O realismo fantástico da hipoglicemia noturna e a Conitec

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Abriu os olhos tendo a sensação de que eles já estavam abertos há muito tempo. Seu corpo era uma goma adocicada e rançosa que parecia grudada ao leito de um quarto (parecia ser um quarto) em um ambiente bastante nebuloso. Aquele lugar não tinha qualquer precedente de recordação viva em sua memória. Sabia seu próprio nome, ao menos achava que sabia. Mas não conseguia dizê-lo em voz alta. Achava-se uma mulher.
 
Então começou a sentir que sua cabeça existia, existiam cabelos, ela existia enfim. O ambiente parecia um sonho, mas ela não era um sonho (talvez um pesadelo). Medusa açucarada, com nacos de açúcar no lugar das serpentes na cabeça. Os cabelos brancos, brancos de açúcar. A água doce empurrada por alguém dentro de seu corpo.
 
E depois de perceber seus cabelos de açúcar e sua existência bem definida naquele quarto (sim, era um quarto, era o seu quarto, traição da memória!), percebeu que alguém a observava atentamente. Respondeu à observação quase científica daquele estranho com um olhar fixo em sua direção – olho no olho – como uma resposta física de reação à ação oposta, como uma luta por um espaço na existência daquele quarto. Eu acho que existo, e você?
 
Vasculhava sua cabeça de açúcar enquanto lutava com aquele estranho pelo olhar para saber quem era(m). Nada! Estava certa que, se piscasse, deixaria de existir, se é que já não tinha deixado de existir no momento anterior à abertura dos olhos. Mas seus olhos e sua cara tão açucarados quantos os cabelos viram-se numa roupa encharcada de suor, e lembrou-se de uma luta corporal consigo mesma. Vencera-se antes, perdia-se agora. E piscou!
 
Ficou mais um tempo com os olhos fechados, pensando inexistir, e como demorava para abrir os olhos, seu marido abraçou-a e perguntou se estava melhor. Aí sim lembrou que se chamava Débora Aligieri, era uma mulher, e aquele que a abraçava no meio da madrugada, em seu quarto, era seu marido há 10 anos.
 
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Imagem do filme "O Labirinto do Fauno", de Guillermo del Toro
 
Observação:
 
Este é um episódio real que aconteceu comigo durante uma das inúmeras hipoglicemias noturnas que tive antes de começar o tratamento com a bomba de infusão de insulina com monitorização contínua da glicose. Esta foi a pior hipoglicemia que sofri em 28 anos de diabetes, mas passei por outras experiências igualmente perturbadoras. 
 
Com a utilização da insulina NPH, de 1986 a 2004, os episódios eram mais constantes; com o análogo de insulina lantus os episódios diminuíram bastante; e com a bomba de infusão de insulina com monitorização não ocorreram mais.
 
Quando tinha essas hipoglicemias noturnas, no dia seguinte não conseguia trabalhar direito, porque enquanto a glicemia estava baixa e eu convulsionava, o corpo não descansava. Meu marido também se cansava, porque tinha que me socorrer no meio da madrugada, tentando fazer que eu ingerisse água com açúcar, e depois tinha que me dar banho e trocar minha roupa. E se eu me mexia um pouco, ele não dormia mais, ficava de "vigília" para garantir que eu não estava convulsionando outra vez.
 
Hipoglicemias noturnas são comuns em diabéticos, principalmente nos insulinodependentes. As insulinas análogas são comprovadamente mais eficazes para evitar esses episódios. 
 
Infelizmente, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS – CONITEC, apesar de reconhecer a eficácia dos análogos de insulina na diminuição das hipoglicemias noturnas, defende que este não é um motivo relevante para a inclusão ao protocolo do SUS em diabetes, conforme relatórios para diabetes tipo 1 e tipo 2, com recomendação de não incorporação.