Princípios para o atendimento clínico de gays, lésbicas e bissexuais
Todo psicólogo clínico ou institucional se deparará, pelo menos uma vez em sua carreira, senão cotidianamente – como é o meu caso – com demandas que tangenciam ou se relacionam diretamente à questão da orientação sexual. E muitas vezes tais demandas dizem respeito ao sofrimento experimentado por gays, lésbicas e bissexuais com relação à própria sexualidade e/ou com relação ao preconceito sofrido em função de suas orientações sexuais (que não são propriamente escolhas, diga-se de passagem). Tendo isto em vista, considero relevante trazer para este blog algumas reflexões e princípios expostos no ótimo livro “Terapia afirmativa: uma introdução à psicologia e à psicoterapia dirigida a gays, lésbicas e bissexuais”, escrito pelo psicólogo clínico Klecius Borges – autor também das obras Desiguais e Muito além do arco-íris.
Neste livro Klecius expõe as bases conceituais e os princípios da chamada terapia afirmativa, entendida por ele não propriamente como uma abordagem clínica (como a psicanálise, o humanismo ou o comportamentalismo) mas como uma espécie de filosofia clínica que considera a identidade homossexual uma “expressão natural, espontânea e positiva da sexualidade humana, em nada inferior à identidade heterossexual”. Como já apontei anteriormente (ver aqui e aqui), não faz sentido – além de ser uma infração ética no Brasil – considerar a homossexualidade uma patologia passível de ser tratada ou curada. Trata-se de uma forma de ser e estar no mundo, tão válida quanto a heterossexualidade. Segundo Klecius, um terapeuta afirmativo é aquele que reconhece justamente isso: que as identidades gay, lésbica e bissexual são formas de experiência e de expressão humanas, tão positivas quanto a identidade heterossexual. Para tal profissional, é a homofobia (externa e internalizada) a principal responsável por muitos dos conflitos vivenciados pelos homossexuais e bissexuais e não a homossexualidade em si.
E é nesse sentido que Klecius, a partir do livro Pink Therapy, aponta para algumas condições essenciais (ou princípios) que os terapeutas que se pensam afirmativos – e, eu acrescentaria, todos os terapeutas – deveriam levar em conta no atendimento aos pacientes homossexuais ou bissexuais: 1) Respeito pela orientação sexual do paciente, considerando-a uma manifestação saudável, e não patológica da sexualidade humana; 2) Respeito pela integridade pessoal do paciente, lembrando que os pacientes gays tem um histórico de opressão que os torna muito vulneráveis na relação de poder (relação transferencial) com o terapeuta. Não revelar a terceiros ou mesmo familiares a identidade sexual do paciente é um dos cuidados a serem tomados na preservação de sua integridade; 3) Respeito pela cultura e pelo estilo de vida do paciente, mesmo quando seus valores morais são diferentes dos do terapeuta. Se for o caso, é necessário que o terapeuta procure conhecer a diversidade dos estilos de vida e das subculturas das comunidades gay e lésbica; 4) Respeito por suas próprias crenças e atitudes. O terapeuta deve se dispor a examinar os próprios preconceitos e crenças a respeito das orientações sexuais diferentes da sua e, em determinadas situações, dependendo desta autoanálise, ser capaz de reconhecer sua incapacidade de atender pacientes homossexuais.
Com relação à este último ponto, Klecius aponta para as principais crenças do terapeuta que podem interferir negativamente no processo terapêutico: a) a de que a homossexualidade vai contra a vontade de Deus e é pecado; b) a de que a homossexualidade é uma doença, é antinatural ou é uma perversão; c) a de que a homossexualidade é inferior à heterossexualidade; d) a de que a monogamia é a única forma saudável de se viver um relacionamento sexual; e) a de que os relacionamentos homossexuais são sempre superficiais, não duram e são apenas sexuais; f) a de que gays, lésbicas e bissexuais têm maior probabilidade de abusar sexualmente de jovens ou de que de alguma forma “pervertem” a sexualidade ainda em formação destes; g) a de que a paternidade e a maternidade gays e as famílias gays não tem o mesmo valor que seus equivalentes heterossexuais.
Cabe apontar que estas são as crenças de muitos psicólogos que se dizem “cristãos” ou “missionários” e que propõem ou disseminam propostas de tratamento ou mesmo de “cura” para as homossexualidades. Na contramão de tais propostas, Klecius aponta ainda que o objetivo central de uma terapia afirmativa é “ajudar o paciente a tornar-se mais autêntico, por meio da integração dos sentimentos, pensamentos e desejos homossexuais às diferentes áreas de sua vida, desenvolvendo, assim, uma identidade gay positiva”. O objetivo é, portanto, não tratar ou curar sua homossexualidade, mas sim ajudar o paciente a passar da vergonha e da homofobia internalizada para o orgulho de sua identidade sexual. Tendo tudo isso em vista, deixo aqui uma indagação: você se considera afirmativo? Se não, o que falta para você se tornar um psicólogo (ou um profissional da saúde) afirmativo?
Por Maria Luiza Carrilho Sardenberg
para os profissionais do campo psi! Muito bom, Felipe!