O APOIO INSTITUCIONAL E ANÁLISE DE DEMANDA EM SAÚDE ou APOIO PAIDÉIA – Gastão Wagner Sousa Campos – novembro/2001
1 – SOBRE O CONCEITO DE APOIO:
O Apoio Paidéia é uma postura metodológica que busca reformular os tradicionais mecanismos de gestão. Não se trata de uma proposta supressiva de outras funções gerenciais, mas de um modo complementar para realizar coordenação, planejamento, supervisão e avaliação do trabalho em equipe. Em geral, estas funções são exercidas com importante grau de externalidade entre os executores das funções de gestão e os operadores de atividades finalísticas.
Em resumo, poder-se-ia afirmar que o recurso de apoio procura fugir à tendência comum a várias escolas de gerência que intervêm sobre os trabalhadores e não de maneira interativa com eles. Em realidade, considera-se que o saber gerencial não escapou à tendência predominante em ciência de supor uma relação quase que asséptica entre aqueles que exercem funções de comando e os executores de tarefas. Uma reiteração da separação entre o sujeito do conhecimento e do poder e o objeto a ser conhecido e manipulado.
O Apoio parte, por um lado, do pressuposto de que as funções de gestão se exercem entre sujeitos, ainda que com distintos graus de saber e de poder.
Por outro lado, assume que todo trabalho tem uma tríplice finalidade e produz efeitos em três sentidos distintos:
primeiro, objetiva e interfere com a produção de bens ou serviços para pessoas externas à organização – trabalha-se para um outro por referência à equipe de operadores –,
segundo, procura sempre assegurar a reprodução ampliada da própria organização, e,
terceiro, acaba interferindo com a produção social e subjetiva dos próprios trabalhadores e dos usuários. A gestão tradicional, ao lidar com os trabalhadores e com os usuários como objeto, centra esforço nas duas primeiras finalidades, descuidando-se da terceira. Na realidade, ao não reconhecer que toda gestão é produto de uma interação entre pessoas, verifica-se, com freqüência, uma tendência a se reproduzirem formas burocratizadas de trabalho, com empobrecimento subjetivo e social dos trabalhadores e dos usuários. O Apoio Paidéia procura compatibilizar estas três finalidades, reconhecendo que a gestão produz efeitos sobre os modos de ser e de proceder de trabalhadores e de usuários das organizações.
Neste sentido, o Apoio Paidéia reúne uma série de recursos voltados para lidar com estas relações entre sujeitos de um outro modo. Um modo interativo, um modo que reconhece a diferença de papéis, de poder e de conhecimento, mas que procura estabelecer relações construtivas entre os distintos atores sociais. Assim a supervisão e avaliação deveriam envolver os próprios avaliados tanto na construção dos diagnósticos como na elaboração de novas formas de agir; ou seja, formas democráticas para coordenar e planejar o trabalho. Formas que aproveitem e considerem a experiência, o desejo e o interesse de sujeitos que não exercem funções típicas de gestão. O Apoio Paidéia depende da instalação de alguma forma de co-gestão.
O termo Apoio procura capturar todo este significado: não se trataria de comandar objetos sem experiência ou sem interesses, mas de articular os objetivos institucionais aos saberes e interesses dos trabalhadores e usuários. Tampouco se aposta apenas nos recursos internos de cada equipe. O termo Apoio indica uma pressão de fora, implica em trazer algo externo ao grupo que opera os processos de trabalho ou que recebem bens ou serviços. Quem apóia, sustenta e empurra ao outro. Tudo misturado, ao mesmo tempo.
Valeria também elaborar alguns comentários sobre o sentido Paidéia da metodologia.
2 – EFEITO PAIDÉIA:
Como provocar o efeito Paidéia em pessoas e agrupamentos?
Antes, o que é o efeito Paidéia? É um processo social e subjetivo em que pessoas ampliam a capacidade de compreender-se a si mesmas, aos outros e ao contexto, ampliando, em conseqüência, a possibilidade de agir sobre estas relações.
Compreender-se implica analisar a dinâmica do desejo e do interesse próprio; enxergando, ao mesmo tempo, o desejo e interesse dos outros, tudo isto inserido em uma dinâmica histórica e social: a materialidade das necessidades e das instituições. Ora, isto é nada mais do que uma descrição sofisticada do simples exercício da vida humana; ou seja, viver é realizar estas operações, de forma mais ou menos consciente. Estamos sempre imersos nesta dinâmica, estamos sempre aprendendo com a vida.
