Muito comumente, em determinados momentos, os interesses entram em conflito, ultrapassando a capacidade de diálogo e gerando certas imposições de valores de determinados grupos sobre outros. Nestas circunstâncias, o esperado é que as instituições possam exercer uma mediação destas relações, equilibrando as forças e o poder na sociedade.
Entretanto, devemos pensar que as próprias instituições muitas vezes são tomadas por processos e organização de trabalho que as impedem de cumprir suas funções mais essenciais.
As instituições são formações sociais, historicamente constituídas, compostas por pessoas, operadas por pessoas e, também elas, atravessadas por forças em conflito.
Reconhecidamente, a Instituição Saúde não escapa de tal conformação. Disputas de interesses, diversidade de valores ético-políticos, poderes acentuadamente localizados em alguns grupos mais do que em outros, formas de organizar o trabalho e modos de agir do trabalhador da saúde em contraposição às necessidades e expectativas dos usuários ou pacientes, tudo isso acaba por deslocar a instituição saúde do cumprimento de seu papel social, ou a produzir equívocos muitas vezes altamente comprometedores da saúde física ou psíquica dos sujeitos que por ela procuram.
Este é um tema por excelência da Política Nacional de Humanização (PNH): os modos de se organizar processos de trabalho para produzir saúde num registro em que interesses e necessidades sejam discutidos, levados em consideração, pactuados e co-responsabilizados.
Temos aqui no Caso Torres uma boa oportunidade para considerar o quanto os conceitos, ferramentas e arranjos de Gestão e Trabalho em Saúde da PNH – alicerçados nos caminhos abertos por Gastão Wagner, dentre outros – podem contribuir para que o cuidado em saúde se faça respeitando não apenas os critérios técnicos responsáveis pela defesa e preservação da vida dos usuários, mas também respeitando os jeitos dos usuários quererem estar no processo de atenção, na condução de seu tratamento, nos partos e nascimentos dos filhos, etc.
Não podemos aceitar que forças corporativas das Profissões em Saúde sejam as únicas a determinar o processo de trabalho envolvido na Atenção em Saúde.
Entendemos que as pessoas têm buscado diversas alternativas nas ciências e nos diferentes saberes para produzir novas relações corpo – mente – sociedade – vinculação.
A PNH investe nas Ações em Saúde que legitimam espaços de escuta qualificada e compreensão das pessoas em suas formas de viver e desejar o que consideram bom para suas próprias vidas. Investe, enfim, em relações que possam fundar modos de comunicação baseados no compartilhamento de interesses, necessidades e desejos e na inclusão e processamento dos conflitos que advém desta ação de criar um comum entre os sujeitos de maneira democrática.
Estamos sempre reafirmando, articulando e propondo ferramentas para incentivar ou produzir melhorias na Clínica dos Trabalhadores da Saúde, ferramentas para o desenvolvimento de uma Clínica Ampliada e compartilhada com discussão em equipes multidisciplinares e construção de Projetos Terapêuticos Singulares, numa relação respeitosa e honesta.
Por outro lado, estamos também na defesa dos direitos dos Usuários, potencializando mecanismos éticos-políticos que os assegurem e os protejam de determinações que influenciam uma Assistência em Saúde de qualidade ruim ou equivocada.
A PNH propõem relações que ampliam os graus de sociabilidade e contribuam com a produção de subjetividade em regime de respeito à diferença, elaboração de conflitos e, fundamentalmente, intercessões em favor da produção da justiça social no Setor Saúde.
O Caso do Hospital do município de Torres – RS abre precedentes para continuarmos a pensar a Atenção ao Parto. A PNH terá papel importante na intensificação do debate. Estaremos realizando a Semana Nacional de Humanização entre os dias 07 a 11 de maio, mobilizando cerca de 50 mil pessoas, com 725 atividades cadastradas em 185 cidades de todos os estados brasileiros!!!
O Coletivo Nacional da PNH deve garantir intensa mobilização, colocando em análise o tema, resguardando a integridade e os direitos das Usuários, Trabalhadores e Gestores do Sistema Único de Saúde (SUS), propondo lógicas institucionais democráticas e participativas, incluindo e dialogando na direção da produção de um bem comum.
Façamos deste momento o nosso ato político.
