O PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Costumo brincar com meus pares no hospital onde trabalho, dizendo-lhes que sou 'cria do SUS', posto que iniciei minha vida profissional na saúde pública, no ano 1988.
Ano de Constituição. Ano de concepção do SUS.
SUS que traz em seu escopo princípios que englobam um poder público eficiente, políticas públicas eficazes e cidadãos engajados.
SUS que traz em sua essência um 'fazer saúde', acima de tudo, para todos e de forma igualitária; respeitando as diferenças, porém, sem transformá-las em motivo de exclusão.
Aqui na Capital Paulista, onde trabalho a mais de 10 anos e em especial, na região periférica ao Noroeste da cidade onde fica o hospital, enfrentamos; a dificuldade de acesso, os problemas de regionalização do atendimento (rede danada que não quer acolher) e, ultimamente, os flagelos humanos advindos do cenário de violência que se instalou.
Quero, então, aqui deixar gravada minha impressão pessoal e profissional (pois me é difícil separar ambas) quando do atendimento prestado na data de ontem (06/11/2012) à uma cidadã. Data essa que, dificilmente, sairá de minha memória e, certamente, da memória dos profissionais que presenciaram a situação.
No caminho de ida para o hospital ouvia, no rádio de meu carro, as notícias sobre a violência instalada e das muitas vidas que se foram nesse período. Os repórteres falavam de crimes cometidos na região onde o hospital se localiza e logo imaginei que teríamos algumas intercorrências em função disso.
Ao chegar na unidade, deparei-me com uma cena intensa: uma mulher, atônita, em prantos, em pé, nos corredores do Pronto Socorro. Rodeada por outras pessoas, que mais tarde identifiquei como policiais civis da região.
Aproximei-me e vi uma mãe, uma cidadã, um ser humano que acabara de reconhecer o corpo do filho de 14 anos de idade, que jazia no necrotério da unidade, após ter recebido uma saraivada de tiros naquela madrugada.
Imediatamente, abri a sala de atendimento de meu projeto e sugeri que todos se dirigissem para esse espaço, mais adequado e reservado, já que era perceptível a animosidade dos demais pacientes ao redor.
O grupo prontamente aceitou minha sugestão. Ali, os policiais (de forma muito ética, por sinal) fizeram algumas perguntas àquela mãe. Perguntas que foram respondidas com monossílabos entrecortados por soluços.
Os policiais, terminado seu trabalho de coleta de informações, saíram da sala e restou uma mãe enlutada e com medo de expressar sua dor. Meu grupo de colaboradoras desencadeou, então, as ações adequadas para aquele momento: ofereceram alento, um copo d'água, disponibilizaram telefone, acionaram o serviço social, chamaram o médico que atestou o óbito para prestar mais esclarecimentos àquela mãe.
Segui para a sala de apoio à Ouvidoria, pois haviam outras demandas para atendimento, mas não pude deixar de ouvir os comentários críticos de outros pacientes e até de alguns funcionários, quanto à minha conduta e de minha equipe. Consideraram absurdo a 'atenção' dada àquela senhora.
Foi quando me dei conta de que aquela mãe foi atendida e tratada como qualquer outra mãe que estivesse na mesma situação de desespero e luto. Foi quando me dei conta de que o SUS no qual eu acredito, fala do tratamento igualitário à todos aqueles que dele necessitam, que através dele vem ao mundo, procuram a cura ou partem desta existência.
Sem juízo de valor algum, entendi, de fato o princípio da igualdade. Da porta para dentro, todos são iguais.
Por Cláudia Matthes
que força dessa equipe em abrir espaço nesse momento medonho.
A gente não veio aqui para ser juiz e é lindo ver o que a Equipe fez: acolheu a demanda e disponibilizou ações resolutivas.
Fiquei pensando numa musica trazida pelo então coordenador da PNH Dário Pasche, música da Mercedes Sosa : eu sou peço a Deus que a dor não me seja indiferente.