Proposta de Criação de Frente de Trabalho para Discutir Cuidados no Fim da Vida
A discussão sobre a implementação da prática dos Cuidados Paliativos avança no Brasil. A situação de sofrimento e indignidade da morte e do morrer – tanto na sua ocorrência em hospitais sob aparato tecnológico muitas vezes desnecessário, como nas residências sem forma adequada de assistência – tem motivado setores da sociedade civil ao debate e a militância pela construção de formas mais humanas de se lidar com a morte e o morrer no campo das práticas de saúde.
No momento em que se volta a discutir a validade da resolução 1805 do CFM (de 09/11/2006) que intenta regulamentar a ortotanásia e relativizar a prática de ações que coloquem os pacientes em distanásia, é salutar que voltemos nossa atenção para ações que incentivem a disseminação dos cuidados paliativos e outras formas de cuidado de pacientes diante da finitude, como os programas de internação domiciliar e hospices, por exemplo.
Diante do aumento de mobilização de setores da sociedade civil e do próprio Ministério da Saúde que em 2006 instituiu uma câmara técnica para trabalhar na organização e no desenvolvimento dos cuidados paliativos no Brasil (Portaria 3150/GM 12/12/2006), conclamo a Política Nacional de Humanização a criar uma frente de trabalho que tenha por objetivo discutir a inserção da PNH com relação às práticas no campo da saúde diante da morte e do morrer, realizar movimento para construir cartografia de ações onde a PNH já participa nesta direção e constituir documento base onde a PNH possa formalizar possíveis desdobramentos de seus dispositivos e/ou criação de novos no que toca a perspectiva dos cuidados no final da vida.
Para humanizar a vida, torna-se necessário também humanizar a forma como lidamos com a vida em seu final. Há que se mudar, portanto, toda uma cultura com relação aos cuidados diante da finitude, que acaba acrescentando mais dias à vida mas que sonega do paciente e de seus familiares mais vida aos dias.
ERASMO MIESSA RUIZ
Consultor da Política Nacional de Humanização
17 Comentários
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Por Erasmo Ruiz
Sônia! Maravioljoso você focar a questão na ESF. É isso mesmo. Com a saída gradual da morte dos hospitais e seu retorno às casas, isso será de fundamental importância. . E que a utopia de Morrie vá se transformando em realidade…somos todos uma grande, bela e vulnerável família. E você já vai assentando o tijolinho dessa utopia. Bj do ERASMO
Erasmo,
Tenho um grande prazer em lhe contar como foi os últimos cuidados do meu pai. Sou farmacêutica,de uma família mineira, onde o costume sempre foi levar o médico em casa para as consultas. Sempre depois da consulta tinha cafezinho e pão de queijo, lógico!
Meu pai teve 8 filhos e todos saíram de casa depois de formados. Ele desenvolveu um processo de fibrose pulmonar e morreu aos 94 anos. Nas suas últimas semanas todas as necessidades correlatas aos cuidados foram providenciadas em casa, inclusive de enfermagem. Os filhos permaneceram unidos ao seu redor dando conforto e carinho. Isto foi satisfatório para nós e pra ele, que foi em paz.
Por Erasmo Ruiz
Cara Maria Letícia! Fiquei comovido por você compartilhar na rede algo tão seu…belo, muito belo! Seu pai foi um cultivador de amor. No final da vida ele teve a justa colheita! Quisera todos nós pudéssemos morrer assim. Bj do ERASMO
Por Dênis Petuco
Creio que isto vai lhe interessar, Erasmo: não sei a como se desdobrou isto de que vou lhe falar, mas lembro bem que o mestre Chagdug Tulku Rinpoche, que dirigia o centro budista Chagdug Gonpa, em Três Coroas, Rio Grande do Sul, estava diretamente envolvido na criação de um centro de estudos sobre o morrer. Sua idéia era justamente a de contribuir para melhores "práticas de morrer" entre nós, brasileiros, a partir das contribuições do Budismo Tibetano.
Como disse, não sei onde as aspirações do mestre foram parar, ainda mais porque Chagdug nos deixou em 2002… De qualquer modo, fica a dica.
A propósito: você conhece algo desta literatura budista sobre o morrer? Tem o maravilhoso "Livro Tibertano do Viver e do Morrer" de Sogyal Rinpochê, além do Bardo Todhol, mais conhecido como "Livro Tibetano dos Mortos". Trata-se da transcrição da liturgia ("sadhana" para os tibetanos) de um rito de morte tibetano, e chegou no Brasil com um lindo prefácio do Jung. Por fim, o próprio mestre Chagdug também escreveu sobre o tema: "Vida e morte no Budismo Tibetano".