Cleusa Pavan
Fábio BH
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humanização30 Comentários
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Por Cláudia Matthes
extraido a forceps
Por Cláudia Matthes
e se fosse minha filha, e se
tantos outros e ses
Peju
"Roubaram o meu direito"
Para mim essa é a frase que resume o produto de todo esse acontecimento em Torres, no Hospital Nossa Senhora dos Navegantes! A redução da mulher a recipiente que porta uma criança! Um precedente que abre caminho para elaborações fascistas sobre o direito e a vida!! Devemos tod@s querer saber como e porque esses acontecimentos foram possíveis no nosso país e o que cada um de nós teve haver com isso!
De todo o show de horrores o que me indigna mais, sendo médico, é a postura do Dr. Fernando Weber Matos, veiculada nessa entrevista: "… nós temos de ver sob o aspecto científico-médico…", diz ele! E a questão ética?! E a relação médico-paciente produzida neste caso?! E a humanização! O CREMERS já sai em defesa do interesse coorporativo sem pudor algum! Minha sugestão é que investiguem, além da responsabilidade individual a situação de trabalho condições de formação da médica envolvida e constatarão o peso da formação médica no Brasil, que até pouco tempo defendia um modelo de assistência ao parto medieval; e verão que nos serviços, nos quais seus dirigentes e trabalhadores acreditam que Humanização trata-se de coisa da ordem comportamental e não de efetivas mudanças na gestão e na atenção desses serviços, esse tipo de conduta é tomada com muita frequência.
Devemos agradecer a coragem dessa família, mais uma que faz de seu sofrimento um alerta! Uma oportunidade para que todos nós pensemos no que estamos fazendo para que essas situações sejam evitadas!
Na próxima semana teremos a Semana Nacional de Humanização! Oportunidade para nos mobilizarmos para afirmar a Humanização da Saúde e a defesa do direito à saúde e à vida!
Abraços à todos e todas!
Gustavo Nunes de Oliveira
É disto que falo Gustavo.
Se não combatermos com veemência pela mudança deste paradigma, chamando a sociedade para a conversa, colocando-a na roda, veremos cada vez mais a dimensão política, ética e estética serem subjugadas a opinião de uns sobre as de outros, numa circunstância em que esta opinião se implementa com força de lei, ou até mesmo de exceção a ela, que só a confirma, em nome da defesa dos vulneráveis, que alguém define quem é, sem perguntar se eles querem assim ser entendidos, definindo riscos que não estão dados e que são balizados e referendados como naturais, por peritos tidos como deuses, justificando ações emergenciais. Agamben já a algum tempo denunciou que vivemos em permanente estado de exceção.
Adelir grita e clama, e nisto também sou Adelir, que ela foi roubada. Todos fomos roubados juntos com Adelir e, pior, roubados pela mesma instituição que proclama o roubo como um crime e que, nestas circunstâncias, quer silenciar sua denuncia.
Mais do que roubada, ela foi estuprada. Manipular o corpo de outrem sem o livre consentimento deste é considerado estupro. Ainda que seja por um médico baseado em um diagnóstico e referendado por um juiz?
Houve invasão de privacidade e, dado que estávamos numa situação de domínio, no qual a vítima não tem como reagir, violação de incapaz.
Podemos ir listando todas as injúrias, humilhações, violências a que toda as nossas famílias foram submetidas, já que todos somos Adelir, e só concluiríamos, ao final, que, como Adelir que somos, temos que clamar juntos. Pois, como entendo, estamos diante de muito mais que elaborações fascistas, mas fascismo em pleno ato, a céu aberto e se querendo com força de lei.
Isto, como profissionais da saúde e cidadãos brasileiros, só pode nos cobrir de luto e nojo, que é o nome que se dá, no serviço público, a licença por morte de alguém da família.
Portanto estou no nojo pela instituição democrática, ferida de morte na liberdade de expressão e de decidir a sua própria vida. Uma mulher grávida não é um depósito aonde nada em silêncio um ser vulnerável, mas uma vida completa e capaz de se autodeterminar, de se auto-escolher, de se autopreservar.
Miguel
Por Laura Gonçalves
Vc arrebentou Miguel!!!!!!
Por Laura Gonçalves
Caros,
Que bom que algo sobre o ocorrido apareceu por aqui.
