Um café da manhã com Haneke

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Eis-me aqui novamente.

Depois do último texto e de muitas mudanças (de casa, de trabalho, por que não de vida!) volto ao teclado para tocar num assunto muito atual (ou seria atemporal?): a temática do envelhecimento.

Há diversas entradas neste vasto campo do conhecimento.

Pode-se escolher a portinhola das análises demográficas e previdenciárias, o portão das ciências biológicas com seus marcadores neurais, suas pesquisas sobre memória e as novas pílulas para retardar a teimosa devastação causada pela Doença de Alzheimer.

Escolho hoje, entretanto, não uma porta ou alguma de suas primas, que se diferem em tamanho, cor ou acabamento. Opto, pois, por uma janela: a tela do cinema, ou melhor, o enredo de um filme, de Michael Haneke, chamado Amour.

Sim, nunca teria pensado em abordar a temática do envelhecimento tendo como cena principal o desenrolar calmo e sereno de um café da manhã entre dois idosos parisienses… Nesta imagem bucólica, translúcido reflexo de nossas ideias inconscientes do que seria o cotidiano, surge um trovão: um súbito, longo e terrível lapso. Uma espécie de "morte", de olhos abertos rompe a trama. E neste flash surge o início das percepções da fragilidade do envelhecimento.

Mas não se trata meramente da vulnerabilidade dita biológica, como se nota nitidamente pela agressividade com que a idosa se converte, gradativamente, em uma dependente inquestionável de seu companheiro.

O envelhecimento se mostra, sobretudo, mais brutal e fulminante pelo fato de enfraquecer diversas redes essenciais, ao meu ver, para a sobrevivência em comunidade. O isolamento domiciliar, a ausência da família ou a sobrecarga do cuidado "sob os ombros e corpos" de uma minoria dos membros deste núcleo familiar, a susceptibilidade aos maus-tratos físicos e psicológicos dentre outros aspectos são capazes de potencializar as dificuldades ao longo da experiência da senescência.

Contudo, seria possível enfrentar esta inexorável trajetória humana?

Será que o elixir da vida eterna estaria, neste instante, enquanto escrevo estes devaneios, sob testes em algum laboratório privado da Califórnia?

Estas e outras questões só o tempo (ou o excesso dele!) será capaz de nos dizer.

Recomendo o filme. Mais ainda, recomendo o título, distribuído em largas escalas, dos que "mamam aos que caducam", em doses cavalares!

Saudações,

Fabrício Donizete da Costa

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Cena do filme Amour de Michael Haneke (fonte: Google Imagens)