há algo de vespa na partitura da orquídea – Eduardo Passos
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“Fale com ela”, disse Almodovar
“Ce que disent les enfants”, disse Deleuze em “Crítica e Clínica”
Reproduzo aqui uma bela passagem de uma roda de conversa virtual ( em maio de 2008 ) com Edu Passos, onde se falava do plano do comum. Esta conversa se deu a partir de uma questão minha sobre a criação de novos transtornos, supostas doenças e diagnósticos na clínica contemporânea com a infância.
Entre a vespa e a orquídea algo se passa que as liga. Deleuze e Guattari chamavam de “devir-aparalelo” esta forma de sintonia entre o reino animal e o vegetal. Os reinos em sintonia ecológica tal como no acorde(o) de uma partitura que von Uexkull designou de natureza.
Há algo de vespa na partitura da orquídea e vice-versa. Ouvimos o acorde. Elas agem no acorde. Quem é responsável por esta composição? Música sinfônica, partitura em contraponto, mas quem é o compositor? No entanto persiste o problema: é suficiente a tese darwiniana do acaso? Ou precisaríamos supor a hipótese arrojada de Lamarck de que transmitimos hereditariamente o adquirido na relação com o meio? Isto é, o acordo(e) entre a orquídea e a vespa, ou aquele entre a aranha e a mosca, deve-se ao acaso da mutação ou à transmissão do adquirido?
Von Uexkull reinvindica uma terceira hipótese: nem acaso, nem herança do adquirido, mas um PLANO DA NATUREZA como um PLANO COMUM, que mantém os seres vivos e seus respectivos universos existenciais ( “mundos próprios” ) em relações complementares de “contraponto”. Ou seja, uma relação onde, na sinfonia natural, cada ser tocaria uma nota que entraria em correspondência com a nota tocada por outro, constituindo um acorde ou um plano sinfônico. “Cada animal é capaz, como qualquer instrumento, dum determinado número de sons, que entram em relação contrapontal com os sons de outros animais” ( Uexkull, 1913:160 ).
Estamos todos ligados por uma afinidade musical, composicional e é porisso que podemos conhecer a realidade que nos diz respeito. Conheço porque me sintonizo, acordo. Como conhecer, então, a realidade de uma criança dita hiperativa ou com dislexia? Buscar os determinantes da “disfunção” no próprio sujeito ou no meio? Fazer assim a pergunta é colocar-se na posição do observador de terceira pessoa, à distância, neutro, “objetivo”. Distante, observo a relação do sujeito consigo mesmo e/ou com o seu ambiente ( a família, a sociedade, a cidade ). Observo um objeto. Sou um sujeito para um objeto ( S – O ). Distante, observo relações e busco invariantes. Mas assim excluído da relação – só observando relações – PERCO ISSO QUE SE PASSA ENTRE NÓS, entre eu e ela, entre eu e a criança.
Entre nós algo se passa que é tal como uma música a ser ouvida, experimentada. Recompor esta partitura sinfônica que nos toca, eis a tarefa. Há algo da partitura da criança que me diz respeito. Podemos sintonizar ( o tunning de Daniel Stern ). Neste caso, o que interessa ( o inter – esse ) é o que se passa entre nós ( os nós da rede de que Ricardo Teixeira nos fala ). Sujeito e objeto co-emergem na relação, se codeterminam, se co-responsabilizam pelo que vai ser conhecido.
Por Emilia Alves de Sousa
Oi Iza,
Que belo texto em que traz esse paralelo entre a vespa e a orquídea, dois seres diferentes mas ligados pela necessidade de sobrevivência, compondo uma bela partitura de interdependência existencial.
Levando essa reflexão para a rede, percebemos essa composição de partitura sinfônica entre os nós sujeitos, na medida em que se relacionam, se interagem na construção do comum.
As suas reflexões inspiradas nas reflexões do Edu Passos também ressoam como músicas sinfônicas.
Um beijão!
Emília