Tomo a licença de compartilhar uma carta que circula no Facebook, da obstetra Leila Katz. Que viveu um parto normal após duas cesáreas prévias. E faço isso porque amigos médicos escorregam às vezes em argumentos "pseudo-clínico-científicos" que relativizam o que aconteceu (vejam que não estou nem falando com os médicos e outros profissionais da saúde explicitamente cretinos, reacionários, machistas, conservadores e autoritária dos que defendem a cesariana FORÇADA de Adelir). Aliás, que o bebê estava pélvico parece ter sido apenas a justificativa da médica. Mas isso não importa. Como não importa se ela tinha 300 cesárias anteriores, se o bebê estava transverso, etc. Ainda assim, a carta eu reproduzo abaixo, porque é muito instrutiva, mas do que eu quero falar primeiro é de ética. É de direitos. De direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. O que aconteceu não pode ser relativizado. Trata-se do corpo da mulher. Trata-se de VIOLÊNCIA. TRATA-SE DE JUDUCIALIZAÇÃO DO PARTO, DO CORPO DA MULHER! Trata-se de violência de ESTADO. E me parece motivada por PUNIÇÃO: Adelir decidiu a respeito do seu proprio corpo e foi punida por isso!!! Como ousou discordar de uma equipe de saúde??? O que aconteceu com Adelir evidencia o que nós sabemos que acontecem em muitos serviços Brasil a fora (e daí a importância de uma política de saúde como a Humanização ofertando apoio institucional para intervir nos processos de gestão e atenção que nosso estado brasileiro oferta).
O que pode o estado com o corpo da população? Quem decide sobre o que acontece com nosso seu corpo? Nós, os médicos ou o Estado? A ditadura acabou, MAS NÃO PARA AS MULHERES, PARA OS POBRES, NEGROS, LOUCOS…
É por isso que hoje SOMOS TODAS ADELIR.
"Sou obstetra como você. Sou formada há 18 anos, tenho além da residência médica, mestrado e doutorado. Sou coordenadora de uma UTI obstétrica e do setor de parto humanizado em um hospital de referência. Sou preceptora da residencia médica e faço assistência também. Não conto os partos que assisto, mas posso te garantir que foram muitos. Além disso sou pesquisadora e professora da pós-graduação e entre minhas linhas de pesquisa estão assistência ao parto e gestação de alto risco.
Estudei bastante sobre partos normal após cesárea, inclusive sou frequentemente chamada em congressos para falar sobre esse assunto e posso te garantir: o parto normal após duas cesáreas é SIM uma opção segura, tanto que o próprio ACOG, que como você deve saber é um órgão muito conservador, considera a prova de trabalho de parto como opção segura para mulheres esclarecidas. No último documento do ACOG se fala inclusive doa riscos das cesarianas de repetição.
Posso inclusive te mandar esse e outros documentos para você se atualizar.
E assim, EU PARI APÓS DUAS CESÁREAS.
Não, meu útero não rompeu como você disse que ocorreria. Eu tomei a decisão consciente de riscos e benefícios de minha escolha e fui respeitada pelas minhas colegas e pude viver essa maravilhosa experiência.
Então, vamos ponto a ponto…
A presença de qualquer cicatriz uterina aumenta o risco de rotura.
Esse aumento de risco é pequeno e em geral abaixo de 0,5%.
Existe na verdade uma controvérsia quando há mais de uma cesárea, enquanto que alguns estudos sugerem que existe aumento de risco em relação a uma cesárea apenas, outros não mostram esse aumento de risco. De toda forma, o risco global naqueles que sugerem o aumento de risco é para algo em torno de 1-1,5%.
Ou seja, nos dois casos o maior risco é de que não haverá rotura.
Outro ponto que precisa ser analisado são os outros riscos associados a repetição das cesáreas. Pois existe aumento de risco de lesão de órgãos, como bexiga e intestino, hemorragia, histerectomia e infecção nas mulheres que repetem a cesárea em relação aquelas que vão para um parto normal.
Em relação ao que você falou do respaldo jurídico é o seguinte: não existe nada sem risco. O que te da respaldo é o adequado esclarecimento da pessoa e explanação sobre os riscos. Se a pessoa escolhe esses riscos conscientemente, e assina concordando com isso, Esse é seu respaldo.
E veja amiga, tantas coisas que nos médicos obstetras fazemos aumentam chances de desfechos desfavoráveis e que são feitos sem nenhuma preocupação.
Vamos a alguns exemplos: estudos mostram que o uso rotineiro de analgesia pode levar a Piores resultados perinatais mas rotineiramente os obstetras usam isso sem nenhuma preocupação desse aumento de risco.
Fazer uma cesárea aumenta em mais de dez vezes o risco de trombose, e apesar disso vejo cesáreas serem feitas pelos obstetras sem nem se preocupar com o aumento desse risco.