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Por Erasmo Ruiz
Ótima lembrança. Conheço sim e em breve postarei a respeito. Estou nesse momento escrevendo as pressas pois irei viajar daqui a pouco. Com mais tempo vamos trocar algumas idéias. Grande abraço do ERASMO
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É isso aí, Erasmo! Se as tuas idéias de cuidados paliativos proliferarem por muitos cuidadores, a coisa ficará intensa…
Por Erasmo Ruiz
Sua observação foi d eum carinho sem tamanho. Mas queria enfatizar que as idéias são de todos aqueles que comungam dos princípios de humanização. Basta derivar as coisas e a gente percebe que existem imensos "pontos cegos" onde podemos atuar buscando aplicar os princípiops da PNH. Citaria apenas mais dois, por exemplo, o grave problema da saúde carcerária no Brasil e a situação dos manicômios judiciários (em estágio pré-Pìnel). Bj e carinho do ERASMO
Este é um assunto que precisa ser bastante debatido.
O paciente em fase terminal. Em alguns casos, os pacientes, principalmente em idade avançada são colocados em asilos pelos familiares. É uma alternativa para aqueles que não tem familia e morem sozinhos. Em alguns casos, trabalham tanto, deixam seus filhos bem amparados e quando ficam doentes são levados para um asilo. Tenho visitado o asilo aqui da cidade. Ele tem o tratamento básico sustentável. por ser particular. Mas na cidade visinha não é nada agradável, já que tem convenio com o SUS.
Pra humanisar esse tratamento é preciso cultivar em nós a resposabilidade e acima de tudo o amor.
HUMANIZASUS
Nercinda
Por Erasmo Ruiz
Maravilhosa a sua participação nessa rede, parabéns! Vou me aproveitar da sua metáfora. Se precisamos cultivar coisas boas e, principalmente, de cultivar o amor, há que se pensar no "terreno" onde cultivamos essas coisas. Ele precisa ser preparado pois parece ser mais fácil amar em determinaas circunstâncias do que outras. Assim precisamos mudar a atitude que temos diante da morte e, por decorrência, mudar a forma como trabalhamos para que isso possa acontecer.
Bj do ERASMO
Por Cláudia Matthes
é bem isso, desde que o mundo é mundo as questões relativas a vida e a morte nos deixam muito reticentes. Ainda não temos um certo ou errado para (re)definir tudo isso.
De qualquer forma amo essa questão desde os tempos da faculdade. Quando ainda imaginiva que quem morria eram os velhos.
Depois, a vida nos mostra óbitos para todas as idades, faixas etárias e em momentos inesperados.´Morte com os maiores diversidades de fatos e impactos.
Minha avó tem hoje 98 anos de idade, quase 99 , penso que seja tarde….naum quero que ela parta.
Fico lembrando dos grupos de estudos, e, penso senão seria o caso, de semanalmente a gente pudesse ler algum material e além de cartografar o que já acontece nos 4 cantos do pais, mas, ir, estudando, e pensando sobre a morte e o morrer , e assim humanizar essa etapa que cabe para todos.
Na minha realidade chama a atenção a preocupação em medicalizar os familiares, tratando o luto, velho e conhecido, como depressão e assim anestesiamos a dor, transformando o luto em horror, como se fossem novos tempos.
Erasmo, um grande abraço, com a certeza de que faço parte desse novo grupo dentro da humanização.
Aceitamos o luto e a dor!
Com afeto
Cláudia
Por Erasmo Ruiz
Ótima sugestões. Isso mesmo. Temos que identificar experiências e ao mesmo tempo lermos mais sobre assnto, Temos também que usar a arte para nos sensblziarmos e dar vazão ao espírito criativo para cnstruir instrumentos e novos dispositivos, efm,azer m pouco disso tudo pode colaborar para a sueperação do tabu. Dessa forma,poderemos audar as pessoas a morrer melor e a nós também. Bj e carinho do ERASMO
Por Luciane Régio
Erasmo!
Aprendo muito sobre a morte, cada vez que leio teus posts… finitude do corpo. Trabalho com a Política/Saúde do Idoso, tive experiências lindas com minha avó paterna até seus 93 anos… os outros avós partiram cedo… e a morte sempre foi/é uma incógnita pra mim, em especial. A sensibilidade e a forma como tu trabalhas o tema é lindo. Hu, querido e obrigada.
