Metodologia participativa de eleição

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Durante os 5 anos em que trabalhei na rede de saúde da Prefeitura Municipal de Campinas alguns serviços de saúde me convidaram a auxiliar no processo de mediação para a eleição do colegiado gestor. A metodologia utilizada nessas ocasiões não foi inventada por mim, mas sim anteriormente vivenciada em outro espaço de trabalho (a Incubadora de Cooperativas Populares da Unicamp) onde a metodologia havia sido aplicada para a eleição da coordenação. Desconheço o(a) autor(a) desta metodologia e, por esta razão, não o(a) estou citando.

Escrevi este documento afim de deixar registro para as equipes e trabalhadores que vivenciaram o processo eleitoral, na tentativa de criar um instrumento para que possam replicá-lo, caso seja de interesse.
 

Metodologia de eleição

Essa metodologia foi proposta de forma a realizar um processo eleitoral que possa ser legitimo e transparente dentro de um grupo, para tanto ela prevê que os posicionamentos sejam explícitos e que todos os integrantes do grupo sejam verdadeiramente corresponsáveis por esse processo. Nesta metodologia o candidato emerge do grupo e as divergências e tencionamentos existentes com relação à função e às competências para o seu exercício ficam claros durante o processo eleitoral, sendo assim prevê a participação de TODOS os envolvidos em TODAS AS ETAPAS de realização.
Faremos aqui o passo-a-passo do processo a fim de facilitar mediações futuras desse tipo de processo eleitoral.
Sugerimos que a pessoa a mediar o processo tenha participado dele pelo menos uma vez antes de aplicá-lo.

ETAPA 1: Acordos iniciais.

Essa é uma etapa que antecede o processo eleitoral em si, podendo ser entendida como pré etapa. Pode ser realizada em um ou mais encontros, anteriormente ao processo eleitoral propriamente dito.
Nesse(s) encontro(s) o coletivo deve fazer ou refazer os acordos referentes à(s) vaga(s) a ser(em) preenchida(s). Deve ficar claro quais são as atribuições do cargo, quais são as expectativas coletivas em relação a esta função, qual o tempo de duração do mandato, quantas vagas são, se suplentes serão eleitos também, se existem situações especiais em que alguém pode ou não votar ou ser votado, se existe necessidade de composição por seguimento (no caso de mais de uma vaga), se é possível reeleição, etc.
Esse é o momento para refazer qualquer acordo ou explicitar eventuais criticas ou descontentamentos relacionados a função a ser votada em si, pois o grupo estará votando em alguém que irá exercer sua função e poderá ser cobrado de acordo com os contratos feitos inicialmente. É  o momento de colocar sua duvida referente ao cargo em pauta! Exerça!

ETAPA 2: Eleição

É necessário que alguns contratos sejam feitos inicialmente:
TODOS os envolvidos devem participar ativamente de todas as etapas do processo. Não é possível participar como ouvinte, não é possível ficar na sala se a pessoa não pode votar ou ser votada, não é possível sair no meio da votação, não é possível se abster do voto. Isso porque o processo prevê a corresponsabilização de todos os envolvidos, então todos devem participar ativamente, inclusive com seu posicionamento claro e explicito para os demais.
O mediador poderá alterar a ordem de votação, de preferencia da forma mais aleatória possível, afim de fazer circular a opinião. Ex: se todos estão sentados em circulo o mediador pode iniciar uma rodada com um participante sentado na face norte do circulo e a segunda rodada com um participante sentado na face sul da roda.
O grupo deve poder confiar de antemão na mediação no sentido de que não há a intenção de favorecer ao longo do processo um ou outro candidato. Alguns grupos optam por escolher um mediador externo, enquanto outros optam pela mediação de alguém que não pode ser votado no momento, por exemplo por estar saindo de um cargo que impede reeleição.
TODOS os presentes podem votar e serem votados. Ou seja, mesmo que o grupo tenha acordado que a reeleição não é possível, se todos votam na pessoa que ocupava anteriormente o cargo, isso pode ser um indicador de que tal acordo não era legitimo dentro do grupo.
As rodadas devem ser previamente explicadas aos participantes antes de seu incio. Indicamos fortemente uma etapa teste, em que o grupo faz uma rodada de votação para um cargo imaginário, afim de esclarecer o processo, uma vez que se trata de uma metodologia bastante diferente das vividas anteriormente.
Se houver mais de uma vaga TODO O PROCESSO que se segue deve ser repetido para cada uma das vagas. Não existem primeiro, segundo, terceiro colocados.