O método Paidéia é um reconhecimento deste fato, mas é também uma tentativa de sistematizar modos de intervir de forma deliberada nessa dinâmica. Pensar e agir com deliberação é atuar segundo finalidades, buscando algum sentido para a vida. O efeito Paidéia ocorre sem que tomemos conhecimento disto, aprendemos vivendo. No entanto, pode-se buscar este efeito segundo valores e intenções prévias. Reconhecendo que o controle sobre este processo será sempre parcial, já que há, ao mesmo tempo, inúmeros fatores produzindo efeitos sobre pessoas e instituições.
A humanidade já “inventou” vários métodos para interferir nesse processo: a política, a gestão, a regulação e o controle social, a pedagogia, a clínica, são alguns exemplos.
O Efeito Paidéia sobre as pessoas é resultado da contínua produção interativa de afetos, de conhecimentos e de poder. A política enfatiza modos de operar com o poder; a pedagogia, com o conhecimento; as terapias da subjetividade, com o afeto. Estes campos disciplinares, contudo, separam estas três dimensões, quando na realidade elas atuam de forma conjugada, simultânea. A constituição de sujeitos, das necessidades sociais e das instituições é um produto de relações de poder, do uso de conhecimentos e de modos de circulação de afetos.
O Método Paidéia é uma tentativa de pensar e de agir considerando estas três dimensões. E mais, ele acrescenta uma finalidade adicional a todo agrupamento humano: o do desenvolvimento dos seus integrantes segundo estas três perspectivas; ou seja, é um esforço para construir uma nova capacidade de pensar e de agir seja de coletivos ou de cada uma das pessoas envolvidas. A novidade estaria por conta de integrarem-se estas três dimensões: a liberdade, ou a cidadania, ou a saúde, tudo depende da capacidade de lidar com afetos, com saberes e com o poder.
Em toda instituição ocorrem múltiplas sínteses dos efeitos desses três fatores; no entanto, a racionalidade gerencial hegemônica pensa a gestão de organizações como uma continuidade do poder político, e como um espaço em que os padrões de conhecimento e de circulação de afetos considerados adequados estariam fixos. Os gestores tentam articulá-los para aumentar o controle sobre os sujeitos. Na realidade, construiu-se o imaginário de que a gestão não interferiria com estas dimensões, ela apenas administraria o já dado à priori: a gerência seria um desdobramento “natural” do poder constituído, um poder delegado ou pela propriedade privada ou pelo Estado; o conhecimento seria levado de fora às organizações, injetado por meio de cursos de formação regular ou outras formas de capacitação e de assessoria; e quanto ao afeto caberia aos sujeitos “adaptarem-se” à lógica de cada organização, acomodando-se às relações de poder e protegendo-se da concorrência, dos conflitos, etc.
O Método Paidéia imagina contaminar a política, a gestão, a pedagogia, a clínica e a saúde pública com a lógica desta tríplice determinação: em todas estas maneiras de agir sobre o mundo se misturam poder, saber e afetos. Vale assinalar que essa mescla ocorre de distintos modos, ora uma dimensão predominando sobre a outra. Em geral, pode-se afirmar que o agir político tem como núcleo específico o tema do poder, em seu campo de forças é que circulam saberes e afetos; a pedagogia tem como núcleo o cognitivo, e no campo, poder e afetos; as terapias da subjetividade, no núcleo têm os afetos e no campo, o poder e o cognitivo.
É interessante notar que em várias práticas sociais, particularmente naquelas constituídas a partir de uma pretensão exagerada de objetividade, sequer se admite que haveria influência de fatores políticos, cognitivos ou afetivos. A Gestão, a Saúde Pública e a Clínica, por exemplo, operam como se houvesse uma diluição da influência destes fatores; o saber dos técnicos atuaria melhor desde que “livre” da política, de conhecimento não científico ou de afetos “inconvenientes”. Este é o núcleo do pensamento tecnocrático: a tentativa de reduzir pessoas à condição de objeto, rejeitando-se com isto a circulação de afetos e a “contaminação” das práticas pelo poder ou pelo saber dos “leigos”, todos atingidos pelas medidas geradas em apenas um dos pólos da relação de poder.
3 – RECURSOS METODOLÓGICOS PARA O APOIO PAIDÉIA:
Como operar com a função de apoiador Paidéia?
