Quando a instituição desumaniza seus usuários censurando sua voz, fazer o quê?
Ao lembrar das diretrizes fundamentais do SUS (prá não voltar mais ao passado e falar do Movimento da reforma Sanitária em nosso país) e dos fundamentos da proposta da PNH, bases indispensáveis do HumanizaSUS, impossível não pensar politicamente o processo de gestão do sistema ou não pensar politicamente os usuários na condição de cidadãos (em qualquer perspectiva, inclusive a do cuidado).
Não entendo o SUS apenas como uma reunião de diretivas e princípios teóricos e sim como a expressão concreta destes pressupostos em suas ações e serviços do dia-a-dia, em todos os âmbitos. Isso inclui, por óbvio, a constituição de um sistema de respaldo mediante apoio técnico, administrativo e político para garantir o exercício efetivo dessas diretrizes e fundamentos nas práticas de atenção à saúde.
O pressuposto de uma participação efetiva dos usuários se dá na interlocução cotidiana e nos espaços de deliberação definidos na lei, onde a sociedade organizada se manifesta e participa. No entanto, na medida de suas possibilidades, também as políticas e programas exigem idêntica interatividade e diálogo com os usuários tanto em sua singularidade quanto em sua manifestação coletiva através de organismos legítimos que expressem e defendam seus interesses.
Ora, por tudo isso, lamento não ter encontrado nem na grande mídia nem nos espaços de comunicação institucional do SUS alguma manifestação elaborada, crítica e analítica, com relação à suspensão de material de uma campanha de prevenção de DST e AIDS entre mulheres que se prostituem, bem como quanto à exoneração do Diretor do respectivo Departamento, Dirceu Greco, em razão dos mesmos acontecimentos. Que espaço foi dado à manifestação dos usuários, principais interessados e envolvidos? Quem, senão esses, deveria definir o melhor discurso, a melhor expressão, a melhor de maneira de comunicar conhecimentos e atitudes capazes de gerar comportamentos protetivos frente a tais doenças? Mesmo que a comunicação, por tais vias, seja frágil e limitada, o processo e o método de trabalho utilizados não teriam valia suficiente para garantir a publicação das peças suprimidas?
Como pensar em ‘humanização’ das ações e serviços quando prevalecem interesses de outros grupos, diversos daqueles dos usuários a quem as ações e serviços se destinam?
Por certo podemos dispor desta ferramenta plural, mas a discussão e o eventual debate neste espaço nos levarão exatamente aonde? Que impacto essa arena pode de fato oferecer ou produzir quando o gestor federal age aquém ou além das instâncias do SUS? Esta Rede propicia o encontro de indivíduos, mas é uma iniciativa institucional. Em que medida esse espaço coletivo pode ser antagônico ao pensar e ao agir do gestor federal?
O Ministério da Saúde não é um âmbito de gestão do SUS superior aos demais, nem o mais importante deles, mas com certeza é o mais abrangente e o que tem impacto mais vigoroso em termos de divulgação. Pelos compromissos assumidos e pela responsabilidade de dar sustentação às políticas que desenvolve e pactua com outros atores não pode ser dar à insolente pequenez de respostas ou justificativas de natureza meramente burocrática.
Sem o vigoroso respaldo político as iniciativas de qualificação e aprimoramento do SUS, por mais ações reveladoras de suas potencialidades, correm o risco de serem vãs ou pouco frutíferas e pouco duradouras. Como, por quais meios, se poderão superar estas fragilidades?
Por Ricardo Teixeira
Importantíssimo seu questionamento!
Agradeço imensamente que você o faça neste espaço.
São, na verdade, vários questionamentos, mas, entre todos, elejo um primeiro ponto de suas colocações que me parece ter certa precedência na conversa:
"Esta Rede propicia o encontro de indivíduos, mas é uma iniciativa institucional. Em que medida esse espaço coletivo pode ser antagônico ao pensar e ao agir do gestor federal?"
A Rede HumanizaSUS foi concebida, desenvolvida e permanece sendo apoiada pela Política Nacional de Humanização (PNH) do MS, desde 2008, por ter sido uma aposta acertada e vir se comprovando um valioso dispositivo para a realização dos princípios e das principais diretrizes da Política, explorando a potência das redes sociais e colaborativas.
Os conteúdos publicados nesta Rede são produzidos por seus usuários; não é um site da PNH. A PNH acredita em sua potência, por isso apoia a existência dessa ágora livre e democrática como espaço para a livre expressão e troca em torno de tudo aquilo que diga respeito à defesa e à construção de um SUS qualificado e humanizado.
Qualquer um pode se cadastrar e publicar na RHS. É claro que se pode expressar posições antagônicas ao do gestor federal neste espaço! É para acolher todas as diferenças que ela foi criada ou não teria esse formato inteiramente aberto e inclusivo. Nós acreditamos seriamente que a diversidade só pode enriquecer um processo que está claramente orientado pela produção de um comum, de um bem comum útil a qualquer um, como é o SUS.
E as posições antagônicas têm se expressado em relação a várias medidas polêmicas, como as que envolvem a internação compulsória de usuários de drogas e outras que, para dizer o mínimo, tensionam qualquer sentido que queiramos dar para "humanização" das práticas.
Mesmo assim, concordo com você que, ainda que o assunto não deixe de se manifestar por aqui, ele tem se dado de uma forma muito mais acanhada do que se esperaria. No entanto, não há nada que impeça qualquer "ator" nesse processo de se manifestar, inclusive e sobretudo, neste espaço. Espaço que se quer e se oferece como ágora livre e democrática para o debate qualificado e plural sobre tudo que diga respeito ao SUS e ao desafio da "humanização" da gestão e do cuidado em saúde.
É este o projeto RHS que vem sendo apoiado pela PNH!
Uma plataforma colaborativa aberta na web cujos conteúdos publicados são auto-moderados pelos próprios usuários (fila de votação). É o que é a RHS.
Reafirmado tudo isso, alinho-me com sua preocupação em relação a um certo "silêncio", tanto mais ruidoso quanto não se deva à inexistência de espaços de expressão…
Acho que a democracia não se "conquista" simplesmente, ela deve ser reafirmada e reinventada, cotidianamente, numa prática de vida democrática. E a vida democrática não se funda simplesmente no fato de que se "possa", de que seja "permitido" se pensar e afirmar o diferente, mas num verdadeiro dever de contribuir para o mundo (para o comum) com sua diferença.
Este espaço existe para ser dignificado por práticas de vida democráticas!
É "máquina expressiva" para uma forma de vida democrática!
Mais uma vez, obrigado pela corajosa e fundamental levantada de bola…
Abraços,
Ricardo