Radiografia do SUS
Leia abaixo a série de matérias publicadas neste domingo (21) pelo jornal carioca Extra sobre os avanços e desafios do SUS em seus 20 anos. Leia também entrevista concedida pelo ministro José Gomes Temporão ao mesmo jornal postada por Mariella Oliveira.
Ataque e defesa
A radiografia que na edição de hoje o EXTRA faz da saúde pública no país não deixa qualquer dúvida: o brasileiro gasta mais com planos privados do que os governos aplicam em investimentos no setor. Décadas de descaso e absoluto caos em unidades públicas fizeram com que 20% da população contratasse os serviços de planos particulares. O conjunto de problemas é tão grave que por pouco não consegue eclipsar os avanços alcançados nos últimos 20 anos pelo Sistema único de Saúde (SUS) – cuja excelência de vários serviços, especialmente o de transplantes, é inegável. A distribuição de medicamentos teve um salto extraordinário. O próprio SUS, porém, não conseguiu conquistar a confiança de milhões de brasileiros, escaldados pela ineficiência em inúmeros serviços. No setor de saúde está uma contradição tipicamente brasileira – o país que erradicou a poliomielite ainda sofre com a febre amarela. Apesar de tudo, há bons prognósticos. Mas, para que eles se confirmem, será preciso maior compromisso e inteligência do poder público na aplicação de recursos.
Radiografia de um sistema que ainda tem muito a
avançar
Em duas décadas, modelo de assistência médico-hospitalar
brasileiro coleciona insucessos, conquistas. Para um país ainda
jovem, em que a população depende de amparo do governo,
o prognóstico é positivo
Há 20 anos, a saúde no Brasil tornou-se um direito universal de uma população, que até então somente conseguia obter assistência médico-hospitalar se vinculada a um instituto de Previdência. Em 5 de outubro de 1998, promulgou-se uma nova Constituição Federal, com o mérito de expandir o acesso de todos os cidadãos à rede pública.
Se antes eram 30 milhões de privilegiados com cobertura garantida por estarem vinculados ao Instituto Nacional Assistência Médica Previdência Social (Inamps), hoje há 190 milhões de brasileiros legalmente amparados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Na prática, porém, esse direito ainda se equipara a uma prescrição médica que não sai do papel, porque o paciente não tem dinheiro para entrar em uma farmácia.
A radiografia da saúde nacional revela uma nação que erradicou a poliomielite (parasilia infantil) – o último caso da doença foi registrado em 1989 -, mas que ainda sofre os efeitos da febre amarela, que leva crianças, jovens e adultos à morte. Se de um lado o país foi reconhecido por ter a maior rede debancos de leite humano do mundo – atestado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) -, de outro há um país que gasta pouco com cada cidadão que precisa de assistência (US$ 270 ou R$ 513). Em 1989, era ainda pior: US$ 40 (ou R$ 76).
Segundo dados do instituto de pesquisas internacional World Health Statistics, o Brasil hoje investe em saúde apenas 7,9% do PIB (soma de todas as suas riquezas). A Espanha, por exemplo, aplica 8,2%. A Alemanha, 10,7%.
Quando se compara o que os governos gastam com saúde versus o investimento privado, no Brasil a distorção é ainda maior. Aqui, o governo arca com apenas 44,1% do total de despesas. Na Espanha, o setor público é responsável por 71, 4% dos custos. Na Alemanha, o investimento governamental é de 76,9%.
As mazelas do sistema também prejudicam a saúde do bolso dos médicos. Sem equipamentos adequados e com sobrecarga de trabalho, a categoria ainda sofre com baixos salários: 56,9% dos profissionais em atividade recebem, no máximo, R$ 5.700 de remuneração mensal, segundo dados do Conselho Federal de Medicina (CFM).
Avanços
Há, no entanto, avanços a contabilizar ao longo do percurso. Desde 1996, o tratamento de Aids é garantido gratuitamente no SUS, a qualquer cidadão com HIV que viva no Brasil. Se há 12 anos havia 35.900 pacientes infectados recebendo medicamentos, no fim de 2008 já serão 185 mil em tratamento pelo SUS. E fazem sucesso entre os idosos brasileiros as campanhas de vacinação em massa.
