Análise do trabalho em saúde nos referenciais da humanização e do trabalho como relação de serviço.
Análise do trabalho em saúde nos referenciais da humanização e do trabalho como relação de serviço.
Ana Maria Dantas Braga
Este artigo apresenta eixos metodológicos de análise do trabalho em saúde nas relações e subjetividades, numa permanente construção de autonomia e corresponsabilização com a transformação da realidade de trabalho e de si mesmo.
Tendo como foco os trabalhadores como sujeitos no contexto do processo de trabalho e as relações institucionais que neles são estabelecidos.
Sustentados por esses referenciais, construímos eixos analíticos pelos quais se pode induzir à prática de análises coletivas do trabalho, formentar a participação ativa dos trabalhadores como sujeito dessas atividades analíticas e, com isso, formentar a autonomia de sua capacidade de análise e de intervenção em seu processo de trabalho.
A política de Humanização estrutura-se em um conjunto de princípios, diretrizes e dispositivos. Sendo esses três os princípios fundamentais: o de transversalidade, indicando novos padrões de relações e comunicação entre os sujeitos envolvidos na produção de saúde (trabalhadores, gestores e usuários), o princípio de indissociabilidade entre atenção e gestão, afirmando que há uma relação ineseparável entre modo de cuidar (prestar serviços) e modo de gerir e se apropriar do trabalho; e a afirmação do protagonismo e autonomia dos sujeitos, implicando em atitudes de corresponsabilidade nos atos de gerir e de cuidar, constuindo regras de funcionamento para os processos, para si e para o coletivo.
Tomado como diretriz estratégica, a cogestão pressupõe a ampliação dos espaços públicos e coletivos, viabilizando o exercício do diálogo, a inclusão dos diferentes sujeitos no processo de avaliação, tomadas de decisões e construção compartilhada de conhecimentos e intervenções, considerando as subjetividades e singularidade dos sujeitos e coletivos.
Os conceitos do PNH articulam-se visando à análise e reorganização dos processos de trabalho em saúde, propondo essencialmente transformações nas relações sociais que envolvem usuários, trabalhadores e gestores em sua experiência cotidiana de interação, organização e condução de serviços-transformação nas formas de produzir e prestar serviços.
Nessa concepção de trabalho, entendemos que o PNH tem como finalidade maior estar em meio aos processos de trabalho produzindo desvio nas relações instituídas, instigando novas composições, outras possibilidades de ser e trabalhar no âmbito da saúde.
É necessário enfatizar a concepção de apoio-intervenção no PNH no desafio de efetivar-se ou potencializar-se como campo de análise sobre o trabalho, com discussão coletiva das práticas, dos graus de implicação, dos fluxos de saberes, podres, ações e incorporando a perspectiva do trabalho como atividade marco conceitual que possibilita o entendimento da relação entre o que é trabalho prescrito e trabalho real, sempre permeado de normas e renormalizações.
As estratégias metodológicas do PNH mimam por situar essa discussão no âmbito da gestão: tanto no sentido de como se compreender a inserção dos sujeitos no trabalho (entendendo que toda atividade de trabalho as mobiliza para diferentes graus de gestão dos seus fazeres e saberes), como também no sentido da gestão do processo de trabalho como desafio coletivos, como cogestão, sustentando um medo de agir, gerir corresponsável com as transformações desejadas.
O trabalho em saúde como relação de serviço, tendo como principal foco enfatizar o trabalho em saúde na perspectiva ampliada de sua finalidade, Zerafim postula que a organização do trabalho com uma relação de serviço ou produção de serviço é, necessariamente, uma arena de interação de recursos e pessoas, aprendendo com o próprio fazer o gerando resultados (mudanças) que sejam consideradas válidas, úteis pelas pessoas.
É em torno dessa compreensão de serviço (de uma interação para gerar mudanças significativas e mútuas, na vida do outro) que uma relação forte pode ser estabelecida entre pares e com os destinatários, que laços sociais poderão ser atados.
Propomos que a análise do trabalho em saúde permite ver o que as práticas, experiências concretas fazem emergir como coisas, produtos e também como sujeitos e novas subjetividades, resultantes do progresso que se vive no coletivo!