Beijo,
Lu
Por Erasmo Ruiz
Alguém que faz o seu trabalho deve ter muito a ensinar. Gostaria de aprender contigo. Existe algo de poético em ver como as pessoas preparam o caminho da vida. E caminhar pela vida é seguir de uma forma ou de outra para o desfecho… a passagem…o fim de tudo…o começo de tudo…essa é a magia! Não sabemos de fato e por isso queremos tudo saber do fato. Mas fica minha provocação para que também fales mais e mais da morte e do morrer pois, já sabes, isso torna o viver mais pleno. Mil HUs para sua sensibilidade!
Bj do ERASMO
Por Luciane Régio
Já disseram que a curiosidade matou o gato… pode ser um aviso (risos). Em geral, algumas pessoas se preocupam sempre em viver mais, talvez isso possa de fato bloquear para a consciência de finitude da vida. Erasmo, minha mãe sempre brinca que quando a morte chegar para ela, … vai dizer "agora não, não tenho tempo"! Nesse agito todo da vida, não temos tempo para morrer? Nos preparamos tanto para viver os eventos de nossas vidas, e quando chegar… vai dar tempo de já termos nos preparado para a morte? Estar em dia com os afetos, com as coisas da vida é tarefa árdua! Estar pronto para morrer pode ser deixar de dar sentido para tudo aquilo que dávamos em vida? Afinal, quando ela chega não é o que dizemos: "agora nem importa mais, acabou"… O sentido se torna outro. Acreditar que a vida continua?
Obrigada, obrigada, obrigada, eu preciso falar da morte sim, nem que seja para tentar intimidá-la (mais risos). É tão difícil ver aqueles que amamos morrer. Luiz Guilherme do Prado Veppo era um Psiquiatra e Poeta de Santa Maria/RS, eu o admirava muito, faleceu. Ele escreveu: "Os mortos não morrem, nós é que morremos. Eles nos esquecem, e nós não os esquecemos!" Não é verdade?
Beijos, Lu
Por Erasmo Ruiz
Luciane! Que frase linda esta de Prado Veppo. Devidamente anotada para ser citada a exaustão. Talvez seja isso mesmo. Os mortos nos "abandonam" sem pedir licença e nós ficamos a vida toda pensando nesse espaço que jamais é preenchido totalmente. Fico pensando as vezes se não devemos buscar novas formas de se ver a morte, principalmente as formas que nos sinalizem aspectos positivos. Não se trata de se fazer uma ode a morte ou de se dizer que ela é boa. A questão é que, fundamentalmente, ela não é nem boa nem má. O sentido somos nós que damos!
Bj do ERASMO
Proposta absolutamente necessária, Erasmo! Acompanhou a recente MP 1625 de 20/03/2023 que recebeu emenda (emenda 13) tratando especificamente sobre os Cuidados Paliativos? A referida emenda altera o art. 2º da MP que passa vigorar acrescido do parágrafo 6º:
“§ 6º O conteúdo programático da formação referida no § 1º deverá
contemplar as complexidades do cuidado à saúde da população
brasileira, envolvendo ações de educação para atenção e vigilância à
saúde, promoção à saúde e prevenção de agravos; além de
considerar a transição epidemiológica, a tripla carga de doenças e as
necessidades de populações ou situações especiais, envolvendo os
ciclos de vida e articulando as políticas do SUS, desde a gestação,
parto e nascimento, até o fim de vida e cuidados paliativos.”
Por Sonia Mara de Fatima Ferreira
Acredito que os cuidados serão possiveis com a incersão das ESF precisamos trazer as equipes para o debate e incluir neste processo de cuidado a saúde da familia.Morrie diz em seu relato(Se olhassemos uns aos outros como iguais, talvez sentíssemos o desejo de nos unirmos, formando uma grande familia humana, e nos dedicarmos a esta familia e quando se esta morrendo se vê o quanto isso é verdadeiro) livro a ultima grande lição, ele nos fala da importancia da familia nos cuidados paliativos no final da vida. Outro chamammento é que parece que a morte é contagiosa, e percebemos as pessoas agirem assim até os próprios familiares com desconhecimento não aceitando a morte o acompanhar o seu ente no quarto ou em casa, preferindo abandoná-lo no hospital ou em um leito na UTI. Precisamos sim e urgente humanizar a forma de cuidar a vida na sua finitude, mas precisamos começar por nós, profissionais de saúde. Um abraço Erasmoooooooo