Humanização e boas práticas em saúde mental no contexto indígena
A Política Nacional de Humanização participou da primeira oficina de apresentação de boas práticas em saúde mental no contexto indígena, em Brasília – DF. Compartilhar experiências e discutir a elaboração de um guia que oriente as linhas de cuidado em saúde mental indígena nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) foram os objetivos da atividade, que teve participação de 35 profissionais da Organização Panamericana da Saúde; Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) e Política Nacional de Humanização (PNH); Universidade Federal de São Paulo, Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, representantes dos DSEI Alto Solimões, Mato Grosso do Sul, Cuiabá, Potiguara, Minas Gerais/Espírito Santo, Xingu e indígenas das etnias Kaigang, Xukuru, Kamaiurá e Maxakali.
Foram apresentadas experiências consideradas como Boas práticas em saúde mental no contexto indígena, e a discussão foi organizada em quatro diferentes eixos, considerados pelos participantes como os principais desafios nesta área. O primeiro deles, trata do protagonismo indígena e promoção da saúde, apresentando a necessidade de os profissionais de saúde fomentarem as estratégias de cura e autocuidado de cada etnia, que são singulares e muitas vezes diferentes do ponto de vista médico. “ Os indígenas tem formas diferentes de compreender o sofrimento, e é tarefa do profissional de saúde entender essas singularidades”, afirmou o psicólogo e antropólogo da SESAI Lucas Nóbrega. Durante a oficina foi apresentada a experiência de organização social com os indígenas Bororó, do Mato Grosso. Thelia Santana e equipe do DSEI Cuiabá visitaram 97 famílias identificando o que elas consideravam um problema na comunidade, por meio de um diagnóstico rápido participativo. Com esse instrumento, foi observado que o uso abusivo de álcool não é visto pelos indígenas como o principal problema, mas uma consequência de um problema maior: a fome daquela população que recebe do governo federal cestas básicas de péssima qualidade, ao invés de sementes, para seu plantio. A apresentação demonstrou a necessidade de dar aos indígenas condições para estabelecer as suas prioridades, e não impor prioridades.
Outro eixo tratou das Ações em Saúde Mental na Atenção Primária e Saúde Indígena, e foi evidenciada a necessidade de acolhimento intercultural e escuta qualificada para o sofrimento. “O profissional deve reconhecer o território indígena, entender o processo de saúde-doença daquela população e seu código de valores que é diferente do código ao qual se está acostumado, por exemplo”, afirmou a antropóloga da SESAI Roberta Cerri Reis.
A Articulação com as Redes de Atenção Psicossocial e a Qualificação dos Serviços foram os outros dois eixos da oficina, e expoem a dificuldade de vinculação das equipes de saúde aos indígenas seja por distância geográfica ou mesmo por desconhecimento das especificidades de cada etnia.
Os condicionantes étnico-culturais dos problemas de saúde mental no contexto indígena e suas soluções devem incluir os saberes e práticas indígenas como uma possibilidade de cuidado das populações. Para o psicólogo da SESAI Fernando Pessoa Albuquerque, o contexto indígena é pouco explorado na psicologia, e por isso mesmo um campo amplo de trabalho. “ O Conselho Regional de Psicologia de São Paulo faz discussões com o Grupo de Trabalho de povos indígenas e agora o Conselho Federal de Psicologia deu diretrizes para que outros conselhos mobilizem o tema localmente”, diz.
O conteúdo da Oficina vai subsidiar um material orientador da atenção psicossocial no contexto indígena, a ser produzido pelo Grupo de Trabalho de Atenção Psicossocial aos Povos Indígenas, que se reúne mensalmente no Ministério da Saúde e é coordenado pela Área Técnica de Saúde Mental e do qual as consultoras da PNH Cecília Marques e Stella Chebli participam.
A saúde indígena tem sido uma das prioridades da PNH desde o ano passado. A aproximação das aldeias com a cultura das cidades tem dado visibilidade a problemas de saúde mental no contexto indígena, como o suicídio, violência e o abuso de álcool e outras drogas.No Grupo de Trabalho se buscam diretrizes para criar uma saúde mental que faça sentido para essa população, e uma clínica possível nos territórios indígenas, dos quais os CAPS não fazem parte. “A lógica do CAPS é o cuidado no território, mas para o indígena, se deslocar para fora da aldeia até o CAPS é sair do seu território. Utilizar a clínica ampliada e o matriciamento às equipes de saúde do DSEI é importante para cuidar do indígena em seu território, ” afirmou Marques.