Escolhendo o coordenador na Unidade Básica do Farol

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A unidade básica do Farol estava cheia. A maior parte das três equipes de saúde da família estava presente. Também não faltaram representantes da população (membros do conselho local de saúde) como observadores. Era a segunda reunião do mesmo tipo. Tratava-se de uma sabatina aos candidatos a coordenador da unidade. O secretario municipal conseguira, com apoio intenso da população, aprovar na câmara uma promessa de campanha: de que os cargos de coordenação de serviços e equipes da secretaria municipal deveriam ser preenchidos com critérios técnicos e que os trabalhadores interessados passariam por um processo seletivo interno à secretaria. Os critérios foram intensamente discutidos. Para uma boa parte dos vereadores, o que estava em jogo era a possibilidade de continuar indicando seus cabos eleitorais para a coordenação de serviços de saúde. No entanto, esta partidarização mesquinha dos serviços de saúde inviabilizava a qualificação do SUS e era motivo de queixas constantes. Mas secretário de saúde não “perdeu a viajem”. Para dar um passo corajoso em direção à democratização das organizações de saúde, acrescentou à proposta necessidade dos candidatos serem sabatinados pelas equipes que coordenariam, com a possibilidade de escolha ou recusa da equipe. Da mesma forma que uma das funções dos gestores avaliar ( de preferência com critérios singulares e pactuados), também as equipes deveriam avaliar os gestores periodicamente. Assim como a necessidade da clientela muda com o tempo, a necessidade das equipes para determinados tipos de gestores, também muda. Um gestor pode ser ótimo em um desafio de implantação de determinado arranjo de trabalho e pode ter muitas dificuldades para lidar com alguns tipos de conflitos. Pode ser ótimo para algumas equipes e péssimo para outras. Sendo os coordenadores trabalhadores, nada impede que retornem em algum momento às suas  funções clínicas, ou que se apresentem para outra equipe.
Era nesta experiência que se encontrava a unidade do Farol. O primeiro candidato havia se saído bem na apresentação do projeto, mas irritara-se facilmente com as perguntas de conselheiros e trabalhadores sobre como lidaria com conflitos entre os trabalhadores e destes com a população. O segundo candidato quis ouvir sobre as expectativas de todos para o papel de coordenador, e iniciou um debate sobre a composição de interesses e olhares ligeiramente distintos entre o gestor, os trabalhadores e os usuários. Na terceira reunião apresentou-se um candidato confiante, pois já havia trabalhado na unidade. Apostou neste laço afetivo e acabou sugerindo implicitamente que assumiria um papel de representante dos trabalhadores. A possibilidade não passou despercebida e produziu perguntas do coordenador da regional de saúde e de representantes da população a respeito de conflitos e diferenças de ponto de vista. Os trabalhadores, nesta altura, já haviam aprendido muito sobre si mesmos e a complexidade dos desafios que tinham pela frente. Não se animaram com as propostas corporativas, menos por desinteresse, do que por saberem que não funcionaria.
A unidade ainda se reuniu mais uma vez, sob a coordenação do pessoal da regional, para definir quem seria o novo coordenador. Mais do que definir quem seria o coordenador, puderam se “olhar no espelho” e começaram um rico processo de co-gestão e co-responsabilização. O SUS começou a enfrentar o fisiologismo partidário e experimenta uma poderosa experiência de democracia organizacional.