Em primeiro lugar, implica a tentativa de ampliar a capacidade das pessoas lidarem com o poder, com a circulação de afetos e com o saber. Lidar enquanto estão fazendo coisas, trabalhando, cumprindo tarefas. No fundo, é um modo para radicalizar a construção de cidadania e de sociedades democráticas.
O lugar de Apoiador não é um lugar estrutural específico, ainda que possa sê-lo eventualmente (na Secretaria de Saúde de Campinas/SP optamos por mudar o nome e o modo de atuação dos antigos supervisores de distrito e de programas, denominando-os de apoiadores institucionais). No exercício de qualquer papel dentro de um coletivo, pode-se atuar segundo a perspectiva de Apoio Paidéia. É possível, ainda que se deva considerar a função de cada um na estrutura de poder, bem como o domínio de teorias e de métodos e as relações de afeto já que tudo isso influencia fortemente a capacidade e as possibilidades de apoio; ou seja, há variações obrigatórias no modo de proceder conforme o lugar institucional do suposto apoiador.
Consideremos alguns lugares institucionais de onde se pode realizar apoio Paidéia:
– de um lugar de poder institucional: um dirigente de organização, de uma equipe ou de um movimento social pode, sem abdicar de seu papel, apoiar seus dirigidos. Como um diretor, um supervisor ou um auditor conseguiria ampliar seu modo de atuação, não apenas controlando, fiscalizando e dando ordens, mas apoiando os seus supervisionados?
– de um lugar de suposto saber: alguém externo ao agrupamento, alguém que é demandado em razão de um conhecimento presumido (assessor, consultor, alguém com domínio de um método, ou de alguma experiência prévia, analista ou apoiador institucional) poderia agir, centralmente, valendo-se da metodologia do apoio.
– de um lugar de suposto saber e, ao mesmo tempo, de poder institucional: um profissional (clínico, pedagogo, sanitarista, etc) pode exercer suas funções específicas modificando-as em função de apoiar usuários.
– de um lugar de paridade (suposta horizontalidade) no coletivo: um membro da equipe ou da comunidade, ao participar de espaços de co-gestão e mesmo no cotidiano, pode funcionar como apoiador Paidéia para seus pares.
Com certeza, há diferenças no modo de realizar o apoio caso se ocupe um papel de diretor, de apoiador externo, de trabalhador da ponta ou de membro de uma equipe. Os dirigentes têm mais poder, em compensação estão amarrados a um maior compromisso com a eficiência e eficácia organizacional. Sempre que ingressam em uma roda o fazem com esse viés. Isto é um problema, mas, ao mesmo tempo, enriquece o grupo ao trazer para a roda temas do contexto e outros específicos de sua função. Um chefe continua mais poderoso mesmo quando toma lugar em uma roda de discussão, isto não anula a eficácia desse mecanismo de gestão.
Apoiadores externos (consultores, analistas, etc) tampouco são neutros, em geral, trazem um referencial teórico e uma experiência que direcionam sua visão. Isto não deve ser ocultado; ao contrário, deve ser colocado em exame, em análise, pode ser um elemento de enriquecimento para o grupo e para os dirigentes. Por outro lado, em geral, estão menos implicados do que os dirigentes e membros da equipe com as disputas internas por poder e com a circulação viciada de afetos. Podem ajudar o grupo a enxergar e a trabalhar impasses fundados nessa dinâmica.
Os operadores da ponta, em geral, e particularmente na área de serviços, saúde e educação, têm contato direto com os usuários. Como apoiar comunidades, pacientes ou alunos? Com certeza, não renunciando ao saber técnico ou à necessidade de intervir, mas, talvez, interagindo com os usuários tanto no momento do diagnóstico do problema, quanto na definição do projeto de intervenção. O fundamental, nesse caso, é manter sempre a preocupação de aumentar a autonomia dos usuários, ou seja, ampliar a capacidade de autocuidado deles, tanto elevando sua capacidade de compreender o problema em pauta quanto de agir sobre ele.
