O Preconceito Nosso de Cada Dia Nos Tire Hoje

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O pais está em meio ao que se convencionou chamar de "Guerra Cultural". A frente de batalha mais visível é o complexo conjunto de discussões em torno dos direitos das pessoas homossexuais. Mas escaramuças importantes reverberam também sobre a ampliação do direito à prática do aborto legal, questões bioéticas no final da vida (legalização da prática da eutanásia e do suicídio assistido). Parte dessa guerra pode estar acontecendo agora em nossas casas quando muitos criticam a ampliação dos direitos trabalhistas das empregadas domésticas. Essas questões reverberam posições apaixonadas. Entretanto, reverberam também preconceitos que podem se disfarçar ora de prédica religiosa, ora de análise econômica.

Quando ridicularizamos pessoas por serem gays, pobres ou negras nos esquecemos que podemos ser ridicularizados também por sermos adeptos de uma religião qualquer, por acharmos o papa legal, por sermos ateus ou por gostarmos de frequentar este ou aquele lugar. É péssimo sentir o preconceito na própria pele! Só que existem pessoas que sentem o preconceito o tempo todo!

Muitos  não perceberam ainda que a vida está ficando muito desconfortável para quem é preconceituoso. Nas escolas já sinalizam o quanto é horrendo discriminar uma criança por ser portadora de alguma síndrome. Nas filas as pessoas começam a ceder seus lugares para quem precisa ser atendido mais rápido. Expressões de racismo incomodam muitos que não são negros O nome disso é civilidade!

Algumas pessoas não compreendem que para termos uma vida social saudável é necessário que convivamos com nossas diferenças em igualdade de exercício de direitos. Não podemos cercear as pessoas porque são diferentes. Aprimorar o aparato legal contra o preconceito é reprimir sua expressão pública ao mesmo tempo em que se alicerça um projeto civilizatório de melhor convivência na diversidade

Interessante como algumas pessoas das nossas elites econômicas adoram fazer turismo. Em suas viagens ao exterior ficam deslumbradas com o senso de organização de algumas sociedades. E ficam arrotando suas avaliações negativas do Brasil comparando nosso trânsito caótico com a eficiência do trânsito nas ruas de Berlim ou qualquer outra grande cidade européia. Mas se negam a olhar o comportamento das pessoas, algo  mais importantes do que o fluir do trânsito.

Em muitas dessas sociedades as pessoas se sentem mais livres para expressarem suas individualidades e identidades coletivas. As pessoas se sentem menos expostas e julgadas por conta de suas preferências sexuais, pela cor "estranha" que usam no cabelo, pelas roupas tidas como "exóticas". Diante  de sociedades mais plurais nossos viajantes se calam. Querem apenas importar o fluir do trânsito mas não querem importar a civilidade da convivência potencialmente nais pacífica com a diferença. Querem importar a eficiência dos transportes públicos desde que os gays não possam se beijar no ônibus. Querem políticas públicas embasadas em ideias religiosas mas se esquecem que só o Estado laico é capaz de oferecer liberdade de religião para grupos religiosos diferentes

No momento em que temos um Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados que possui posições RACISTAS e HOMOFÓBICAS, é necessário expressar em alto e bom som que não se pode aceitar a defesa da barbárie mesmo que disfarçada em crença religiosa. Já seria questionável que um líder religioso defendesse a tese de que negros são amaldiçoados por Deus ou que a expressão da homoafetividade é podre. Mas o papel que Feliciano representa hoje nos coloca um desafio maior do que meramente criticar um pastor, Trata-se de criticar alguém que politiza seu campo doutrinário e que, entre outros terrores, quer instituir a ideia de que se falamos em nome de Deus, tudo se torna santo, incluso nosso preconceito disfarçado em valor religioso.

Assim, em tempos em que Feliciano afirma que Deus matou John Lennon e seus ouvintes gritam "aleluia", convém citar Carl Sagan: 

 

 

"Descobrir a gota ocasional de verdade no meio de um grande oceano de confusão e mistificação requer vigilância, dedicação e coragem. Mas, se não praticarmos esses hábitos rigorosos de pensar, não podemos ter a esperança de solucionar os problemas verdadeiramente sérios com que nos defrontamos – e nos arriscamos a nos tornar uma nação de patetas, um mundo de patetas, prontos para sermos passados para trás pelo primeiro charlatão que cruzar o nosso caminho". (Carl Sagan)