II Encontro Nacional dos Povos Indígenas
Entre 23 e 25 agosto, 21 povos e comunidades indígenas participaram o II Encontro Nacional dos Povos Indígenas, em Santarém, Oeste do Pará.
Durante o encontro, os povos indígenas debateram sobre as principais demandas e lutas. Reafirmam a necessidade da demarcação dos territórios tradicionais e da realização das consultas prévias, com poder de veto, sobre os projetos de infraestrutura que impactam suas terras e modos de vida.
Também identificaram como demanda a melhora e eficácia das políticas públicas nas áreas da saúde e educação indígenas.
Leia abaixo o documento:
Documento final do II Encontro Nacional dos Povos Indígenas Resistentes
Nós, povos e comunidades indígenas Guarasugwe, Tupinambá, Migueleno, Cumaruara, Arapiun, Borari, Mura, Arara Vermelha, Apurinã, Krenyê, Kanela Apanekra, Munduruku, Munduruku Cara Preta, Maytapu, Kokama, Miranha, Wai Wai, Tupaiu, Krenak, Maragua, eTapajó, em luta pelo reconhecimento étnico e territorial, reunidos no II Encontro Nacional dos Povos Indígenas Resistentes, nos dias 23 a 25 de agosto de 2013, em Alter do Chão, município de Santarém (PA), socializamos nossas lutas, conquistas e desafios e nos defrontamos com a realidade de desrespeito e ameaça aos nossos direitos.
Constatamos que nossas terras continuam sem ser demarcadas e estão invadidas por fazendeiros, madeireiros, pescadores, garimpeiros. Em várias delas houve sobreposição de unidades de conservação, desrespeitando o nosso direito ao usufruto exclusivo dos recursos naturais, como garante o artigo 231 da Constituição Federal. Sofremos os impactos de grandes empreendimentos hidrelétricos, madeireiros, minerários, agropecuários e de construção de estradas, que colocam em risco a existência futura de nossos povos e depredam o meio ambiente. Frequentemente, aqueles que têm a intenção de usurpar nossas terras utilizam os meios de comunicação social para dizer que não somos indígenas e, assim, negar o nosso direito à terra. Várias de nossas lideranças estão ameaçadas de morte e a violência contra as nossas comunidades vem aumentando por causa da morosidade governamental na demarcação de nossas terras. Nossos direitos constitucionais estão sendo atacados pelos setores antiindígenas vinculados ao agronegócio, que agem dentro do governo federal e do Congresso Nacional para paralisar a demarcação de nossas terras, para diminuir as já demarcadas e para que as grandes empresas possam explorar os recursos naturais que estão dentro delas.
Constatamos também que o nosso direito de ser consultados sobre todas as medidas administrativas e legislativas que afetam os nossos povos, assegurado na Constituição Federal e pela Convenção 169 da OIT, está sendo desrespeitado. É o que vem acontecendo, por exemplo, com a construção das hidrelétricas na Amazônia que trazem graves consequências para as comunidades indígenas e tradicionais que vivem ao longo dos rios, desde as cabeceiras até a foz. O povo Munduruku, que exige o direito de ser consultado sobre o projeto de construção da hidrelétrica de São Luis, no Rio Tapajós, está sofrendo a repressão da Polícia Federal (PF) e da Força de Segurança Nacional, que ocuparam a região para impor a realização de estudos dentro de suas terras para a construção da obra, sem que tenham sido consultados previamente, como manda a lei. Como forma de intimidação, em novembro do ano passado a PF ocupou a aldeia Teles Pires e assassinou um indígena Munduruku. Manifestamos a nossa solidariedade ao povo Munduruku e exigimos que todos os povos indígenas e comunidades ao longo da bacia do Tapajós sejam consultados.
Associado ao desrespeito ao nosso direito à terra demarcada e garantida, constatamos o descaso em relação à atenção à saúde e à educação indígena em nossas comunidades. Apesar de pequenas conquistas, os problemas continuam enormes. Existem situações em que os órgãos públicos se negam a construir estruturas permanentes com a alegação de que as terras não estão demarcadas. Os concursos públicos necessários para a contratação dos profissionais indígenas e não indígenas são constantemente protelados. As escolas funcionam precariamente com falta de recursos didáticos e financeiros, bolsas de estudo são destinadas a pessoas não indicadas pelas comunidades, a direção de escolas está nas mãos dos brancos e as escolas funcionam sem Projetos Políticos Pedagógicos que assegurem uma educação escolar indígena específica e diferenciada. Na atenção à saúde, as equipes multidisciplinares não estão completas, não existe um atendimento sistemático e os parentes que precisam recorrer ao SUS, muitas vezes passam meses jogados nas Sesai’s, indo até a óbito, antes de conseguir realizar os exames e serem atendidos nas unidades hospitalares.
Exigimos respeito às nossas identidades indígenas e ao direito à autoidentificação, assegurado na Convenção 169 da OIT. Não aceitamos que o limite de nossas terras seja definido num balcão de negócios com os representantes daqueles que ao longo da história invadiram e se apropriaram das mesmas de forma inescrupulosa. A Constituição Federal estabelece de forma clara quais são as nossas terras. São aquelas “terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”. São esses critérios que devem ser obrigatoriamente observados pelo governo, e não outros, para estabelecer os limites. Não existe, portanto, nenhum motivo para a demora nas demarcações muito menos para a sua paralisação, como vem acontecendo.
Queremos que a Funai tenha condições e faça o seu trabalho de identificação e proteção de nossas terras de forma isenta e com os recursos financeiros necessários, e não para avalizar em nosso nome os grandes empreendimentos que impactam nossas terras. Também queremos uma atenção à saúde e à educação que valorize as nossas culturas, nossas línguas indígenas, a medicina tradicional, as nossas crenças e que fortaleça nossos projetos de vida.
Exigimos que seja realizado um amplo processo de consulta aos povos indígenas sobre os empreendimentos governamentais e da iniciativa privada que impactam as nossas terras. Exigimos, igualmente, que seja respeitado o nosso direito de consulta a respeito da proposta anunciada pelo governo de modificar o procedimento de demarcação das terras indígenas e em relação às Propostas de Emenda Constitucional e aos Projetos de Lei em tramitação no Congresso Nacional.
Saímos do Encontro convencidos da força que tem o movimento indígena mobilizado, com o qual nos comprometemos a somar, desde as aldeias até os centros de decisão. Solicitamos o apoio de todos os que acreditam na nossa causa e que buscam novas relações humanas e com a natureza.
Somos povos resistentes. Lutaremos sempre, não desistiremos nunca.
Por Luciane Régio
Destacando:
"(…) queremos uma atenção à saúde e à educação que valorize as nossas culturas, nossas línguas indígenas, a medicina tradicional, as nossas crenças e que fortaleça nossos projetos de vida."
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