Antitabagismo ou Antitabagista?

14 votos

Essa questão me veio a mente durante a aplicação de uma dinâmica de grupo em sala de aula. Para discutir o conceito de "estereótipo" utilizo de um exercício chamado de "Viajando de Navio". Proponho que os alunos pensem na viagem de seus sonhos e imaginem que guardaram algum dinheiro durante anos para realiza-la. Depois que compraram a passagem, descobrem que na verdade terão que abrir mão da cabine privativa por outra onde apenas o espaço de dormir é reservado, o que implica na convivência com outras pessoas num espaço comum. E não adianta reclamar pois está tudo ali no contrato, naquelas letrinhas miudas que quase ninguém lê. Para piorar, todas essas pessoas são estranhas.

A secretária da companhia de turismo se compadece da situação e apresenta um album com fotos de algumas pessoas que estarão viajando (12 fotos no total). Assim, em 5 minutos, os alunos tinham que escolher 4 pessoas com quem viajariam e quatro pessoas com quem não viajariam sob hipótese alguma. Todos são estimulados a dizer porque esolhem essa e não aquela pessoa. O interessante do exercício é que podemos ver o estereótipo em ação, o quanto as pessoas se sentem a vontade para produzir julgamentos de valor apenas com base no aspecto físico, na "beleza" ou na "feiura", no que as pessoas estão vestindo, o quanto elas estão prontas a elogiar e/ou riduclarizar as imagens, os aspectos físicos, características étnicas etc. Faço esse exercício ha muito tempo e, a depender do grupo (mais jovens ou menos jovens, perfil profissional etc) mudo um pouco as fotos (a maioria delas obtida na internet pelo Google imagens).

 

Bom, chamou-me atenção algo que é recorrentes em TODOS os grupos. A quase totalidade das pessoas não levam o cidadão da foto abaixo:

 

Para aqueles que já passaram dos 40 anos e tem interesse por literatura fica fácil identificar a imagem de Albert Camus. A esmagadora maioria dos nossos jovens alunos não estão sintonizados com sua obra (o que não é supreendente). Mas a principal questão não é essa. O fato é que não escolherm essa pessoa para viajar porque ela é fumante. E as justificativas são inúmeras: "os fumantes são mal educados", os fumantes não respeitam o espaço dos outros", "os fumantes são chatos", "os fumantes podem me matar", "os fumantes mesmo que fumem em outro local fedem como um cinzeiro" e por ai vai.

 

Fácil constatar que todos na sala não são fumantes o que é um ponto importante para as campanhas antitabagismo. O problema é que, talvez, ao estigmatizar o uso do cigarro, essas campanhas também estejam produzindo a estigmatização do usuário de tabaco.Ao estereotipar o fumante pelos malefícios pessoais e coletivos que ele estaria causando, afirma-se um mal inerente ao ato de fumar e, por decorrência, esse mal é estendido a pessoa que fuma. 

 

Em parte as leis antifumo já fazem isso ao delimitar espaços cada vez mais exíguos para que os fumantes possam continuar tragando o seu cigarrinho. Nada mais justo pois as pesquisas científicas já sinalizaram para os efeitos deletérios que o cigarro causa no fumante passivo. Mas, além da fumaça, fica uma pergunta no ar. Será que as atuais campanhas já não chegaram no seu limite? Como encontrar uma fórmula que permita expressar as desvantagens de se fumar e, ao mesmo tempo, incentivar as pessoas a respeitarem como seres humanos aqueles que querem continuar fumando ou simplesmente não conseguem abandonar o uso do tabaco? Como seduzir com mensagens otimistas sobre as vantagens de não se fumar e não mais apenas com o circo de horrores sobre os malefícios?

 

Quando se conversa informalmente com trabalhadores das emergências nota-se a dificuldade que muitos tem de atender usuários de álcool. Aguns retornam tanto aos serviços que vão adquirindo apelidos pejorativos,  e chegam em tal estado que os trabalhadores disputam na sorte para decidir quem vai atende-los. Em parte essa repulsa é alimentada pela percepção do uso do álcool como um problema moral, falta de força de vontade, caráter inferior etc. E eis um grande paradoxo: trabalhadores de saúde não conseguem perceber no uso abusivo de álcool um problema de saúde. Creio que o mesmo esteja acontecendo com o uso do tabaco.

 

Ao vermos as atrocidades e tragédias mostradas nas embalagens de cigarro, fica a impressão de que o usuário é o causador direto daquilo tudo e nos esquecemos que as indústrias de tabaco e o próprio governo acabam lucrando com tudo isso. E eis ai outro paradoxo. Parte do que se arrecada com o cigarro volta para ser usado no tratamento de câncer na rede pública. Já ouvi algumas vezes trabalhadores de saúde tomarem posse de um raciocínio puritano responsabilizando diretamente aquele que está morrendo de câncer de pulmão pelo próprio sofrimento, afinal, ele não queria fumar?

 

É chegada a hora de se rever algumas estratégias de educação em saúde. Na verdade, as propagandas não podem apenas usar de técnicas de terrorismo psicológico mas devem tocar o dedo na ferida. O cigarro vende, dá lucro, origina a cobrança de impostos, garante o emprego de publictários, patrocina ações culturais, corridas de aumóvel e coisas mais que a gente nem imagina. Temos que combater a sua visibildiade. Temos que oferecer aparatos resolutivos para que as pessoas possam parar de fumar. Criar guetos para fumantes, construir muros que os separem de nós, só irá alimentar mitos e ódios mal direcionados. Talvez possamos lidar melhor com o problema se pensarmos para quem interessa que as pessoas continuem fumando. Desfocando os olhos dos indivíduos talvez possamos perceber algumas logomarcas famosas, muitas delas entrando em nossas casas de maneira "inofensiva", com a nossa permissão.

 ERASMO RUIZ