“Sem drama” – Clínica Ampliada da Arte

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Aos companheiros da Rede HumanizaSUS.

Há alguns dias fui ver uma produção de teatro. A peça foi montada de modo colaborativo pelos artistas e teve uma única apresentação. Seu nome é o título deste post. Fui por convite, curiosa, sem prévia alguma do que se tratava. Bem, para minha melhor alegria era arte e saúde embrenhadas. Era a luta vital com a qual faço e compartilho meus dias. Utilidade pública. Hoje este grupo pretende inscrever o projeto em editais do estado. Uma das intenções é circular por algumas cidades e colocar o debate para ferver.

Venho aqui neste espaço estratégico de luta e abertura comunicacional para ouvir de vocês alguns lugares-cidades nos quais pode ser investida essa empreitada de apresentação da peça, debate e produção cartográfica a partir delas, que será espalhada pelas redes culturais e de saúde pública. Poderia ser todos os lugares, mas é necessário escolher. Para isso, compartilho um pouco das linhas pelas quais transita esse intento e fiquem à vontade para questões, dicas, enfim… A única atriz da peça nos conta, a partir da própria história vivida, como descobriu o câncer de mama – o arrebatamento existencial, o acontecimento que a toma, os modos como as relações se produziam a partir de uma vida tomada pelo diagnóstico. Relações com familiares, amigos, trabalhadores do SUS, hospitais conveniados, com outras pessoas em "situações semelhantes" de saúde. A pessoa-atriz fez um profundo estudo estatístico, mergulhou fundo nas macro e micropolíticas que tramam um acontecimento. E a arte que se fez de nenhum modo perseverou em tristeza, mas sim, em toda diversidade e bravura que cabem no arrebatamento e nas políticas. Todo o tempo da peça é um tempo informativo e sensível. Tudo junto. Abaixo o que escrevi para a atriz, pelos modos como fui tocada – como cidadã, como gente, como trabalhadora em arte e saúde:

"Te escrevo para contar um pouco, sem dramas, o que se passou.

O que toca é o humano na estatística, a luta na informação, a sensibilidade no modo de resistir. E antes, o que atravessa tudo com o mais comum de nós – ir embora. Ir… como quem mal sabe… ir embora de uma relação, de um conceito, de uma certeza… ir embora da própria vida. E a escolha de como se quer ir.

A diferença que abraças ao compartilhar publicamente uma história de muitos é um modo micropolítico de dizer o tempo em que se afunda no caldo gigante da onda… de respirar e voltar a afundar… a despedida do que se deixa e o encontro com o que se alcança quando não acaba. A solidão no arrebatamento.

Morrer e viver como um ato de utilidade pública. E desse conceito, dessa luta, dessa força, toda gente entende. A grande potência é essa: alcançar o devir revolucionário que está em qualquer lasca de minério, em qualquer célula, em qualquer gente.

A produção estética e artística como estratégia, como ferramenta política de produção em saúde e subjetividades. Acredito que só assim se pode fazer um povo mais solidário e firme na constituição de si mesmo. Fazer-se pedreiro e no abismo, abismar-se.
Saúde que não é da unicidade de um órgão, mas da trama rizomática na qual este estabelece suas relações e funcionalidades. Saúde que é da possibilidade de contratualidades, jogos de forças e afetos nos quais a manutenção da vida não se dá a qualquer preço. Uma rede intensiva de cuidados com o que cada corpo pode portar, com o que cada corpo advém.
Subjetividade que não é entendida como propriedade intimista de um sujeito, e sim produção e invenção sem natureza intrínseca, já que o que há é uma constante subjetivação, um processo contínuo e inacabado de novos modos de existência, a partir de conexões rizomáticas e forças heterogêneas.
Você tocou no meu sentido de luta!!

Como dizes, está mesmo na hora de pararmos de passar vergonha.
Escrever e expor é um Ato.
Primeiro Ato – não ter vergonha de ser gente (a primeira macropolítica que a gente devia aprender quando nasce).

Agradecida por isso.
Agradecida a mim mesma por ter ido".

Compartilho aqui com os companheiros pela força ativa que acredito portar a experimentação estética enquanto exercício de liberdade, exercício das nossas máximas potências de agir. Experimentação estética que são as conexões e produções criadas em diversas linguagens artísticas e que é também a qualidade intensiva das forças produzidas nos encontros clínicos. Uma clínica-encontro que se faz a partir das relações e não diagnósticos.

 

Grande abraço agradecido!