O que Você Espera de Quem Está Morrendo?
O sociólogo canadense Erving Goffman (1922-1982) cunhou o termo "expectativa normativa". Ao estabelecermos interações com outros seres humanos criamos expectativas de seus comportamentos dentro de determinados cenários. É isso fundamentalmente que permite parte da vida social na medida em que, ao observarmos as pessoas em seus contextos, não nos questionamos sobre o sentido do que fazem. Imagine se entrássemos em questionamentos crônicos sobre se o vendedor de sapatos seria na verdade vendedor de sapatos ou se o médico no hospital de fato é médico. O tempo todo agimos e sofremos a ação de outros seres humanos com base na identidade pressuposta que temos uns dos outros.
Isso implica, na perspectiva dramatúrgica de Goffman, que produzimos interações com base nos papeis que exercemos o que pode, algumas vezes, colocar em questão o sentido que possuem nossas identidades para nós e os outros se os papéis não atendem as expectativas da platéia e\ou do próprio ator. Assim, existe um script para "mulheres casadas", "sacerdotes", "militares", "terapeutas", "professores", "filósofos" etc. Não suprir as expectativas que temos do exercício desses papéis em determinados contextos provoca estranhamentos e até imposições para que os papéis se exerçam "normalmente".
Assim, ao que parece, temos uma expectativa normativa de como deve se comportar as pessoas moribundas. Pacientes graves devem estar deitados em seus leitos, de preferência em hospitais. Sua submissão à vontade da equipe deve ser absoluta. Sua vulnerabilidade física e mental compromete seus desejos e julgamentos, o que torna seus cuidadores "surdos" frente a determinadas necessidades não condizentes com quem está morrendo.
Como uma pessoa a beira da morte atreve-se a querer ir ao estádio para ver seu time na decisão do campeonato? E o idoso completamente combalido, não entende que seu lugar é num leito de UTI e não na formatura do bisneto? E a atriz de teatro com esclerose múltipla que insiste em assistir a montagem de uma peça de Ibsen, não percebe que seu lugar é na cama a espera da morte? Estamos acostumados que as pessoas que estão morrendo exerçam papeis complacentes e sem que nos apercebamos nos preparamos para um dia representarmos nosso fim da mesma maneira, afinal, a morte é feia e nos tornamos "feios" com ela. Não devemos dar trabalho, não podemos constranger as pessoas com nossa imagem terrível.
Mas não foi assim que o norteamericano Scott Nagy (56 anos) quis viver o seu papel. Diagnosticado com câncer e não mais respondendo aos tratamentos, foi rotulado como "paciente terminal". Mas ainda assim, queria levar sua filha ao altar. Para isso contou com a ajuda adequada de profissionais preparados tecnicamente e sensíveis às suas necessidades. Nenhum aparato gigantesco foi mobilizado e o custo financeiro deve ter ficado muito longe das dispendiosas ressonâncias magnéticas realizadas em pacientes imersos em distanásia. Na foto vemos Scott feliz ao lado da filha.
Aqui e ali despontam os (im)pacientes que percebem novas possibilidades de se viver intensamente…até o fim. Pode ser uma grande viagem ainda não realizada, uma tarefa importante não cumprida ou mesmo uma tarde de verão ao lado de quem não se via e falava a muito tempo. A vida pode pulsar de alegria se a dor estiver sob controle e as pessoas perceberem que novos papeis podem ser representados em velhos palcos. Basta que a gente incorpore o personagem humano que vive em nós e o preparemos para a derradeira estréia que acontecerá algum dia!
Carpe Diem…sempre!
Veja AQUI a notícia sobre Scott Nagy na Folha de São Paulo.
Por Sabrina Ferigato
Emocionante Erasmo!!
Belíssimo post! Que a história de Scott Nagy inspire muitos corações e impulsione o crescimento de práticas inventivas e sensíveis na atenção aos pacientes em situação como essa.
Obrigada por compartilhar a experiência!
Beijos
Sabrina