O uso de ocitocina e a própria cesárea aumenta o risco de hemorragia puerperal ( evento por sinal bem mais comum que uma rotura uterina e que também mata) e muitos obstetras abusam dos dois procedimentos em parturientes que não precisam deles sem absolutamente se preocupar com o aumento do risco.
Então aqui na verdade o que está valendo para as pessoas que falam de se proteger de processos não é na verdade o aumento de risco, é o fato do medico não concordar e obrigar a pacientes fazer o procedimento.
Num processo você se protege com as evidências e com um termo de consentimento livre e esclarecido assinado.
Claro que a pessoa precisa se sentir segura para realizar a assistência.
Todos tem limites que devem ser respeitados.
Inclusive o médico tem o direito a não prestar uma assistência com a qual não concorda.
Mas aí a atitude correta dessa pessoa que não se sentia segura para atender essa gestante seria referenciar a moça para alguém que o fizesse e não denuncia-la covardemente.
Nos não podemos obrigar um paciente a realizar um procedimento que ele não deseje. Fere a autonomia do indivíduo.
Já passei por alguns casos de pacientes gravemente doentes que se recusaram a se submeter aos tratamentos propostos e que me deixaram abalada, pela preocupação com a saúde delas. Entenda elas estavam gravemente doentes internadas inclusive em UTI. Mas como estavam conscientes e orientadas, compreendiam os riscos e assinaram juntos com o marido um documento dizendo que apesar de todo esclarecimento e conhecimento dos riscos, se recusavam a realizar o tratamento respeitamos a decisão delas.
E por fim, concordo com a relação horizontal e honesta, a qual por sinal, foi negada a essa moça não é mesmo?"
Existem formas instituídas de tortura que se justificam sob a égide do risco. Mesmo que eles sejam mínimos e relativas, o peso do discurso do risco passou a ter uma valor absoluto. A sociedade ao colocar o direito do nasciturno em detrimento do direito da mulher institui mais uma perserva polaridade no campo social. Como fazer conciliar o direito da mulher ao direito do filho que ela decidiu gestar? Certamente a via da judicialização é um mero exercício de poder violento e autoritário. A quem cabe decidir sobre os riscos que se deseja correr no evento do parto, quando estes riscos são mínimos? Vamos combinar: Tortura Nunca Mais!
Por Liliane Camargos
Interessante esta questão. Na verdade o nascituro não existiria sem que existisse aquela que o gerou.
A sociedade preocupa-se tanto com nascituros e crianças, mas estes só terão verdadeira dignidade quando as mulheres (os seres que os geram e trazem à luz) tiverem também esta dignidade.
Acredito que o nascituro teria sido bem mais feliz em um nascimento tranquilo, natural, sem pressa e amoroso como queria a mãe.
Sempre digo que não há nascimento feliz em um parto infeliz. Não há nascimento amoroso em um parto violento ou traumático.
A infelicidade da mãe é a infelicidade do bebê. O trauma e a dor da mãe é o trauma e a dor do bebê. Não há como dissociar.
Mas em uma sociedade acostumada a dissociar o corpo da mente e do espírito, a dissociar razão e intelecto de intuição, sentimento e emoção, nada mais natural do que dissociar também mãe e nascituro.
Se queremos o bem do nascituro, nada mais lógico do que querermos o bem da gestante/parturiente/mãe/mulher.
Por deboraligieri
Esse caso de Torres é um exemplo da necessidade de ampliação do movimento de humanização não só na saúde, mas também no setor jurídico da nossa sociedade brasileira. Sendo advogada na área de saúde pública e privada, eu lido com aplicadores do Direito nessa área todos os dias, e a tendência do setor é esquematizar as pessoas conforme a doença ou situação de saúde, de forma a atingir enunciados gerais que não avaliam a situação pessoal de cada paciente, ao qual é negado o direito de ser diferente de uma regra médica que nunca é geral.
Nas próximas semanas o CNJ estará discutindo em São Paulo enunciados para ações de saúde, mas não discutirá como o Judiciário pode garantir o direito à vida e à saúde dos jurisdicionados sem interferir em suas escolhas pessoais e sem interferir, ou interferir o mínimo possível, em políticas públicas de saúde. Acho que essa deveria ser a questão discutida antes mesmo da procura de enunciados que servem apenas ao enquadramento frio e desumano das particularidades médicas de cada paciente que procura a Justiça.
Nessas horas, tenho vergonha de ser uma profissional do Direito! Lamentável o que se fez através do Estado, do Poder Judiciário, sob a falsa rubrica de cumprimento da lei. Não há lei que legitime esse procedimento bárbaro!