Na construção dos focos analíticos identificamos dimensões e lacunas que entendemos como essenciais serem problematizadas, origindo pistas para que a abordagem de seus elementos essenciais seja potencializadora da capacidade de análise dos trabalhadores.
No trabalho não se motiva, nem os satisfaz, nem se sente valorizado a partir dos modelos ideais (prescrito) da instituição, sistema, mas sem a realidade concreta e do sentido dado pelo trabalhador ao que está em jogo.
A desconstrução das concepções estanques e predefinidas sobre os elementos que se julga motivar, satisfazer e valorizar os trabalhadores, e sua reconstrução coletiva, em si mesma é um caminho que produz implicação dos sujeitos no (re) conhecimento dos elementos que se cruzam num trama de sua inserção no mundo do trabalho.
Atualmente observamos que, apesar da convocação e estímulo para que o trabalho em saúde seja feito a partir da configuração de equipes integradas, são visíveis as várias dificuldades quanto à construção e operacionalização efetiva de um trabalho integrado em equipe.
Ao prepararmos que o trabalho em equipe seja colocado em análise pelas próprias equipes, aí emergem os diferentes incômodos vividos habitualmente em silêncio, desvenando-se análise, as diferentess especificidades/rotinas de trabalho, bem como algumas atitudes, antes desconhecidas, insuficientemente conhecidas ou incompreendidas entre pares, passam a ser compreendidas (e respeitadas) pelos pares, isso significando um pilar importante na construção da grupalidade (e do entendimento do trabalho como atividade e dos colegas com sujeitos que lançam mão de estratégias singulares para dar conta do real das atividades).
Em outro foco de olhar, a informação no serve hoje como patente analisador da organização geral do trabalho em saúde, em meio às visíveis contradições dos modelos de atenção e de gestão.
Ao analisar o dia-a-dia das unidades de saúde é possível observar o desconhecimento e a pouca governabilidade das equipes em relação à definição das metas e indicadores que norteiam o seu próprio trabalho.
O trabalho em saúde é cada vez mais dependente de fluxos e ferramentas organizativas da assistência, como é o caso da incorporação de protocolos clínicos e direcionadores do transito dos usuários no sistema.
De outro lado, a incorporação de protocolos orientadores da prática clínica não se dá sem “instabilidade”, muitas vezes essas ferramentas sendo prescritas, nas não utilizadas no cotidiano (não havendo adesão a esses instrumentos de gestão).
Essas situações têm sido repetidamente observadas entre os motivos de insatisfações dos trabalhadores, expressando a contradição entre preceitos e práticas.
O processo de produção em saúde como campo de interação (é de conflitos) entre interesses dos seus atores diretos (usuários, trabalhadores e gestores), na ponta é vivido em suas máximas contradições e desejos.
Na concepção do PNH esse cenário é compreendido não como inviabilizador das luas sociais no trabalho, mas como o próprio campo de luta e ponto de partida para a análise–intervenção sempre exigindo o diálogo entre as perspectivas micro e macro de organização e gestão de trabalho.
A proposta de colocar o trabalho em análise é justamente a de provocar “efeitos nos grupos”, perseguindo a alteração de posicionamentos e atitudes diante dos fatos.
Isso significa, em eixos, mas objetivas, observar os atos concretos que estariam expressando as diretrizes propostas como reorganizadora do trabalho.
Se a finalidade do trabalho em saúde, como relação do serviço, deve abranger dimensões de impacto nas condições de existências dos sujeitos (que o realizam e o consumam), um sistema de vigilância do processo de trabalho pode contemplar avaliações diagnósticas ampliadas, e de caráter sucessivas, não somente informativas das situações atuais, em perspectiva estanque e pontual, serem diagnósticas processuais, como estratégias ou como base para levantamento de sinais que possam funcionar como analisadores da realidade naquele momento, sinais que possam ser discutidos e validados como alertas para o que se quer mudar, alertas de mudanças, efeitos esperados e de pistas por onde seguir.