Por último, como exercer a função de apoiador em uma situação de paridade. Apoiar a própria equipe de trabalho, ou, sendo usuário, apoiar outros da comunidade e das próprias equipes. Aqui está o cerne da democratização das instituições, já que isso somente ocorrerá quando houver a possibilidade de que todos exerçam um pedaço da gestão. No fundo, ainda que a função nuclear desses sujeitos não seja a gerência, parte-se do pressuposto de que participar da gestão faz parte do campo de responsabilidade de todos os envolvidos em um processo de trabalho. Ao se integrar a um grupo, um conselho, uma assembléia, é fundamental a postura de abrir-se à influência dos outros sem renunciar ao próprio interesse e à própria experiência. Desenvolver capacidade para construir análises e soluções compartilhadas. Combinar firmeza com abertura à composição de interesses e de visão do mundo. Capacidade para reconhecer autoridade em outros sem se submeter a ela. Reconhecer o limite imposto pelo coletivo sem desistir de sua singularidade de desejos e de concepções.
Listemos alguns recursos úteis à função de apoio:
Primeiro: construir rodas. Sempre, em todas estas possibilidades, o Apoiador deve contribuir ativamente para a criação de espaços coletivos; ou seja, de arranjos ou dispositivos (settings) que propiciem a interação intersujeitos. Mais ainda, espaços em que a análise de situações e a tomada de decisão sejam possíveis. Instituir o hábito de avaliar os processos e as tarefas, redefinindo-os conforme o acordado.
Segundo: incluir as relações de poder, de afeto e a circulação de conhecimentos em análise. O Apoiador e o processo de Apoio também devem ser submetidos à avaliação e correção de rumo. Assim, o diagrama de relações de cada organização deve ser colocado na roda. O Apoiador deve permitir, concordar e, até mesmo, buscar ativamente incluir-se nesses processos; ou seja, sofrer o efeito Paidéia. Para isto é fundamental desmentir a falácia da neutralidade, explicitando o lugar e o modo de vinculação de cada um. O que significa colocar em análise as relações de poder, de conhecimento e de afeto envolvidas. Os analistas institucionais denominam este processo de análise de implicações. E isto não necessita ocorrer de modo selvagem, tudo ao mesmo tempo, transparência total desde o começo. Não, isto seria um desastre! O grau de aprofundamento dos temas se subordina à tarefa e ao próprio grupo, o que é ou não necessário e suportável em cada momento. Isto se descobre por aproximações sucessivas.
Terceiro: trazer para o trabalho de coordenação, planejamento, supervisão e avaliação a lógica da tríplice finalidade das organizações. Analisar os processos segundo os três objetivos básicos, a saber: qualificar a ação institucional para o cumprimento de finalidades externas ao grupo – produzir valores de uso para outros –, para a defesa e reconstrução da própria organização e para assegurar o desenvolvimento e a realização pessoal e profissional do grupo apoiado. Operar com essa lógica amplia a compreensão e a capacidade operacional dos coletivos. Os trabalhadores, os militantes de um movimento, todos são meios para se conseguir algum resultado, mas, ao mesmo tempo, são também um fim de todo e qualquer empreendimento humano. Esta é a trava de segurança, sem a qual nem se começa a realizar a função de apoio Paidéia.
A vida é o real concreto e ocorre no meio, já que o começo ou a origem são pura lembrança – história –, e o futuro é fantasia pura. Não se está aqui negando a importância da história ou das utopias e do sonho; o que se afirma é a relevância em se valorizar as potencialidades do presente. Sem esta diretriz – é no presente que se analisa e se decide –, não há apoio Paidéia, ainda que possa ocorrer uma série de efeitos interessantes.
Com certeza, pessoas com maior poder institucional, dirigentes, gerentes, têm dificuldades adicionais para serem coerentes com esta diretriz. Seu papel estrutural os condiciona a valorizar a produção de valores de uso em detrimento do interesse dos trabalhadores, além disto tendem a reduzir o coeficiente de análise já que estão preocupados com a conservação do próprio poder. No entanto, pode-se compor a lógica destes lugares com o objetivo de constituir sujeitos autônomos, já que operadores mais analíticos costumam ser, em geral, mais eficazes, uma vez que tendem a se envolver de modo criativo com a produção de valores de uso.
Quarto: Trabalhar com uma metodologia dialética que traga Ofertas externas e que ao mesmo tempo valorize as Demandas do grupo. O Apoiador deve construir e trazer para as rodas sugestões de modos de analisar e de intervir sobre a vida. Além disto, deve recolher as Demandas do grupo e daqueles com quem ele está interagindo. E aqui a primeira Oferta é oferecer-se como Apoiador, não há como escapar disto. Explicitar: há um método, há temas prioritários, há não-ditos, há resistências, bloqueios, há correlação de forças, há necessidade de se estabelecer contratos com outros interesses, outras culturas, etc. E toda oferta é uma oferta interessada, revela as implicações de poder, afetivas e os campos de conhecimento do apoiador. Ofertar é revelar-se, é expor-se à avaliação alheia, é um exemplo Paidéia, um estímulo para superar a inércia do grupo. Ninguém sai de si mesmo puxando-se pelos próprios cabelos como o barão mentiroso.
