…revelou-se virulenta, contra a reforma psiquiátrica brasileira, na coluna deste domingo de páscoa da "Falha" de São Paulo. Ao resumir-se a um pai de filhos esquizofrênicos, Ferreira Gullar, tem todo o direito de falar de sua dor e publicizar seu desencanto com os limites das possibilidades de alívio que seu sofrimento possa ter encontrado. Ao "traduzir-se", entretanto, em sujeito amargurado, cidadão desinformado sobre os avanços que a política de saúde mental do país fez alcançar a milhares de outras famílias com dores equivalentes e condições diferentes de tratá-las, o poeta fere brutalmente um dos mais importantes movimentos de luta na saúde de nosso país, desrespeita profissionais, pacientes, gestores e teóricos da saúde mental que muito têm se esforçado para mostrar por que reclusão não é tratamento e, pior, se utiliza do poder de homem público – com acesso a canais importantes de divulgação – para generalizar sua ignorância e dessorar seu ressentimento. Ainda bem que os afetos alegres que sempre sustentaram a luta anti-manicomial falaram mais forte e geraram, em meio à avalanche de respostas circulantes à infeliz opinião, inspirações como a de Rita de Cássia de A. Almeida, trabalhadora de CAPS de Juiz de Fora/MG, que evoca o poema Traduzir-se de Gullar para dizer: “Outra parte de você também ficaria encantado em saber que esta lei construiu muito mais coisas do que desconstruiu, desconstruiu os manicômios, mas construiu um sem número de outras possibilidades, dispositivos, formas de tratamento, além de muita arte, música e poesia…Creio sinceramente que quem escreveu este artigo é a parte de você que ainda não conheceu a outra parte da história…então venha conhecê-la, tenho certeza de que nenhuma parte de você irá se arrepender”.
A carta na íntegra de Rita e outras inúmeras cartas,mensagens – de apoio e estupefação – que sucederam a publicação da FSP (inclusive a mesma) encontram-se num dossiê de manifestações que anexo a este post.
10 Comentários
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Afinal com tua batalha junto ao CAPS de tantos anos podes falar de cadeira sobre o quanto a clínica da reforma psiquiátrica tem muito a se ampliar para dar conta dos dramas de tantas famílias!. bj companheira minuana!
Simone e companheiros!
não só sei do que estamos falando…
pelo meu trabalho e atuação há 6 anos no CAPS II Passo Fundo!
Como também fiz estágio formativo na Itália – Florença, em 2003 onde percorri diversos serviços de saúde mental e pude constatar a efetivação da substituição de hospitais psiquiátricos por serviços de base territorial e atenção integral à saúde. Presenciei experiências bem sucedidas de retomada de vida das intituições totais.
Esta discussão que o poeta faz me deixa muito triste, mas me impulsiona a rebater com oferta de praticas concretas e implicadas com atenção aos sujeitos!
um abraço, Carol – Terapeuta Ocupacional
UP Minuano
Por Elias J. Silva
"…Não esteja iminente e inevitável o momento do encontro com uma história mais humana", onde o doente mental seja tratado como gente…Não há poeta nem poesia que comporte a dor, os gemidos e os lamentos que saem do subterrâneo dos hospitais psiquiatricos em séculos de torturas prescritas por alguns "loucos" normais com poder de ordenar camisa de força bruta e quimica. Aqui em Fortaleza, um poeta que faz parte de muitos momentos da história da cidade perambula pelas ruas centrais. Ele que foi torturado através de altas dosagens "medicamentosas" sofreu danos irreparáveis em sua saúde física e mental…trata-se de uma personalidade que vive vagando pelas ruas, com seus livros debaixo do braço, um paletó sujo e surrado e um olhar altivo, apesar da condição de abandono. O poeta Mário Gomes não tem Ferreira nem Gullar no nome, mas tem a veia poética como sua principal bandeira…Ele é uma das milhares de vítimas do modelo psiquiátrico que varou séculos…
Elias J. Silva
Simone,
fundamental divulgar e abrir para debate, aqui na rede, esse tema tão delicado. Envio para cá a resposta que o Geraldo Peixoto, um familiar, produziu em diálogo (!!!) com a matéria publicada na Falha de São Paulo. Conheci o Geraldo quando seu filho freqüentava o CAPS Prof. Luis da Rocha Cerqueira, local onde trabalhei durante muitos anos e ele certamente é um batalhador do campo.
um abç
cristina lopergolo
ESCUTA, FERREIRA GULLAR!