No caso das crianças, o SUS incorporou ao calendário, em março de 2006, as doses contra o rotavírus – que causa diarréia e vômitos, principalmente em menores de 2 anos. Isso sem contar o combate à mortalidade infantil, que ainda mata 21,2 por mil nascidos vivos.
Duelo de titãs
O Brasil também tornou-se exemplo nos anos 90, ao instituir os medicamentos genéricos, hoje até 85% mais baratos. Uma conquista para o bolso do consumidor e uma dose certeira no combate ao poder de fogo dos grandes laboratórios, que não queriam ver suas patentes quebradas.
Já são 2.260 remédios já registrados. E os laboratórios públicos brasileiros já produzem 7,8 bilhões de unidades de medicamentos (quatro vezes mais do que em 1997) .
Graças ao Programa Saúde da Família (PSF), 90 milhões já têm atendimento básico. Em 1994, havia apenas 1 milhão. Um bom prognóstico para um país ainda jovem, com promessa de
vida longa.
De um lado, carência de tudo
Preocupada com a filha Vitória, de 7 anos, que não se alimenta direito, a doméstica Silvana da Silva, de 37, moradora da Reta João 23, em Santa Cruz, levou-a no início de julho ao Posto de Saúde (PS) Ernâni Braga. A menina fez exames de sangue e fezes. Quinta-feira passada, mais de dois meses depois, elas tentavam
pela quarta vez obter o resultado.
– Da última vez, disseram que devíamos voltar outro dia, porque o caso dela não era urgente – conta Silvana, retrato de um SUS que não funciona como planejado.
Na ponta da saúde básica, o caso de Silvana e Vitória não é único. No mesmo posto de saúde, em Liberdade, a dona-de-casa Cristina Silva, de 36 anos, ainda tenta, no quinto mês de gestação, fazer a primeira consulta do pré-natal. Ela suspeitava há tempos da gravidez, mas a unidade estava sem ginecologista.
– Vim aqui duas vezes, e as enfermeiras fizeram testes de urina, que deram negativo. Então, fui à Policlínica Lincoln (no centro de Santa Cmz) fazer ultra-sonografia — conta.
Sem médico
Já no PS 7 de Abril, em Paciência, a doméstica Iria Aquino Braga, de 42 anos, com pressão alta, e a dona-de-casa Vanessa Cristina Oliveira, de 28, com bronquite, misturavam revolta e desolação. Moradoras de Gouvêa, onde há um posto do Programa Saúde da Família (PSF), elas não puderam ser atendidas perto de casa porque lá não havia médicos na quinta-feira.
– Na Zona Oeste, o SUS não funciona como preconizado. Faltam médicos e serviços. Mamografia, só em outras regiões. Como a pessoa que não pode comprar nem remédio vai pagar passagem para fazer o exame longe daqui? – questiona a presidente do Conselho Distrital de Saúde, Marli Marinho.
A Secretaria municipal de Saúde reconhece que há dificuldades de lotação de profissionais na Zona Oeste, e diz que o credenciamento de unidades para prestar serviços segue critérios de qualidade, e não localização geográfica.
Do outro, medicina de primeiro mundo
Com três pontes de safena implantadas em 1998 e arritmia cardíaca que de tempos em tempos a levavam à UTI, a dona-de-casa Neusa Gregório da Cunha, de 66 anos, encontrou a cura na medicina de ponta. Foi submetida no Instituto Nacional de Cardiologia (INC), em Laranjeiras, a uma ablação, cirurgia em que um cateter é introduzido na artéria pela coxa e vai ao coração, cauterizá-lo.
Por mais contraditório que pareça, a operação de primeiro mundo à qual Neusa foi submetida em julho é financiada pelo mesmo SUS que deixou Cristina cinco meses sem pré-natal. Com orçamento anual de R$ 65 milhões do Sistema Único de Saúde, o INC realiza procedimentos de nível internacional.
– Oferecemos o quetem de melhor em tratamento cardíaco. Nossa carência, hoje, é de espaço para absorver toda essa nova tecnologia — diz o diretor-geral do INC, Hans Fernando Dohmann.