Débora
Débora,
A tua frase " a tendência do setor é esquematizar as pessoas conforme a doença ou situação de saúde, de forma a atingir enunciados gerais que não avaliam a situação pessoal de cada paciente, ao qual é negado o direito de ser diferente de uma regra médica que nunca é geral" mostra que este é um caso emblemático de bioidentidade obscurecendo as singularidades das vidas concretas.
Mandou muito bem!!!
Compas
Na correria só agora vou entrando na dimensão deste caso, que acabei de ler em outro e-mail e fiquei estupefato, não surpreso, mas indignado com o tamanho do poder que as forças conservadoras tem alcançado em nossa sociedade, para não dizer no mundo.
Concordo com tudo o que li nas análises e ponderações de todos, mas penso que, para nós, PNH, urge uma imperiosa reflexão sobre que vida defendemos. Afinal, o que pode ser feito em nome da vida? Que vida e a que preço?
As instituições, sem dúvida, tomam vida através das pessoas, mas não ousaria dizer que o caso reflita a posição dos profissionais em seu conjunto daquela instituição, porque sabemos bem, pelas mesmas forças conservadoras, que dentro da instituição nem todos são tomados como pessoas, como protagonistas.
Já vi um caso parecido acontecendo, quando uma esquizofrênica levou o filho para ser tratado na instituição na qual atuava e o médico decidiu que, por ser esquizofrênica, ela não tinha condições de cuidar da criança e, passando por cima de todos os protestos das assistentes sociais, psicólogos e alguns enfermeiros, acionou o Conselho Tutelar, que, diante da recomendação médica, ordenou que a criança fosse conduzida para uma instituição tutelar. Quando a mãe, enfurecida, quis se defender e não deixar levarem a criança, foi diagnosticada como em surto e internada em uma instituição psiquiátrica. Pergunto: que loucura há em levar o filho doente a uma instituição de saúde para ser tratado? Quem são aí os loucos?
Comento o caso apenas para demonstrar que há toda uma rede coercitiva e conservadora, se arrogando o direito de defender uma vida abstrata, que eles consideram vulnerável. Uma rede de instituições, quase sempre, ou sempre, envolvendo decisões que passam pelo crivo de 'peritos' médicos/jurídicos sob os quais ninguém mais tem poder de contestação. Não era neste bojo que caminhava o ato médico?
Enfim, lógico que há muito trabalho e intervenção a fazer nas instituições, mas quero enfatizar que, mesmo dentro delas, outras formas de entender a vida se articulam, mas sem a força para se fazer ouvidas. O problema tem um escopo mais macro e mais urgente que precisa ser atacado de frente: Qual vida merece ser vivida? Qual vida merece ser socorrida? Quem tem o poder de decisão sobre uma vida?
Como gente e como militante não defendo qualquer vida, não defendo qualquer SUS, não defendo qualquer saúde? Qual vida afinal queremos viver?
Abs.
Miguel
Por Laura Gonçalves
Muito bom, Miguel. Também não defendo qualquer SUS.
Com que forças nos aliamos? Quais afirmam a vida em sua potência sem prepotência?
Acho esse episódio um arroubo de autoritarismo e queria muito ver meus colegas da política nacional de humanização indignados e expressando essa indignação, juntando forças nesse movimento de repúdio aos abusos de um estado que intervém violentamente em nome da saúde.
Por Laura Gonçalves
Por Sabrina Ferigato
Ótima notícia Laura!!!
A história é um caso emblemático dos dois imperativos sociais que tomam de assalto as vidas hoje. Não há mais nenhuma instância do viver onde o poder médico e a judicialização não tenham se imiscuído em nome da gestão dos riscos.
Travestidos, é claro, pela atitude supostamente protetora. Uma formatação social que coloca a técnica e a ciência acima da ética. Nada mais sinistro e contemporâneo.
Mas, onde há poder, há também a resistência: a Política Nacional de Humanização constrói uma resistência amorosa, por intermédio de dispositivos que resgatam a possibilidade de escuta para aqueles cujo discurso é desqualificado pela suposta competência científica.
Escutemos pois a fala deste pai, desta mãe, da doula e de todos os que se batem pela humanização da vida.
Iza
Por Laura Gonçalves
Iza, também aposto firmemente na potência de afirmação e exercício de resistência através da PNH!
Não deixemos de nos manifestar.
Somos todas Adelir.
ADELIR!
Infelizmente, o caso Adelir deixa claro como a realidade está distante de um atendimento obstétrico condizente com as diretrizes de humanização que são política pública do Ministério da Saúde há mais de 15 anos.