Que é isso FG? A quem você está servindo FG? Será que você, FG, está falando a verdade? Acho que não! Qual o porquê dessa raiva? Será que você terá coragem para refazer tudo o que escreveu? E, inclusive, FG, você está completamente desinformado:
1. Não foi em Bolonha, mas, em Trieste;
2. Foi Franco Basaglia, o psiquiatra italiano, a quem você, FG, se refere;
3. Será que não estão cochichando no seu ouvido, FG?
4. A Lei 10216, foi uma conquista nossa, em especial, dos familiares, dos usuários e dos técnicos. Tive um filho internado, faz mais de vinte anos e vi o que é um hospital psiquiátrico por dentro. Sei do que estou falando e, se falo é por experiência própria. Aqueles lugares eram muito, muito ruins. O que meu filho e eu presenciamos, era dramático: portões, portas, grades, cadeados, violência do atendente despreparado, falta de higiene e de privacidade (privadas sem portas), excesso de medicação (impregnação), camisa de força química e física, cárcere privado, até mesmo, pasmem, de crianças com menos de dez anos. Isso tudo, caríssimo poeta, eu vi! Isso tudo, não é literatura, é legítimo! Foi testemunhado por mim! Veja bem, senhor FG, não tenho nenhuma pretensão de criticar ao profissional que lá trabalha, desde o psiquiatra, até ao faxineiro. Será que você nunca ouviu falar disso, FG? Graças às nossas denúncias, tudo isso está deixando de existir (mas, ainda existe, FG, infelizmente)
Prezado senhor FG, cresci muito como pessoa, durante todos estes anos, repito, mais de vinte. Aprendi com os usuários, familiares e com profissionais, de cada um deles, um pouco… Consegui livrar meu filho das garras do hospital psiquiátrico. Será que você fez o mesmo? Por acaso você abandonou sua posição de poeta consagrado, para dedicar-se aos seus filhos? Porque eu o fiz! Joguei tudo para o alto, minha posição de executivo, a fim de estar “ao lado” de meu filho, para quaisquer circunstâncias. Sei que a sua posição de poeta consagrado, carrega o peso da fama e, acaba-se deixando tudo o mais, de lado, para sustentar-se essa posição. Mas, como você deve saber, “tudo o que é sólido, se desmancha no ar”. Responda-me, com sinceridade, poeta, o que é mais importante para você, a poesia ou seus filhos? O que você fez, para livrar seus filhos do hospital psiquiátrico? Talvez não haja feito nada, porque você, é poeta. E poeta, escreve poesias, não é FG? Você colocou a poesia acima de seus filhos! Você deve ter feito o que todos fazem. Até eu agi assim um dia, achando que o lugar para se tratar uma doença mental era, exatamente, o hospital psiquiátrico, porém, isso, antes de tomar consciência de que, o hospital psiquiátrico não trata, somente contém. Assim que percebi o que era aquele lugar de não-tratamento, tirei-o de lá, imediatamente. Essa é uma história que, eu poderia contar-lhe, um dia… Jamais aceitei o hospital psiquiátrico, nem o aceito até hoje, passados quase, vinte e cinco anos, senhor FG, por mais moderno que este possa parecer. Meu filho, após eu retirá-lo do hospital, vem sendo tratado com êxito, nos serviços abertos, substitutivos ao hospital psiquiátrico, CAPS-Centros de Atenção Psicossocial, fazendo uso de medicação de última geração, toda ela, fornecida pelo SUS. Esse seu texto é muito ruim, muito amargo, muito radical e raivoso. Até consigo entender, pois, de fato, não é fácil. Não posso afirmar que, em todos estes anos, não tivemos altos-e-baixos, mas afirmo, com total segurança que, em todos os momentos de crise, fomos carinhosamente acolhidos e tratados, com o mais profundo respeito e, por uma equipe multidisciplinar. Estamos pasmos com a distorção que o senhor coloca em seu texto! Você detonou tudo, FG, entretanto, saiba que, essa é uma linda história de milhares de pessoas, dos mais distantes rincões deste imenso país e, de todas as camadas sociais. A saúde mental no Brasil, mundialmente reconhecida, serve de modelo para muitos outros países e, sem dúvida, está mudando para melhor. Caro FG, se me permite lhe dar um conselho, aí vai: Se os seus filhos ainda estiverem internados, mesmo que, em uma clínica particular para “famílias de posses”, mesmo assim, tire-os, imediatamente! Abandone a poesia e trate-os, você mesmo! Perca o medo, FG e conviva com seus filhos! Garanto que irá aprender muito com eles. Sabe qual é a receita FG? É AMOR!
