COMIDA PARA FORMIGAS
Por motivos que esclarecerei posteriormente, dediquei algumas horas de meu fim de semana para ampliar meus conhecimentos sobre as formigas. Descobri que elas são classificadas como Insetos, pois possuem as características desta Classe, que são: invertebrados com exoesqueleto quitinoso, corpo dividido em três segmentos (cabeça, tórax e abdômen), três pares de patas articuladas, olhos compostos e duas antenas. Fazem parte juntamente com as vespas e abelhas, da Ordem Hymenoptera. Elas compõem o grupo mais numeroso dentre os insetos, formando a Família Formicidae. Dentre suas características a mais interessante é a capacidade de desenvolver níveis avançados de sociedade, chamada eusocialidade. É o gênero animal de maior sucesso na história terrestre, constituindo de 15% a 20% de toda a biomassa animal do planeta. Boa parte deste sucesso deve-se a seus amplos hábitos alimentares, onde existem desde espécies que cortam e coletam folhas nas florestas para cultivar os fungos dos quais se alimentam, até as que possuem o hábito de atacar e alimentar-se se outros animais.
Agora vamos aos esclarecimentos. Minha superficial pesquisa sobre as formigas se fez necessária para buscar esclarecer um fato que ocorreu durante esta semana em meu estágio na USF Felipe Camarão II. Desde o inicio de meu estágio, como membro da equipe 07, tenho conseguido ampliar diversos conhecimentos sobre a assistência na atenção básica, mais estes não serão o foco deste texto. Mas sim, a experiência que tenho vivenciado referente aos cuidados prestados a uma paciente específica, a Sra. T., portadora de uma neoplasia de pele de grandes proporções em MIE.
Para os que não a conhecem, a Sra. T., encontra-se em estado de elevado déficit nutricional, de higiene e de cuidados. Apresenta sinais evidentes de abandono familiar, ficando pressa durante as 24 horas do dia a uma cama em um sujo, úmido e escuro quarto nos fundos da casa de uma de suas filhas, onde permanece sozinha durante toda a noite e grande parte do dia. Sendo rotina de nossa equipe encontrá-la com fralda suja, lençóis e cama imundos.
Não vou relatar aqui os fatos que levaram a Sra. T. a esta situação, nem a situação familiar complicada que vive, nem as diversas ações promovidas pela equipe 07 buscando a melhoria das condições de saúde dela, pois o texto ficaria muito longo, e estes também não foram os motivadores deste texto.
Vamos então à motivação. Nesta semana, ao efetuarmos visita para a troca de curativos, além de todo quadro deprimente que visualizamos a cada dia, surgiu um fato novo. Ao nos aproximarmos dela, visualizamos novas lesões nos membros inferiores, especialmente entre os dedos dos pés e calcanhares, para nossa surpresa estavam sendo causados por centenas de formigas que se alimentavam da pele da Sra. T., que mesmo ainda estando consciente, mas pelo agravo de situação já não possui mais forças para reagir, aceitando passivamente a ação do apetite das formigas. É claro que efetuamos a retirada das formigas, a troca dos curativos, movemos a cama de lugar, orientações para combatê-las, etc… Mas no fim, permaneceu o sentimento que no que depender de sua família não ocorrerá melhorias.
Este quadro, ver uma pessoa servindo de comida-viva para formigas, nos comoveu fortemente. Servindo para refletirmos sobre: O que fazer? Quais são os limites de nossas ações quanto ESF? Qual o papel da família? Qual o papel do Estado? Por quanto tempo mais a Sra. T. sobreviverá?
Vale mais uma vez ressaltar o trabalho da nossa equipe ESF, que insistentemente busca soluções e alternativas para este caso, mesmo diante de todas as dificuldades vivenciadas e comuns às UBS.
Por fim, minha pesquisa serviu para criar uma classificação particular para as formigas que possivelmente estão comendo os pés da Sra. T. neste momento, elas pertencem a Classe: Da Indiferença Humana, a Ordem: Do Abandono, a Familia: Do Desajuste, a Espécie: da Solidão.
Fica o desabafo.
Esse texto foi escrito por Kaio Câmara, aluno de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que tive o prazer de acompanhá-lo em estágio na Estratégia Saúde da Família durante quatro meses. Um ser humano de grande coração.
Por patrinutri
Com certeza é esta questão que seu texto nos convoca a pensar.
Está claro aqui que cumprir o papel técnico da saúde: fazer o curativo, dar remédio, orientar quem seja o cuidador , embora seja o que está no protocolo não gera uma solução definitiva, mas só paliativa para o caso aqui relatado.
Claro que temos aqui um recorte do mesmo, mas me parece suficiente para pensarmos que se co responsabilizar com o trabalho envolve outras instâncias para além de ações protocolares.
Levar o caso de volta a equipe, discuti-lo de forma ampla, pode ser um primeiro passo para uma ação mais efetiva. Ampliar a Clínica, grande passo para produção de saúde. Construção de um plano terapêutico para a Sra T, com ações em paralelo que serão suportadas por toda a equipe, ação de equipe.
Com certeza gestor da saúde, ouvidoria, conselho do idoso, assistência social, e até o ministério público poderão tomar parte na construção deste plano de cuidado, mas a equipe deve seguir acompanhando.
Esta caso poderá ser um momento de ajudar sim a Sra T, mas uma grande ação de saúde no fortalecimento do vínculo no sentido de ampliação do conceito de saúde.
Patrícia S C Silva