Por um lado, temos gestantes que morrem pela falta de atendimento adequado.
Agora, na vertente contrária, temos o primeiro caso de intervenção do Estado para "garantia da saúde do nascituro", porém de forma totalmente ilegal e equivocada, baseada em laudos médicos mal interpretados e uma ação judiciária impulsiva desprovida da prudência necessária à avaliação de qualquer causa, e sem considerar em nenhum momento o risco à saúde e à vida da mãe.
Inclusive, resultando, na prática, no aumento aos riscos à saúde desse nascituro exposto a um nascimento tenso, por procedimento que o expõe a 3 vezes mais a risco de vida, que pode causar alergias e problemas respiratórios permanentes, privado do direito aos benefícios da amamentação na primeira hora de vida.
Tudo isso demonstra a falta de esclarecimento real dos profissionais que deveriam zelar pela saúde e pela justiça.
Esperamos realmente que este caso seja um paradigma do que não deve ser feito, e que casos como esse nunca mais se repitam.
Os argumentos jurídicos podem ser consultados aqui:
https://www.cientistaqueviroumae.com.br/2014/04/denuncia-do-caso-adelir-torres-rs-ja.html
Por Laura Gonçalves
Foi mesmo uma suscessão de erros Valéria!
O "conforto" (se é que há) é vermos a mobilização das pessoas não para defender Adelir, mas tudo o que ela representa nesse momento.
Somos todas Adelir!!!!!!!
Por Sabrina Ferigato
Muito importante ver atores sociais tão importantes vinculados à PNH se pronunciar em relação ao caso, colocando-se ao lado dos direitos dos usuários e em favor da justiça social. Importante também a afirmação de que para mudar esse processo não basta o direito do usuário ser determinado por lei, mas é preciso fundamentalmente a transformação das instituições, dos processos de trabalho, da formação tecnicista e autoritária, é preciso MOBILIZAÇÃO SOCIAL!
Para a maioria das pessoas, que foram ao longo do processo cultural naturalizando a ideia de que a mulher pode ser desautorizada em relação ao seu corpo e à sua gestação, o parto se tornou sinônimo de dor e responsabilidade médica. Por isso tudo, anestesia-se a mulher da dor (o que deve ser um direito e uma escolha da mulher caso ela queira e não um protocolo), mas quase como um efeito colateral, ela é forçava a se anestesiar de todo o resto e como num efeito de contágio, os profissionais também se anestesiam de sua percepção do outro e de sua sensibilidade. Esteriliza-se o ambiente e os materiais, mas mais do que isso, esterilizam-se as equipes, que muitas vezes, ficam estéreis ao grito da vida. Agendam-se cesáreas eletivas desnecessárias, poupamos as mães e médicos de imprevistos, poupamos o gasto de seu tempo, se ganha mais dinheiro, o bebe é pego de surpresa, nasce bruscamente, e nos esquecemos que a imprevisibilidade é um elemento inerente a vida e que o parto é muito mais do que um procedimento que tem a mulher como um objeto de intervenção e o bebe como um produto; nos esquecemos que a mulher é fisiologicamente preparada para parir.
Sou a favor da redução dos riscos do momento do parto, mas olhar a gestação e o parto apenas sobre a ótica dos riscos é olhar o nascimento em seu potencial de morte, prevenir riscos e humanizar a atenção ao parto é poder olhar para esse momento em seu potencial de vida, como um evento fisiológico e natural, um acontecimento na vida de uma família repleto de significados, que merece ser respeitado.
Incluir nesse processo a força policial e a a judicialização é o oposto de qualquer sentido da produção de cuidado, é abuso de poder, é biopoder em sua expressão mais cruel, na medida em que escancara como uma política pública pode ser perigosamente transformada em instrumento de normatização, de violação de direitos e de diminuição da potencia de existir. Não podemos abrir precedentes para isso!
Somos todas Adelir!!!
Por Laura Gonçalves
Contamos com o coletivo que faz parte do movimento pela humanização na saúde para somar forças na pressão que precisa ser feita nesse momento. Esse é um daqueles momentos em que uma situação lamentável ajuda a por em análise práticas cotidianas de violência contra os usuários, não só do SUS, mas dos serviços de saúde.
Mas a nós, acredito, cabe a defesa de duas frentes: a da garantia dos direitos da saúde sexual e reprodutiva das mulheres (nesse caso específico) e a defesa de um SUS que acreditamos e que sabemos que dá certo quando funciona exercitando preceitos éticos fundamentais.