Portanto, senhor FG, sou imensamente agradecido por tudo o que o SUS, acrescido dessa Lei, que o senhor trata por idiota, fizeram por meu filho.
Geraldo Peixoto Geraldo Peixoto · São Vicente (SP) · 14/4/2009 16:27
obrigada, Cristina, pela tocante e impressionante carta que nos envias. Fiquei com muita curiosidadade em saber se estas manifestações estão chegando ao autor que as desencadeou, sabes? Esta resposta do sr. Geraldo PRECISA ser amplamente divulgada , sabes onde saiu? obrigada por teu comentário. abç
Simone,
eu recebi a mensagem do geraldo pela Felícia, da PUC. Das respostas que eu vi no próprio jornal Falha de São Paulo, no painel do leitor, eu não vi a do Geraldo. De todo modo fiz chegar a ele que a sua escrita deveria ter o mesmo destaque que a do poeta, que no segundo "artigo" que escreveu para o mesmo jornal comentou que as pessoas que o apoiam são aquelas que passaram por coisas parecidas. Aí, a vontade de entregar o que o Geraldo escreveu foi maior: já que se é para ter debate, as cartas devem estar na mesa, não é?
Se eu tiver alguma notícia eu te mando.
PS. será que não saiu no Em defesa da Reforma Psiquiátrica?
cristina
Trabalho no CAPS-A, e compartilho com voces a falta de sorte do poeta nesta manifestação, sabemos que não é facil trabalhar a desospitalização, principalmente com pessoas que não são da área ou familiares que se encontran fragilizados com a situção e quando se consegue avanços nos deparamos com este tipo de manifestação, tanto da parte do poeta como de alguns politicos que querem se promover em cima do sofrimento da família tentando nos ameaçar e impondo internações desnecessárias. Em nossa cidade ainda acontece este tipo de interferencia inclusive de um que juntamente com a familia montou uma clinica e gora está dificil de mante-lá sem paciente graças ao trabalho dos CAPS, e dos profissionais que abraçam a causa. Estamos credenciando 12 leitos no hospital geral para desintoxicação, trabalho que não foi fácil mas graças ao nosso secretário de saúde do Estado que nos deu uma ajuda além ds incentivos que este hospital terá do Estado. Já avançamos na história da saúde mental de Erechim e Região, mas sabemos que a batalha não para por aqui, quando lemos algo de tamanha ignorância.
No dia 22/04/09, estamos realizando nosso terceiro Macro Norte e o coral do Caps estará nos prestigiando com suas canções, na universidade Regional Integrada isto é inclusão social sr. poeta.
sônia, pelo lindo trabalho que temos acompnahdo que vcs fazem na região e que sustentam a possildade de gente como o pai peixoto indignar-se tb. com a carta de gullart e atestar uma outra verdade, como ele faz na carta resposta que lemos aqui.
Por patrinutri
Temos feito nesta rede saúde e arte.
Temos alinhavado nas bordas dos textos vivências, utopias, humanização.
Deixar calar esta voz é adoecedor.
Sigamos escrevendo versos ou prosas na certeza de trilharmos caminhos de valorização da vida.
Que seja maior a criação que a criatura!
Vamos nos indignar!
Patrícia S C. Silva
Blumenau SC
Por Carolina Santos da Silva
Nós, profissionais da saúde, devemos reconhecer as dificuldades e limitações da família com um membro doente, considerar as opiniões, dúvidas e atuação, na proposição de suas ações e promover o contexto familiar para desencadear as mudanças e estratégias, propiciando seu encorajamento para lidar com seu familiar doente. Incentivando, sempre, a importância da participação no tratamento. Precisamos contar com os personagens e pessoas públicas para fortalecer esta rede de cuidado ,ainda mais quando estes tem experiências riquíssimas para nos ajudar a problematizar as questões em pauta. Vamos esperar a outra "parte" do poeta se manifestar
para contibuir!
Carolina – UP Minuano / RS