Por outro lado, as demandas do grupo funcionam como ofertas ao apoiador, são os degraus onde se apoiar para o estabelecimento de novos compromissos e contratos, mexer com os outros e consigo mesmo.
Valeria aprofundar métodos para ofertar coisas e para incorporar as demandas da equipe e dos usuários. Há três campos de onde se originam as ofertas e as demandas: um relativo ao que vem de fora das organizações, ou seja, à produção de valores de uso e aos modos de comprometer-se com os outros. O segundo refere-se às instituições, o contexto onde se trabalha. Nestes casos, o apoiador deve ofertar e sustentar debate sobre modelos de atenção em saúde, modelos pedagógicos, modos de organizar o trabalho, os movimentos, etc. Mas comprometer-se de forma crítica, tensionando limites, explorando possibilidades de se fazer tarefas de modo distinto. O terceiro campo é aquele relativo à ampliação da autonomia do grupo, aprender a circular, a transitar, criar asas, depender menos do apoiador. E aqui outra diretriz Paidéia: o apoio somente funciona quando o grupo consegue ampliar suas referências, e mais, quando consegue lidar com estas referências de forma crítica, ou seja, como outras ofertas; ou seja, com generosidade crítica; ou seja, sem adesão automática e sem paranóia.
Quinto: apoiar o grupo tanto para construir Objetos de investimento, quanto para compor compromissos e contratos com outros. A vida ocorre no meio, sem desfrute do cotidiano não há sentido para a vida. A postura burocrática decorre, em grande medida, de jogar-se tudo para o futuro. A construção de objetos de investimento exige que o grupo se autorize a ser feliz, a realizar-se pessoal e profissionalmente no contexto real em que trabalha. O ressentimento ou a culpa, a não apropriação de novos conhecimentos, a concentração de poder, todos são fatores ou sintomas que impedem a constituição de objetos de investimento, e, nestes casos, o efeito Paidéia se cumpre de forma precária, limitada. Uma das tarefas do apoiador refere-se exatamente a capacitar os agrupamentos a depositarem afetos positivos em objetos (coisas) fora de si mesmo, ainda que referenciadas pelo desejo e interesse de cada um. Gostar do que se faz, apostar em projetos, na construção de novas relações de afeto e de poder. Desfrutar o prazer de saber. A construção deste objeto de investimento depende de fatores políticos, cognitivos e afetivos. Há que se lidar com esta mescla.
Por outro lado, agir em função de outros, estabelecendo compromissos e contratos; ou seja, sem renunciar absolutamente ao desejo ou ao interesse particular, muito ao contrário, agir tendo-os como referência, para compor espaços e modos de agir que estabeleçam mediações com o interesse dos usuários e com o princípio de realidade, o contexto histórico e social.
Sexto: Pensar e fazer junto com as pessoas e não em lugar delas: para que isto ocorra não adianta o apoiador imaginar que sabe quais seriam os contratos ou os objetos de investimento mais adequados. É importante que ele procure saber sobre isto, sem o que não saberá como realizar ofertas. Entretanto, o importante é que ele apoie o grupo para que os membros saibam sobre isto, da maneira deles, dialogando com o suposto saber do apoiador.
Sétimo: ampliar os espaços onde se aplica o Método. Perguntar-se sempre: onde e quando é potente atuar de modo Paidéia? Em reuniões, com certeza, mas não somente. Fazer junto, estimulando-se espaços de reflexão. Ofertar experimentando. Misturar o modo de fazer do apoiador com o do grupo. Antes, durante e após o fazer, analisar, refletir com base nos resultados, com base na prática. O fazer reflexivo é muitas vezes um modo eficaz para quebrar resistências e inseguranças que o diálogo teórico jamais resolveria.
Neste caso, alcançar analisar relações de poder e de afeto depende tanto da capacidade de escuta de outros discursos, quanto de observar outros fazendo ou sofrendo impactos da prática. Para ampliar a capacidade de análise dos grupos é fundamental que eles aprendam a escutar, a observar o resultado de suas intervenções e a ler textos teóricos, metodológicos ou de relato de experiências.
