Supremo debate saúde pública
Tribunal consulta especialistas para embasar julgamentos polêmicos envolvendo o SUS
Luiz Orlando Carneiro
BRASÍLIA
O Supremo Tribunal Federal promove, de segunda a quarta-feira da próxima semana, a primeira parte de uma inédita audiência pública sobre o Sistema Único de Saúde (SUS) , convocada pelo presidente da Corte, ministro Gilmar Mendes, em face da "repercussão geral e do interesse público" envolvidos em centenas de ações que lá tramitam, referentes a fornecimento de medicamentos, suplementos alimentares, próteses, vagas nas unidades de tratamento intensivo (UTIs) , realização de cirurgias e tratamentos médicos no exterior. Diante do grande número de requerimentos para participação recebidos, a audiência terá sequência nos dias 4, 6 e 7 de maio. Serão ouvidos 33 especialistas e 13 convidados, entre os quais o ministro da Saúde, José Gomes Temporão; o presidente do Congresso, senador José Sarney: o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza; e o advogado-geral da União, José Antonio Toffoli.
– O direito à saúde é uma seara que envolve múltiplas disciplinas, na qual o juiz é um ser isolado – afirma o ministro Gilmar Mendes. – Precisamos de mais informações sobre a efetividade das políticas públicas, os déficits das ações estatais, os limites do financeiramente possível e os aspectos jurídicos associados ao chamado direito social à saúde. É preciso discutir e identificar essas diversas racionalidades.
Para o presidente do STF, não adianta que juízes, desembargadores ou ministros dos tribunais superiores concedam liminares que não podem ser cumpridas, citando como exemplo o fato deque,muitas vezes, remédios recomendados para determinadas doenças graves estão na lista da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas não na lista do SUS. O ministro explica que a maioria dos recursos que sobem ao STF são pedidos de suspensão de segurança (cassação de liminares em mandados de segurança concedidos pelas instâncias inferiores) relacionados com a obrigatoriedade de fornecimento de medicamentos, tratamento médico especializado no exterior ou vagas em UTIs. E comenta: "O juiz, muitas vezes, concede a liminar para obrigar um hospital a arranjar vaga para alguém que precisa ser internado numa UTI e tem direito líquido e certo, mesmo sabendo que outra pessoa, com o mesmo direito, não poderá ser atendida".
A 1ª Turma do STF está para concluir, por exemplo, o julgamento de um recurso extraordinário da União contra um grupo de pessoas portadoras de uma doença rara, retinose pigmentar, que leva à perda progressiva da visão. O grupo impetrou, na primeira instância, mandado de segurança, a fim de que o Ministério da Saúde fosse compelido a custear uma viagem dos doentes para Cuba, onde existiria tratamento para a enfermidade.
O mandado foi negado pelo juiz do primeiro grau, com base num laudo do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) , segundo o qual não havia tratamento específico e seguro para esse tipo de
retinose, dentro ou fora do Brasil. O grupo apelou ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que lhe deu ganho de causa, por entender que não poderia haver obstáculo ao direito à saúde, enquanto houvesse expectativa de cura. O relator do recurso da União ao STF, ministro Menezes Direito, votou na linha do juiz do primeiro grau: "O direito é conferido se há a possibilidade certificada de que existe a cura, de que existe o tratamento, de que é possível perante os requisitos que o Estado estabeleceu: laudo, parecer, indicação". O ministro Marco Aurélio – que é relator de um caso sobre fornecimento de medicamento de alto custo – está com vista do processo.
Casos como esses serão debatidos na inédita audiência pública, no decorrer dos três primeiros dias da próxima semana. Na segunda-feira, o tema é "O acesso às prestações de saúde no Brasil", com abertura a cargo do presidente do STF, e a participação do presidente do Senado, do ministro da Saúde, do advogado-geral da União, do procurador-geral da República, do Defensor Público-geral da União, dos presidentes da Ordem dos Advogados do Brasil e da Associação dos Magistrados Brasileiros, além do professor Ingo W. Sarlet. Na terça-feira, o assunto é "Responabilidade dos entes da Federação e financiamento do SUS", com as seguintes autoridades: presidentes do Conselho Nacional de Saúde, do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (Conass), da Anvisa, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) , do Conselho Federal de Medicina, da Federação Brasileira da Indústria Farmacêutica e do Instituto de Defesa dos Usuários de Medicamentos (Idum). Na quarta-feira, o debate será em torno da gestão e legislação do SUS e a universalidade do sistema.
(Fonte: Jornal do Brasil, 22/04/2009)