No limiar do imponderável – desafios para a PNH
No dia 16 de abril, a bolsista e monitora no apoio pedagógico do curso de Especialização da PNH de 2007, na região Sul, Vânia Roseli Correa de Mello, defendeu seu projeto de dissertação no Instituto de Psicologia Social e Institucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Fizeram parte da banca os consultores da PNH: Eduardo Mendes, Simone Paulon e Maria Elizabeth Barros de Barros. Como não pude estar presente no momento da qualificação de seu projeto, enviei um parecer, que gostaria de compartilhar com o Coletivo da PNH que, assim, poderá conhecer um pouquinho do trabalho da Vânia.
Parecer:
Primeiramente, gostaria de destacar minha alegria em participar de sua banca. Alegria pela oportunidade de compartilhar com você esse momento tão importante para todos nós que temos construído a PNH. Alegria por estar com amigos-parceiros-aliados, como a Rosane, a Simone e o Edu. Alegria pelo tema que escolheu para seu trabalho, pois, falar da PNH é falar de um processo vivido-construido com muita garra, vontade e força de afirmar políticas públicas de saúde num momento em que uma onda de privatizações nos invade. Afirmar políticas públicas perseguindo a construção de um comum em tempos de “sociedade mundial de controle”, em tempos de uma forma de organização social caracterizada pelas novas redes de controle, novas formas de racismo, novas concepções de identidade (HARDT e NEGRI, 2000), é um grande desafio. Vivemos no contemporâneo a coexistência de formas de captura que buscam produzir padronização e serialização dos modos de existir e modos de fazer que (re)sistem, inventam vida cuja potência de perseverar precisa ser atiçada constantemente (Teixeira, 2007). Atiçar a potência inventiva da vida é o que temos perseguido na PNH. Seu projeto é, portanto, uma maravilhosa aventura para poder compartilhar os efeitos do que estamos fazendo no HumanizaSus e nos traz a medida desses modos de fazer política pública que temos afirmado.
É nessa direção que quero contribuir para a produção de sua dissertação. Como fortalecer, com seu trabalho, a construção desse projeto coletivo que é a PNH? Na nossa caminhada fizemos algumas escolhas e, dentre elas, destaco a construção de outras novas possibilidades de vida, de uma relação inventiva e prazerosa com o trabalho no campo da saúde, afirmando processo de trabalho, na direção apontada por Marx, como categoria privilegiada para colocar em debate o que estamos fazendo nos diferentes lugares onde nos inserimos, o que só se efetiva se partimos do intercâmbio com todos aqueles que habitam-trabalham nesses espaços; não podemos conhecer o que se passa nos estabelecimentos de saúde se não nos jogamos nesse processo de trabalho sempre enigmático, inesperado e que se expressa nas situações mais restritivas e difíceis nas unidades de saúde.
A PNH, como política pública, visa a expressar os princípios do SUS em modos de operar nesses diferentes equipamentos de saúde, propondo articulação das práticas que se atualizam nesses estabelecimentos, propiciando, em/nas equipes, trocas solidárias e comprometidas com a dupla tarefa de produção de saúde e produção de sujeitos. Então, a PNH propõe uma transversalização nas/das inúmeras instâncias do SUS, reafirmando e ampliando o exercício da descentralização e da autonomia da rede de serviços, de forma a integrar os processos de trabalho e as relações entre os diferentes profissionais (BRASIL, 2006a).
Nessa direção, o HumanizaSus se constrói a partir de princípios, tais como a ampliação da autonomia e protagonismo dos sujeitos e coletivos que constituem o SUS e a co-responsabilidade nos processos de atenção e gestão. Nossas diretrizes afirmam que no processo de trabalho em saúde os estabelecimentos são espaços de valorização do potencial inventivo dos sujeitos que aí trabalham. Os humanos criam formas de agir, de se relacionar e de criar regras específicas de divisão do trabalho, criação que implica experimentação constante, evitando-se repetir de forma mecânica as tarefas cotidianas, o que seria ‘invivível’, como nos diz Schwartz (2003). Buscamos, então, afirmar-atiçar essa potência inventiva que é o viver!
Você Vânia, bolsista do curso de Especialização da PNH nesta 1a edição de 2007 e monitora junto com a equipe de coordenação no apoio pedagógico do referido curso, é um dos efeitos desse processo, é mais um ponto dessa rede quente que temos construído. Rede quente, marcada por um funcionamento gerador de efeitos de diferenciação. Rede heterogenética, diferenciante, que temos experimentado no modo de fazer da PNH, “uma experiência do coletivo, do público tomado como plano de produção de novas formas de existência que resistem às formas de equalização ou de serialização próprias do capitalismo” (Benevides e Passos, 2004).
No seu trabalho, intitulado PRÁTICAS DE CUIDADO
Trata-se de uma pesquisa que utilizará como estratégia metodológica, a realização de entrevista individual semi-estruturada com alunos concluintes do referido curso, trabalhadores da rede do Sistema Único de Saúde do estado do RS e que trabalharam com o dispositivo acolhimento em seus planos de intervenção.
Busca “identificar, por meio da análise de indicadores qualitativos, as noções de cuidado e acolhimento, presentes tanto no início quanto ao término do curso, e os efeitos evidenciados nas práticas de trabalho dos participantes a partir do processo de formação experimentado”.
Faz uma interlocução com o conceito de cuidado formulado por pesquisadores do LAPPIS/IMS/UERJ e o conceito de acolhimento da PNH. Você não se furta em trazer para a cena diferentes olhares, concepções teóricas e posições políticas no campo da saúde coletiva. Esse, a meu ver, é um grande mérito de seu trabalho, pois apresenta autoresSPAN lang=PT style=”mso-ansi-language: PT” importantes que representam diferentes grupos da Saúde Coletiva. Você, como nos indica Guattari, busca os ‘SPAN lang=PT style=”mso-ansi-language: PT”mil grupelhos em cada grupo’ ao fazer esse diálogo com conceitos forjados no âmbito da PNH e em outros diferentes contextos políticos da Saúde Coletiva. Afirma uma prática que é pública exatamente por que se abre para a diferença, não tem medo de diferir.
SSPAN lang=PT style=”mso-ansi-language: PT”ua dissertação nos coloca uma quetão importante, portanto: o desafio de construir caixas de ferramentas conceituais-metodológicas para nossas práticas em saúde convocando concepções diferentes no campo da Saúde Coletiva. Como fazer intercessões com abordagens que muitas vezes são consideradas antagônicas? Como afirmar um ‘agonismo’, uma relação ao mesmo tempo de incitação recíproca e de luta? Seguindo Foucault (1995) diria que estamos menos numa oposição de termos que se bloqueiam, do que num processo de provocação permanetne. Digo isto pela importância da construção de uma política que acreditamos pública e, portanto, não pode acolher posturas marcadas pelo privado da saúde coletiva. Lembrando a Regina, diria: “Mas, afinal, se falamos em humanização, como este humano-imperfeito-humano estamos sempre mesmo no limiar do imponderável”.
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Por Cláudia Matthes
para um pequeno município do sul do Brasil, numa manhã chuvosa de sábado.
Bete teu comentário é um presente para os ouvidos tão desafinados pelas agruras do dia-a-dia.
Me remete a repensar, questionar …me põe para andar.
Lágrimas cheias de vontade de continuar a andar!
Essa rede aquece e “me faz sentir vida”.
Com muito carinho um abraço ´
Cláudia