Oitavo: Autorizar os grupos a exercer a crítica-generosa e a desejar mudanças: as instituições controlam pessoas, desautorizando-as a tomar iniciativas que não estejam previstas nos regulamentos. O funcionamento psíquico e as ideologias criam bloqueios ao desejo e mesmo à compreensão de si mesmo e das relações sociais. A Oferta de temas, ou de fragmentos de análise, buscam ampliar a capacidade dos agrupamentos lidarem com estas interdições: a tarefa de colocar em análise temas sagrados, não-ditos, relações veladas, direitos não exercidos, etc.
Nono: Autorizar-se a ser agente direto e não somente apoiador de equipes: o dirigente, o profissional e mesmo um membro do grupo fazem parte do Coletivo ao qual querem apoiar. Já o apoiador institucional específico vincula-se ao coletivo durante um certo período e depois se vai. Neste sentido tem como função nuclear valer-se do método para trabalhar com o grupo. Muitos outros não podem durante todo o tempo atuar com base na metodologia Paidéia, há momentos em que o dirigente exercerá ações administrativas, o profissional realiza tarefas particulares que lhes dizem respeito. Neste sentido, há espaços de ação em que cumprirão suas funções específicas sem a necessidade de rodas prévias ou de espaços que estejam discutindo tudo em todo momento, ainda quando a avaliação e o desdobramento destes atos possam constituir-se em temas das rodas.
Um exemplo: um dirigente pretende controlar uma epidemia de dengue. Como efetivar o combate ao problema segundo a perspectiva do apoio Paidéia?
Primeiro, valer-se do Método Paidéia, lembrando-se que existem outras possibilidades para se fazer coisas. E o que é o Método: passa pela capacidade de analisar-se, reconhecer a rede de poder, de afetos, o compromisso com valores (finalidades) e com campos de conhecimento. Neste sentido, o dirigente deve reconhecer-se como alguém distinto da equipe de técnicos ou dos usuários. Não pode renunciar ao seu lugar de poder, negar a hierarquia, a diferença de papéis; supostamente ele tem um compromisso com resultados, um tempo definido por fatores universais, externos em relação ao grupo de técnicos, diferente de outros agentes envolvidos. Para o Método não há neutralidade, o melhor remédio para atenuar o envolvimento com estes fatores é explicitá-los, deixar claro de onde se está falando, com que objetivo, o que se busca, com que velocidade, etc.
No entanto, atuar segundo o conceito do tríplice objetivo de qualquer empreendimento social: buscar valores de uso – controlar a epidemia –, mas assegurar efeito Paidéia sobre os sujeitos envolvidos com o projeto e com a prática. Para isto, é fundamental construir-se o projeto – diagnóstico de situação e definição de tarefas – segundo a metodologia Paidéia. Ou seja, tomar também como finalidade que a equipe e usuários se apropriem de um modo de pensar e de agir que procure conhecer e modificar tanto o ambiente quanto os próprios sujeitos envolvidos.
E o tempo de controle da epidemia? Será equivalente ao de constituição de novos sujeitos? Não, com certeza, nunca corresponderão absolutamente. O que significa, em alguma medida, com certeza, que sempre se poderá compor algum tipo de compromisso ou de contrato entre as distintas perspectivas. Para adequar estes tempos, cabe ao dirigente valer-se de seu poder constituído para trazer Ofertas: modos de agir contra a dengue, pressões políticas, risco de sofrimento e morte, etc. Mas também abrir espaços, colocando em análise afetos e relações de poder.
A reunião é um espaço de análise, o outro é o próprio fazer. Estimular a equipe para que monte rodas com usuários, para que agrupamentos montem rodas com outros agrupamentos, experimentando, eles, o Método. E agir conforme a possibilidade, não esperar o grande dia porque ele nunca chegará, jamais! E se porventura chegar, com certeza, somente nos daremos conta muitos anos depois, em geral, lamentando o que não soubemos reconhecer e aproveitar.
Por último: todo Apoiador minimamente sábio descobre que somente se consegue apoiar quando nos autorizamos a sermos apoiados pelo grupo a quem pretendemos ajudar. Um bom dirigente dirige e é dirigido, comanda e é comandado por aqueles com quem trabalha.
Por LUCIANE APARECIDA PEREIRA DE LIMA
Ola Evaldo
qual é a referência?
abraços