Seguem aqui os 4 momentos referentes ao processo eleitoral em sí:

1- Indicação
Nesse momento cada um dos participantes vai indicar seu candidato de escolha, as seguintes regras devem ser mantidas:

  • é possível fazer auto indicação ou indicar outro membro do grupo;
  • não é possível indicar um membro do grupo que não compareceu a reunião, não importando qual foi a justificativa deste não comparecimento;
  • da mesma forma, o voto de quem não está presente não deve ser levado em conta;
  • todo voto DEVE ser justificado com base nas qualidades do seu candidato para a função acordada pelo grupo. Não vale não justificar ou justificar baseado em outros critérios (ex: porque a pessoa é legal, bonita, cristã, minha amiga…);
  • apenas falas sobre o seu candidato são validas, não se deve falar nesse momento das qualidades das outras pessoas indicadas;
  • o mediador deve escrever em local visível os nomes indicados e a quantidade de votos para cada nome.

2- Manter ou mudar o voto
Com base no que foi dito pelos colegas o participante pode escolher manter o voto ou mudá-lo. Nesse momento todos devem se posicionar novamente. Aqueles que mantem seu voto devem dizer “mantenho o meu voto em (nome da pessoa)” não é necessário justificar novamente. Aqueles que desejam mudar o voto devem dizer “mudo meu voto de (nome do primeiro indicado) para (nome do segundo indicado)” e então justificar o motivo da mudança, justificando as características do novo candidato para exercício da função. Novamente não se deve falar dos outros candidatos em pauta, em quem o “eleitor” não está votando.
Novamente o mediador deve escrever em local visível os nomes indicados e a quantidade de votos para cada nome.
Ao fim dessa rodada deverá haver um candidato majoritário, caso isso ocorra haverá a terceira rodada. No caso de empate a segunda rodada irá ser repetida afim de realizar desempate. Se não houver desempate o grupo deve debater uma forma de solucionar a questão. O mediador não é responsável por apresentar solução.

3- Consentimento
Nessa rodada os participantes podem consentir OU NÃO no candidato majoritário e esse consentimento pode ser feito COM OU SEM RESSALVAS. Nesse momento apenas aqueles que não votaram no candidato majoritário devem se pronunciar. Essas pessoas devem dizer se consentem no candidato majoritário, podendo haver 3 tipos de situação:

  • Consentimento total: a pessoa consente sem ressalvas. Nesse caso não é necessário justificar.
  • Consentimento com ressalvas: a pessoa explicita seu consentimento mas coloca uma ressalva, que pode ser algum aspecto que o candidato votado ou o grupo devem observar frente a possibilidade da posse. A ressalva deve ser feita com base nos acordos do grupo para o exercício da função e, uma vez aceitas, tornam-se um compromisso caso esse candidato de fato venha a assumir a função.
  • Não consentimento. A pessoa pode não consentir na eleição do candidato majoritário e, neste caso, deve explicitar seus motivos, sempre com base nas competências do mesmo para a função em votação. Neste caso abre-se um debate e o grupo deve encontrar uma solução para a situação. Novamente não é de responsabilidade do mediador resolver o impasse.

O candidato majoritário não se posiciona nesta rodada, não revida criticas, não responde perguntas, etc. Ele apenas escuta as contribuições dos demais.

4- Aceite
Após o consentimento de TODOS os envolvidos é a vez de o candidato majoritário responder se aceita ou não a indicação. Caso ele aceite, deve responder às ressalvas feitas, com as quais o candidato e o grupo devem se  comprometer. Caso não aceite o grupo enriquece com a vivência do processo democrático e inicia novamente o processo eleitoral.

Este processo se repete, com as 4 rodadas, para cada vaga a ser preenchida.

 

Uma descrição desta metodologia também pode ser encontrada aqui: https://www.itcp.unicamp.br/empirica/?q=node/82