As Flores do Lixo
Peço a paciência do leitor para compartilhar dois momentos vividos essa semana ou, como dizemos aqui no Ceará, dois rabos de conversa.
Estava chegando em casa quando encontrei Josué (o nome é fictício), um garoto com 12 anos de idade que não via a uns dois anos. Estava mais alto e o corpo havia ganho massa muscular. Mas o rosto ainda era muito parecido com o do menino que me ajudara a procurar o nosso cão fugitivo. Foram três horas se embrenhando em becos até conseguir achar o danado. E o Josué, solidário, sempre esteve ao nosso lado.
Feliz de revê-lo perguntei como ele estava, sobre sua família e os estudos. Ele com os olhos meio baixos me disse que a escola tinha perdido a paciência com ele. A professora falou que ele não tinha jeito, que era melhor sair da escola e não ficar mais torrando a paciência.
O outro mo,mento ocorreu dois dias depois. Um policial militar perseguia um garoto no centro da cidade que havia acabado de furtar roupas numa loja. Foi alcançado, espancado pelo policial e mais duas pessoas que talvez fossem seguranças na loja. Devia também ter no máximo 12 anos. Comentários de pessoas próximas: "bater é pouco, tinha que matar de uma vez pra não dar trabalho daqui um tempo". A fala foi seguida por muitos olhares de aprovação.
O que as duas situações parecem ter de comum? Aos poucos vai se instalando uma cultura da indiferença e do abandono. A maioria dos reconhecidos como cidadãos honestos e pagadores de impostos não se mobilizam para resolver os problemas sociais onde estão imersos os jovens. Ficam cegos para o papel que desempenham de semeadores da marginalidade social. Escolas abandonam jovens estudantes à socialização das ruas, multidões pedem a morte antecipada da juventude em conflito com a lei.
Enquanto isso em Cautera (Paraguai), um aglomerado humano se aglutina em torno de um grande aterro sanitário. Uma comunidade de miseráveis que vive dos restos dispensados pelos mais abastados morando em uma favela. Um dia um homem fez um violino de lata, depois outro e mais outro. Juntou-se um professor de música e as flores começaram a brotar do lixo.
Convém nessa hora lembrar Caetano Veloso:
(…)
Coração
Gente lavando roupa
Amassando pão
Gente pobre arrancando a vida
Com a mão
No coração da mata gente quer
Prosseguir
Quer durar, quer crescer,
Gente quer luzir
Rodrigo, Roberto, Caetano,
Moreno, Francisco,
Gilberto, João
Gente é pra brilhar,
Não pra morrer de fome
Gente deste planeta do céu
De anil.
Entre a nossa indiferença e uma pequena ação, a possibilidade de que seres humanos consigam brilhar,mesmo que em meio ao lixo.
Assista ao vídeo abaixo. Você vai se emocionar.
Por Maria Luiza Carrilho Sardenberg
Menos julgamento e mais compreensão é preciso.