Viagem Insólita: ou de como me percebo no contexto da violência enquanto ser que se humaniza na ação
Viagem Insólita: ou de como me percebo no contexto da violência enquanto ser que se humaniza na ação comprometida
Vera Dantas
Meus passos ressoam no território vivo, lugar onde construo minha vida no trabalho. Por ele sigo tentando encontrar trilhas que me conectem com o universo das famílias com as quais construo o meu cotidiano de profissional de saúde da família.
O que vejo nesses itinerários que construo e reconstruo dia a dia, sozinha ou com meus companheiros de equipe?
Que potências encontro nesses atores que a vida colocou em meu cenário de atuação?
Como os percebo?
Meros objetos de minha intervenção?
Pessoas apenas carentes de atenção, de cuidado, de orientação, ou sujeitos, gente que quer ser mais e nem sempre encontrou os espaços para tal?
Que práticas de saúde ou de doença estou a construir?
Em minha caminhada, o que encontro?
Aqui deparei-me com uma criança cuja agressividade esconde como se encontra gravemente ferida no corpo e na alma pela ação criminosa de alguém que macula seu corpo sexualmente.
E eu, o que fiz?
Reagi?
Me incomodei ou apenas me acomodei?
Na rua outras crianças com suas infâncias roubadas mendigando sob a ordem de falsas mães? Mães verdadeiras?
Onde estará a fronteira entre o falso e o verdadeiro?
Como olho pra esse cenário?
Que reações me provocam?
Ou simplesmente não me sinto provocada?
Estou quase adentrando aquela casa quando ouço gritos abafados. Castigo e penas a alguém a quem, enquanto ser criança, não é permitido errar pra aprender e tem de se submeter à ótica do adulto.
Adulto algoz ou educador?
Talvez pai, padrasto ou então tutor?
A ele cabe disciplinar, dizem alguns!
E eu nessa essa história, entro na história?
Chamo o conselho tutelar?
Ou vou caindo fora?
É noite e ainda estou no território a caminhar, quando vejo alguém que sai do bar e, ao entrar na casa que ocupa,
Faz-se senhor e soberano.
Lá dentro, alguém espera trêmula, temerosa…
Em um relance gemidos se fazem ouvir, mas não são sussurros de prazer
Não, não são!
São gemidos de dor, de sofrimento,
Que deixam marcas e feridas
Na alma, na cara, no corpo inteiro,
Mas a voz cala!
E eu o que fiz?
Busquei saber?
Acolher?
Orientar?
Cuidar?
Ou apenas me escondi numa couraça protetora?
È tarde!
Volto pra casa exausta após mais um dia de trabalho.
O que me foi solicitado?
Receitas, exames, prescrições…
O que realizei? Conselhos, normas, rotinas, remédios, dietas, monólogos, por vezes vazios de sentido, até pra mim…
O que vi realmente em cada ser, cada família com quem me deparei?
O que me disseram nas expressões não verbais: olhares, gestos e silêncios, lágrimas ou sorrisos por vezes desdentados?
Com que me envolvo?
Com que me comprometo?
Com que me identifico?
Há muitos riscos?
Devo correr o risco?
Como escapar do risco?
Quem me protege?
O que me protege?
Quem pode me ajudar?
Quem pode compartilhar e complementar a minha ação?
Qual o meu papel nessa questão? Vou assumi-lo?
Como fazer isso? Com que instrumentos? Com poderia me aliar?
Como vencer o medo que imobiliza?
Como tecer redes, atar os nós da solidariedade?
Como romper o silêncio que oculta?
As perguntas vão me fazendo olhar em volta
Vejo pessoas, movimentos em suas potências
Vejo luzes, vejo caminhos
Caminhos…….
Não estou sozinha.
Eu vou com eles e com elas
E você?????
Por Sonia Mara de Fatima Ferreira
Verinha, quantas vezes me pego pensando e me questionando a respeito do meu cotidiano, trabalho no capsad , suas angustias são minhas e acredito que de muitos que como nós somos trabalhadores da saúde. Quando acolho meu usuário penso no que esta por trás da sua história de vida, e quando realiso a visita domiciliar é que vem os questionamentos, como ele pode ser cuidado em casa? que estrutura se tem de continuidade? são tantos, volto cansada, mas no outro dia lá estou eu novamente, que bom se todos pudessem se perguntar de como estou fazendo, com certeza os resultados seriam os melhores.