O diagnóstico de violência e a violência de um diagnóstico: a judicialização da clínica
Acabou um tempo em que algumas situações de violência, como aquelas contra crianças e contra mulheres, eram ignoradas pelos serviços de saúde. Preocupados com doenças e em ordenar condutas, não reparavam em tragédias do cotidiano. Até aí muito bem. Desdobram-se então equipamentos auxiliares para casos extremos: conselhos tutelares, varas da infância, delegacia da mulher etc.. Até aí, muito mal. Porém, menos pior para situações terríveis.
O problema é quando profissionais de saúde, habituados a uma relação de poder bastante vertical com os usuários passam a procurar, não problemas de saúde, com os quais possam contribuir (quando é o desejo do usuário), mas sim crimes, com objetivo de denunciarem para esta ou aquela instância. Em vez de profissionais de saúde, tornam-se detetives e policiais disfarçados. Casais em conflito e inevitáveis problemas com os filhos, estão cometendo “violência psicológica”. Idosos que se reusam a morar com os filhos, é porque têm filhos “negligentes”. Adolescentes ou crianças que se recusam a fazer vínculo com o serviço de saúde, ou a fazer exames solicitados, ou tomar remédios, é porque tem pais irresponsáveis, e precisam ser retirados da família pelo conselho tutelar. Trata-se de dividir o mundo entre vítimas e algozes.
Além disto, nove entre dez equipes ao lidar com problemas complexos e situações difíceis, tomam como primeira motivação a auto-proteção delirante. O delírio judicial tomou conta do inconsciente dos trabalhadores, invertendo o mandato social do profissional de saúde. Antes de se preocupar, ao tomar uma decisão, em como melhor contribuir para ajudar um paciente, ele se preocupa em como se defender de um Juiz Imaginário, que desejaria dele uma condição divina e ideal.
O que tem acontecido é um processo de criminalização dos diagnósticos. Talvez porque lidamos com situações muito difíceis, para as quais seria necessário uma clínica ampliada e compartilhada ( o que não é fácil ), temos buscado socorro em instituições mais “fortes”, mais autoritárias e que podem agir de forma “simples” e violenta, com um poder que não temos, mas que gostaríamos de ter. O resultado tem sido desastroso. As vezes uma clínica centrada na doença é infinitamente menos danosa, do que uma clinica que tenta incluir, por exemplo, as relações familiares, de forma moralista e policialesca.
Por Luciana Abreu
Caro Gustavo,
Muito bom!
De que Clínica afinal estamos falando? Que Clínica deverá ser Ampliada? Estamos falando da Clínica da autoridade e do autoritarismo? Clínica de um saber somente? Da Clínica da punição/castração? Da Clínica da exclusão? O que na verdade precisamos ampliar? Penso que poderemos/deveremos ampliar nosso olhar, nossa escuta… nossa inteireza! Ampliar nosso saber, nosso ser, com isso, ampliar as possibilidades de encontro não com a patologia, com o diagnóstico, não com as prescrições, sejam elas medicamentosas ou morais. Precisamos ampliar as possibilidades de estar com o outro sem nos perder de nós mesmos.
Obrigada por suas discussões sempre VIVAS!
Luciana Abreu