A Íntima Utopia – Polack no Brasil

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"É preciso fazer o múltiplo, não acrescentando sempre uma dimensão superior, mas, ao contrário, da maneira mais simples, com força de sobriedade, no nível das dimensões de que se dispõe (…)" – Gilles Deleuze e Felix Guattari

 

Jean-Claude Polack, psiquiatra francês, está no Brasil e fez uma roda de conversa inicialmente em São Paulo, na PUC. Sua figura lembra o típico intelectual francês, mas a prática nada tem dos intelectualismos estéreis de certas abordagens que privilegiam a via linguageira no trato com a psicose e os psicóticos.

Polack discute o trabalho clínico a partir de uma dimensão humana da loucura, "esse fragmento de espelho que cada um carrega com grande esforço para que lhe sejam menos estranhas suas próprias rupturas" (  A Íntima Utopia – São Paulo, n-1 edições, 2013 ). O lançamento de seu livro, em parceria com Danielle Sivadon, aconteceu neste mesmo encontro.

Trabalhou e viveu a vida de "La Borde", instituição criada por Jean Oury e Felix Guattari, nos anos sessenta. Época de intensas militâncias que desterritorializavam os velhos modos de viver. E que até hoje inspiram novas abordagens sobre o tema, fertilizadas também pelas novas conexões deste nosso século marcado pelo ethos das fragmentações. Ele se pergunta pelo porque de continuarmos falando de psicose neste tempo de todas as loucuras. Bela e potente questão.

Em La Borde, ao lado do parceiro Guattari, morava Polack. Morava porque não via sentido em não estar no mesmo território que os loucos e mergulhar na criação conjunta com eles de um modo de conviver como dispositivo terapêutico. Mesmo na França de hoje, em seu trabalho de consultório, não vê a relação dual sem que ela passe por instituições e instituintes, agenciamentos coletivos sem os quais, como referi anteriormente, a análise torna-se uma prática estéril e transcendente em relação à nossa humanidade. Polack diz estar mais interessado nessas combinações materiais dos agenciamentos do que na sua significação.

Pois bem, de que fala Polack?

A talking cure inventada por Freud passa ao largo dos modos relacionais ou de uma outra lógica do pensamento dos processos psicóticos. O psiquiatra francês prefere falar em "processos" do que deixar-se levar pelas supostas certezas dos quadros clínicos ou diagnósticos tipificados e "estruturas". Percebe que "muito frequentemente, as categorias da psicose, da neurose e da perversão têm sido cuidadosamente separadas apenas para, em seguida, melhor descrever a mistura de suas particularidades em formas híbridas, mistas, limites, mediais ou monstruosas. Uma vez ultrapassado o longo período dos "quadros" instituídos pela situação hospitalar – a era de Kraepelin -, os psicóticos parecem rachar os quadros nosográficos mais bem estabelecidos. Sua evolução diverge de acordo com o contexto da acolhida e dos cuidados, as concepções de seus médicos, as atitudes conscientes e principalmente inconscientes dos que tratam deles".

Dois modos antinômicos de abordar a loucura surgiram mais recentemente na França e reverberam por outros cantos. Jacques Lacan, pela via da abordagem linguística e estrutural, pensou na psicose como um colapso metafórico do discurso, com sintaxe desarticulada. Língua confusa, disfunção da conexão entre o simbólico, o imaginário e o real. Diagnóstico rigoroso no lugar de abrir possibilidades para um devir.

Por outro lado, um outro pensamento emerge a partir das análises cruciais de Foucault sobre a história loucura e de suas instituições, abrindo as bases para uma abordagem mais complexa desta realidade. Segundo Polack, "Gilles Deleuze e Félix Guattari, com o Anti-Édipo e Mil Platôs, abriram para nós a trava tripla do Sujeito, do Significante e da Estrutura, elevados por muito tempo à categoria de universais modernos. Eles evidenciaram as ligações, múltiplas, "rizomáticas", entre o Inconsciente e a História, o Desejo e a Economia Política, a Subjetividade e os agenciamentos sociais. Não para fundir Marx e Freud, nem para invalidá-los, mas para abrir, às vezes de modo iconoclasta, novos espaços de liberdade: pensar melhor, a um só tempo, os avatares da História e os impasses da Razão. Eles permitiram que considerássemos uma experiência, sem nos converter a uma religião ou prestar contas de nossas filiações" (p.17).

Nada mais contemporâneo, em todas as acepções desta palavra, que o modo esquizoanalítico de ver o mundo, que não se quer único nem essencial. Não se espalha massivamente como as concepções naturalistas/essencialistas da vida porque tem existência marcada pelo minoritário.

Pensamento afetado pelo ethos fragmentário como instituinte de liberdades…

Obrigada, Polack!!!