E afirmarmos o PROTAGONISMO, a co-responsabilidade e a autonomia dos sujeitos e dos coletivos como um DOS PRINCÍPIOS DA POLÍTICA NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO, não é qualquer coisa, NÃO É MESMO COMPANHEIROS?
Também entrando na conversa. Aliás, me sinto inteiramente à vontade pra fazer isto, porque já estive no lugar da Adelir, como uma parturiente que também teve os seus direitos violados no momento do parto. Momento que eu também me senti como ela, roubada na minha identidade e na autonomia de decisão,
Infelizmente, no nosso país, a violência obstétrica é cultural, e embora, este tenha sido um dos primeiros motivos a disparar a humanização na saúde, ainda é muito forte o desrespeito à mulher na hora do parto. Para muitos profissionais, ela ainda é olhada como um saco de guardar bebê e que este pode sair do jeito que acharem melhor, sem a menor consideração ao direito de autonomia e protagonismo da mãe.
Saber da reação da Adelir contra essa violência sofrida, e ver a mobilização do coletivo da PNH colocando em análise o tema, defendendo com paixão os direitos dos cidadãos usuários do SUS, me deixa eufórica e feliz. Muito bom!
Estamos aqui, e contem com o nosso apoio nesta mobilização!
AbraSUS!
Emília
Por bethmori
O acontecimento demonstra que temos muito que avançar na garantia dos direitos aos usuários à saúde.
A PNH, desde 2003, tem reafirmado que a gestão dos processos de trabalho e do cuidado se dá no diálogo entre trabalhadores, gestores e usuários. avaliamos recentemente, no coletivo nacional de consultores que atuam nos territórios regionais, que os usuários e sua família ainda estão muito distante das conversas que acontecem nos serviços de saúde. e, enquanto isso permanecer, não conseguiremos as mudanças propostas pelo SUS.
O Sistema é o principal plano de saúde da população brasileira que ajudou a construi-lo há mais de 20 anos mas, que de lá pra cá, não tem conseguido participar efetivamente das mudanças na gestão e na atenção necessárias para efetivarmos as conquistas previstas na lei maior brasileiro.
Nos chama a atenção, neste trabalho cotidiano do apoio intensivo, o descumprimento pelos profissionais das leis federais e portarias do Ministério da Saúde que podem indicar desconhecimento e na pior das hipóteses desrespeito consciente pela atitude de arrogância que, muitas vezes, os processos de trabalho nos submetem.
O assujeitamento tem sido a causa de processos de gestão verticais, autoritários e antidemocrático.. a PNH reafirma a democracia institucional (proposta por Gastão Wagner) no modo de gerir a saúde e este caso de Torres (cidade do Rio Grande do Sul) mostra que todos fomos ou poderemos ser um dia Adeliar que mesmo procurando ser sujeito de sua história foi violentada por processos de trabalhos truculentos executados por profissionais da saúde e da justiça.
A "relação Saúde e Justiça" é também outro analisador que também merece ser pensando neste caso de Torres. estas duas áreas há tempos não têm conseguido dialogar para juntas realizarem o trabalho que são convocadas pela sociedade. temos percebido este problema em outras áreas, como a saude prisional, saúde indígenas, enfim, todas aquelas que lidam com as politicas de equidade, como a saúde da mulher.
Urge a adoção de ações que apostem na potência dos profissionais para atuarem na fronteira desses saberes. Trata-se de território ainda muito pouco habitado por essas duas áreas: saúde e justiça!
Por Laura Gonçalves
Querida Beth,
Ainda temos muito o que avançar no protagonismo dos profissionais nas equipes de saúde, sobretudo quando estão submetidos a processos de trabalho verticais e autoritários, como vc destaca.
E MAIS AINDA em criar as condições para o protagonismo dos usuários e suas famílas! Adelir foi uma guerreira e ela, seu marido e a doula SUPER CORAJOSOS de tornarem pública uma situação que parece PESSOAL E INDIVIDUAL, mas não é!
Ela coloca em análise e explicita SITUAÇÕES VIVIDAS POR MULHERES BRASIL A FORA NAS MATERNIDADES TODOS OS DIAS!
A violência sofrida por Adelir foi extrema, pois agregou força policial. MAS SABEMOS QUE MUITAS VEZES NEM É NECESSÁRIA ESSA FORÇA, pois o terror e o medo, a pressão psicólogica e a coação, faz com que mulheres cedam e aceitem cesarianas desnecessárias, ou então sofrem violências físicas e verbais em seus partos normais (não vamos nem entrar no mérito do parto natural e do domiciliar por hora).