A unidade faz ainda transplantes cardíacos, pesquisa com células-tronco adultas e fibrilação atrial, cirurgia única na América Latina para tratar arritmia. E, numa prova de que o modelo SUS pode funcionar, um convênio com o estado leva ao INC os pacientes com enfarte atendidos nas UPAs 24 horas.Aparceria baixou a taxa de mortalidade nesses casos em 50%.
O in-SUS-tentável peso da saúde no bolso do brasileiro
Em duas décadas da revolução no sistema público, cidadão gasta mais com planos privados do que país investe no setor
Criado há 20 anos com o objetivo de universalizar saúde pública no país, o Sistema Único de Saúde (SUS) cumpriu apenas parcialmente sua missão: se hoje tem as portas abertas aos 190 milhões de brasileiros, nem sempre consegue atender à demanda ou atrair boa parte da população a suas dependências. Apesar dos avanços incontestáveis, prestando serviços de excelência e alta complexidade, como no caso de transplantes, o SUS ainda apresenta falhas terríveis, que levam 39,9 milhões de pessoas (21% da população) a contratar planos de saúde. Em 1988, esses planos contavam com apenas 23 milhões de clientes — ou seja, o setor cresceu 73,47%.
A julgar pelos investimentos públicos e privados, o percentual tende a aumentar. Enquanto as operadoras desaúde privadas arrecadam R$ 47 bilhões anuais para assistir apenas um em cada cinco brasileiros, o SUS contou com um orçamento para 2008 de apenas R$ 40 bilhões, para tratar da população inteira.
As cifras pesam mais no bolso do consumidor, considerando-se a renda média mensal no país, que foi de R$ 956 em 2007, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Enquanto o SUS investe anualmente US$ 270 (R$ 518) para cuidar de cada brasileiro, para ter acesso à rede credenciada das operadoras o cidadão desembolsa de R$ 548 a R$ 1.096 – 5% a10% do salário, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Nos últimos dois anos, foram assinados cerca de 2 milhões de clientes. Para o presidente da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abrange), Arlindo de Almeida, o número poderia ser ainda maior.
– A decadência do SUS leva os consumidores a procurarem os planos de saúde, mas não podemos baratear os contratos, porque as coberturas obrigatórias são amplas e os custos, elevados – diz.
O securitário Francisco Sérgio Oliveira, 53 anos, 20 como cliente do mesmo plano, paga uma mensalidade de R$ 1.453. Embora reclame de problemas, como o descredenciamento de médicos, não abre mão da cobertura.
– O SUS tem médicos excelentes, mas não é confiável.
Número de medicamentos distribuídos cresceu 900%
Em1988, lista do SUS continha apenas 40 remédios. Hoje, são
400
O acesso gratuito a medicamentos aumentou 900% durante os 20 anos de existência do Sistema Único de Saúde (SUS). Em 1988, existiam 40 medicamentos para atenção básica (ambulatorial). Atualmente, são distribuídos 400 remédios: para atenção básica (como aspirina); estratégicos (como para o combate à tuberculose); e excepcionais (como para hepatite C).
Apesar da maior variedade de medicamentos, ainda existem problemas de abastecimento. Criados em 1999, os genéricos, que já somam mais de oito mil apresentações, proporcionam uma economia de até 82%, em relação aos remédios convencionais, segundo levantamento da Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos (Pró Genéricos) .
O diretor da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Antônio Ivo de Carvalho, afirma que a produção de genéricos e a existência de farmácias populares ajudou a democratizar o acesso a medicamentos, o desafio agora é o abastecimento.
– A relação hoje é bem completa, o problema é que ela não está disponível o tempo todo. Existem gargalos de abastecimento.
Hoje, são 2. 260 genéricos registrados na vigilância e, em 1990,
não tinha nenhum – afirmou.
A despachante Arlene Gomes de Oliveira, de 65 anos, economizou R$ 36 comprando genéricos na Farmácia Popular do Brasil.
– Os descontos aqui são muito bons – disse.
Por Cláudia Matthes
um SUS que coloca em questão tantos instituídos não poderia passar sem críticas.
É como funcionário público que realmente trabalha. Quando falta chama atenção.
Trabalho num SUS que dá certo!
Cláudia – Pejuçara,RS