de cognição, podendo ser aplicados, se necessário, a Escala de Depressão Geriátrica e o Mini exame do Estado Mental.
Durante a intervenção também ocorreu distribuição e preenchimento da Caderneta de Saúde da Pessoa Idosa.
Houve participação de profissionais do Núcleo de Assistência a Saúde da Família (NASF) – Assistente Social, Educador Físico, Nutricionista e Psicólogo – com a realização de rodas de conversa motivacionais, educacionais, sobre alimentação na terceira idade e de esclarecimento acerca dos direitos dessa população. Dessa forma buscou-se introduzir hábitos alimentares mais saudáveis e reestabelecer a confiança desses pacientes, que muitas vezes perdem a motivação após atingir os 60 anos.
Portanto, o público-alvo foi assistido por uma equipe multiprofissional, abordando os principais temas para que tenham uma melhor qualidade de vida. Foram realizadas ainda, atividades recreativas durante todo o dia, tornando o momento mais agradável, através de jogos interativos, um bingo, alongamentos, dinâmicas em grupo e encerrando com uma quadrilha junina.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Participaram da intervenção 35 idosos, que apresentaram uma idade média de 73,9 anos. Destes, 29,4% apresentaram uma pressão arterial (PA) maior que 130×80, sendo o valor médio total de 127 x 82 mmHg.
23,5% dos idosos apresentaram HGT>200 e média total de 186. Foi considerado o HGT pós-prandial, com valor de referência de 200, uma vez que todos os pacientes haviam se alimentado na hora anterior à medida.
Chama a atenção aqui essas altas prevalências de PA e HGT elevados na ocasião da intervenção, uma vez que, em conformidade com os critérios de inclusão, os pacientes não faziam parte de nenhum programa de atenção em saúde da unidade, como o HIPERDIA, por exemplo. Dessa forma, são pacientes que não possuem diagnóstico prévio de hipertensão e diabetes. Tal achado serviu de alerta para a equipe médica, a qual solicitou os devidos exames para proceder com o diagnóstico.
Com relação ao IMC, 35% dos idosos apresentaram valores maiores que 24,9, conferindo sobrepeso, sendo a média total de 23,5, em conformidade com dados encontrados na literatura.
No que diz respeito à conduta realizada, foram solicitadas mamografias, densitometrias ósseas, USG abdominal e exames laboratoriais de rotina; realizadas vacinações contra influenza e tétano; e encaminhamentos para as seguintes especialidades: oftalmologia, otorrinolaringologia, reumatologia, neurologia, urologia, cirurgia vascular, ginecologia e psiquiatria.
Além dos resultados clínicos assim apresentados, houve também resultados inestimáveis, consequência de uma intervenção humanescente.
A Estratégia da Saúde da Família (ESF) visa o estabelecimento de vínculo entre a equipe de saúde e a comunidade. Muitas dificuldades são enfrentadas para se colocar em prática os princípios que regem a criação dessa estratégia. Dentre elas destacam-se equipes defasadas, grande demanda de pacientes e uma mudança na realidade de saúde nacional em que cabe às equipes de saúde a responsabilidade não só de tratar doenças, mas também de assistir o paciente.
O Brasil ainda não tem estrutura para atender a demanda no que diz respeito a pacientes doentes. O acesso ainda é um obstáculo. Então a parcela da população que necessita de um atendimento voltado à promoção da saúde e prevenção de agravos fica bastante comprometida. Nessa parcela, incluímos os pacientes idosos que não apresentam morbidades, e que devido às peculiaridades da senescência exigem um atendimento mais global e minucioso. Dessa maneira, muitos ficam a mercê do sistema de saúde, muitas vezes desassistidos, mesmo que pertencente à área adscrita.
Assim, através de um atendimento e uma vivência humanescente, o projeto Tocando em Frente, permitiu muito mais que um estreitamento de vínculo, uma vez que alguns pacientes nunca haviam recebido um atendimento médico na unidade de saúde de Campo da Mangueira.
Além disso, diante da ausência de atividades voltadas a esse grupo, encontramos em muitos um discurso de entrega à “velhice”, como se a vida estivesse apenas “aguardando o soprar do vento para apagar a chama da vela”. Dessa forma, procuramos estimular nesses idosos a vontade de viver. Através de vídeos de motivação, acolhimento humanizado, escuta de depoimentos e roda de conversa psicólogo alcançamos resultados além do esperado. A motivação, a alegria e a descoberta de uma nova largada ficaram evidentes nas feições agora alegres, nos depoimentos de agradecimento, na participação das atividades desenvolvidas.
Outro princípio da ESF é tornar o paciente corresponsável na resolução dos seus problemas de saúde. Por isso, é mais do que necessário um esclarecimento sobre a questão nutricional. Os resultados infelizmente não são mensuráveis a curto prazo. Apesar disso, ficou evidente a importância desse momento, pois muitos esclareceram suas dúvidas, além de compartilharem de experiências e apreenderem receitas que permitem colocar em prática as recomendações da nutricionista, sem onerar no orçamento.
CONCLUSÃO
Esperamos, assim, que, por meio desse acolhimento humanescente, possamos com o tempo colher os frutos das sementes que foram plantadas nessa intervenção, almejando, sobretudo fazer esses idosos compreenderem o potencial que eles detém de construírem sua própria saúde.
“Penso que cumprir a vida seja simplesmente compreender a marcha e ir tocando em frente!” (Almir Sater)
AGRADECIMENTOS
Para a realização do projeto “Tocando em Frente”, agradecemos a colaboração de toda a equipe da UBS de Campo da Mangueira, dos profissionais do NASF e da Secretaria Municipal de Saúde de Macaíba. Pelo apoio intelectual, agradecemos a toda à equipe docente do Estágio em Saúde da Família.
E, de forma primordial, agradecemos aos pacientes envolvidos no projeto, pois, sem a participação deles, a atividade de intervenção não seria possível.
Por Katia Brandão Cavalcanti
Parabéns ao grupo pelo belíssimo trabalho humanescente!
Grande abraço,
Katia