AINDA TEMOS MUITO PELO QUE LUTAR E É UMA ALEGRIA CONTAR COM A PNH E COM CONSULTORES/APOIADORES PARA ISSO!
AbraSUS para vc amiga querida e força porque a luta continua!
Me pareceu um exagero que o poder médico e o poder jurídico exerceu. Como fica o direito da mulher em decidir sobre as vias de parto de sua preferência, direito sobre o seu corpo e sobre a criação de vínculos entre o bebê e sua mãe. Agora segundo a matéria não garantiram o direito do pai apoiar a sua esposa e acompanhar o nascimento da sua filha. Lastimável que esse pensamento ainda persista!
Por Laura Gonçalves
Maria Helena,
Você chamou a atenção para um aspecto MUITO importante desse caso: NÃO TEREM GARANTIDO O DIREITO AO ACOMPANHANTE PARA ADELIR.
Outro ERRO GRAVE dessa equipe/Maternidade.
Como assim o pai não pode estar Adelir???
É lei e nós precisamos nos mobilizar mais e sempre para fazermos valor a letra morta da lei, para fazermos com que ela seja exercida e que os usuários tenham seus direitos efetivamente garantidos.
Estamos juntos Maria Helena!
Somos todos Adelir!
Por fabiobhalves
Olá pessoal.
… belo debate …
Saudações e até a VITÓRIA!!!
Por Sabrina Ferigato
Por Laura Gonçalves
Governo manifesta solidariedade a Adelir Carmem Lemos de Goes
11/04/2014
As Secretarias de Direitos Humanos e de Políticas para as Mulheres da Presidência da República e o Ministério da Saúde vêm a público se solidarizar com Adelir Carmem Lemos de Goes, que foi submetida, contra sua vontade, a uma cesárea por decisão da Justiça no dia 1º de abril na cidade de Torres (RS). Na oportunidade manifesta também apoio às medidas adotadas pelo governo do Rio Grande do Sul. A situação vivida por Adelir – parto cirúrgico sem consentimento – aponta para uma série de questões que envolvem os Direitos Humanos na Saúde e coloca as seguintes reflexões para nossa sociedade.
1. Os princípios de Direitos Humanos preconizam que todas gestantes têm direito a acesso a atendimento digno e de qualidade no decorrer da gestação, parto e puerpério, e que a assistência seja realizada de forma humanizada e segura. A mulher tem o direito de escolher como será o parto de seu filho, a posição do parto, e quem deve acompanhá-la nesse momento. Isso é Lei no Brasil. A não observância dessas questões – e outras – se configura em flagrante violação de direitos. A Resolução nº 50, da Organização das Nações Unidas (ONU), reconhece que Direitos Humanos são parte dos princípios e valores inerentes à saúde.
2. Sabidamente o Brasil é um dos países que mais realiza partos cirúrgicos, correspondendo a mais da metade dos nascimentos, situação que nos faz refletir sobre a cultura da cesárea em nosso país.
3. A atenção obstétrica humanizada e segura é foco de ação do governo federal, que em 2011 apresentou para sociedade brasileira a Rede Cegonha. Essa estratégia atua para qualificar a atenção à mulher, articulando o planejamento reprodutivo, o cuidado à gravidez, parto e puerpério, e a atenção à criança desde o nascimento, estendendo os cuidados até os dois anos, período decisivo para o seu desenvolvimento. Assim, a atenção obstétrica e neonatal no SUS caminha para outro modelo, que considera que parto pertence à mulher, que deve ser respeitada, assistida e amparada.
4. É importante que profissionais de saúde saibam manejar conflitos e sejam capazes, sem prejuízo ético e técnico, direcionar sua ação para a produção de consensos que permitam chegar a uma condução terapêutica, contemplando interesses e necessidades de ambas as partes.
O Brasil deve aproveitar esse fato para ampliar o debate sobre o cuidado obstétrico e neonatal, incluindo a violência obstétrica em todas as suas formas e a observância de Direitos Humanos na Saúde, sem o qual o direito à saúde, consagrado em nossa Constituição, não se faz valer plenamente.
Brasília, 11 de abril de 2014.
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República
Secretaria de Políticas paras as Mulheres
Ministério da Saúde
Por Cláudia Matthes
https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2014/04/conselho-de-medicina-vai-investigar-cesarea-por-ordem-da-justica-no-rs.html